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Por que a Suprema Corte do Brasil proibiu Lula de dar entrevistas antes das eleições

Categorias: América Latina, Brasil, Censorship, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mídia e Jornalismo, Política

Arco-íris ao entardecer visto da Estátua da Justiça | Foto: Fellipe Sampaio/Supremo Tribunal Federal/Divulgação [1]

Em meio a uma das eleições mais polarizadas no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) — Suprema Corte brasileira — viveu dias de batalha de decisões judiciais entre seus ministros, para definir se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso pela Polícia Federal desde o dia 7 de abril [2], poderia ou não dar entrevistas a veículos de imprensa nacionais.

No fim do mês de setembro, o jornal Folha de São Paulo, um dos maiores veículos de notícias do país, pediu à juíza responsável pela execução da pena de Lula, que cumpre pena por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, acesso para uma entrevista. O pedido acabou sendo negado [3] e o jornal levou o caso ao Supremo com base na liberdade de imprensa.

Afirmando que há diversos precedentes garantindo o “direito de pessoas custodiadas pelo Estado, nacionais e estrangeiros, de concederem entrevistas a veículos de imprensa, sendo considerado tal ato como uma das formas do exercício da autodefesa”, o Ministro do STF Ricardo Lewandowski conferiu no dia 28 de setembro a autorização para que a entrevista fosse realizada e veiculada [4].

Na noite do mesmo 28 de setembro, porém, Luiz Fux, na condição de vice-presidente do STF, suspendeu a decisão do colega de corte [5]. O pedido de suspensão foi apresentado pelo Partido Novo, agremiação partidária de viés liberal e que defende entre seus valores o livre mercado e a liberdade individual [6].

Em sua decisão [7], o Ministro Fux proíbe o ex-presidente de “realizar entrevista ou declaração a qualquer meio de comunicação, seja a imprensa ou outro veículo destinado à transmissão de informação para o público em geral”. Além disso, determina que “caso qualquer entrevista ou declaração já tenha sido realizada por parte do aludido requerido, a proibição da divulgação do seu conteúdo por qualquer forma, sob pena da configuração de crime de desobediência”.

De acordo com Fux, “há elevado risco de que a divulgação de entrevista com o requerido Luiz Inácio Lula da Silva, que teve seu registro de candidatura indeferido, cause desinformação na véspera do sufrágio” justificando o que, nas palavras do Ministro, seria “uma a relativização excepcional da liberdade de imprensa”.

Em resposta, o Ministro Ricardo Lewandowski se manifestou no dia 1º de outubro reafirmando sua decisão anterior e ordenando seu cumprimento [8]. Além de apontar que Fux [9] não teria poder de interferir na decisão, ele ainda alegou que levar a decisão ao Plenário da Corte tornaria o posicionamento do STF sem consequências.

Três dias depois, foi a vez do presidente do Supremo tomar a frente da briga. O Ministro Dias Toffoli se manifestou por despacho [10] após um pedido de esclarecimentos enviado pelo Ministério da Segurança Pública. Em seu despacho, ele afirma que a suspensão de decisão expedida pelo Ministro Luiz Fux deveria ser cumprida até que a matéria fosse decidida pelo grupo de ministros.

Dessa forma, manteve-se a proibição ao ex-presidente Lula de se manifestar publicamente, de realizar ou transmitir entrevistas com o político preso. Além da Folha de São Paulo, uma entrevista ao jornalista Florestan Fernandes Jr. e outros veículos também foram proibidas.

Em uma reportagem da própria Folha [11] sobre o caso, o relator especial para liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Edison Lanza, diz:

A decisão de proibir a realização e difusão de uma entrevista por parte da imprensa, a meu ver, constitui censura prévia e afeta o direito de liberdade de expressão do protagonista da entrevista, assim como do meio de comunicação que quer fazer seu trabalho de perguntar e informar o público

Reações

Ministro Dias Toffoli preside sessão do STF. Foto: Nelson Jr./Supremo Tribunal Federal/Divulgação [12]

A guerra de decisões no STF foi pontuada por manifestações de entidades representativas de setores da imprensa. Logo após a primeira decisão do Ministro Luiz Fux, determinando a “relativização excepcional da liberdade de imprensa”, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), divulgou nota [13] na qual sustenta a posição de que “não é possível compatibilizar ‘livre expressão de ideias’ com regulação e censura.” e apelando ao tribunal para que “que reestabeleça o entendimento, já firmado pela própria Corte quando da extinção da Lei de Imprensa, de que:

não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas (…) a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público.

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) também divulgou uma nota pública [14] após a confirmação da decisão pelo Ministro Toffoli. Na nota, a Federação repudia a censura e afirma que “a democracia brasileira está ameaçada porque o Estado Democrático de Direito tem sido violado por instituições que deveriam zelar pela sua manutenção”, caracterizando a postura do STF como “inaceitável”.

Em tom menos combativo, a Associação Brasileira da Imprensa (ABI) afirmou em nota oficial [15] que apesar de proibido pela Lei de Execuções Penais, entrevistas com pessoas encarceradas são comuns na mídia brasileira, concedendo que a prisão do ex-presidente Lula seria uma “situação inédita”. A entidade encerra seu posicionamento afirmando que a solução da controvérsia não se dará pela “intolerância ou no calor das paixões que permeiam a atual campanha política”.

Imprensa do Brasil no mapa

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias Toffoli concede entrevista a jornalistas | Foto: Rosinei Coutinho/Supremo Tribunal Federal/Divulgação [16]

No último ranking mundial da liberdade de expressão [17], produzindo pela ONG Repórteres sem Fronteiras – RSF, o Brasil aparece 102ª posição entre 180 países. Nossa situação é descrita como “mais insegura do que nunca”. Segundo o relatório da RSF, o Brasil é um dos países mais violentos da América Latina para jornalistas. A liberdade de Imprensa no país esbarra tanto na violência quanto na concentração das plataformas de notícias [18] nas mãos de poucos grupos familiares, geralmente ligados a políticos e partidos.

Em relação à segurança dos profissionais, nos faltam mecanismos legais e institucionais para a proteção de jornalistas e suas fontes. Além da ameaça a vida e integridade física, jornalistas brasileiro enfrentam também a ameaça da sanção estatal, sujeito à processos abusivos no âmbito judicial [19].

Apesar de ter avanços tímidos conquistados graças a decisões recentes no sentido de proteger a liberdade de imprensa [20], o próprio STF tornou-se palco de uma disputa em que interesses político-partidários parecem se sobrepor à liberdade de imprensa.

Enquanto a decisão final da questão fica suspensa até manifestação do plenário do STF, seguem os ataques à liberdade de imprensa que será uma das marcas deste processo eleitoral. Segundo dados da ABRAJI [21], em 2018 já foram registrados 137 casos de violência em contexto político, partidário e eleitoral contra jornalistas. Esse número tende a crescer conforme se aprofunda a polarização partidária e os ataques à imprensa tornam-se lugar-comum na retórica de candidatos, partidos e da militância política.