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Brasil: Com liderança da extrema-direita nas eleições, LGBTs relatam ataques e crises de ansiedade

Categorias: América Latina, Brasil, Direitos Humanos, Direitos LGBT, Eleições, Mídia Cidadã, Política

Levantamento aponta que ocorreram cerca de 70 ataques no Brasil pelo “acirramento da violência política”, no período de eleições| Foto: ONG Somos/Divulgação/Usada com permissão

Dias depois do primeiro turno das eleições no Brasil, que deram 46% dos votos [1] ao candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, o país viu aumentarem os relatos de agressões e intimidações contra pessoas LGBT.

Bolsonaro é conhecido por declarações polêmicas [2], como dizer a uma colega deputada que não a estupraria “porque ela não merecia” e já disse ser “homofóbico, com orgulho [3]“.

Entre relatos de ameaças e agressões, crises de pânico e ansiedade viraram rotina para população LGBT nestas eleições. O Global Voices ouviu algumas das histórias de quem viveu isso.

O designer e figurinista Filipe Teixeira, 24 anos, conta que foi vítima de intimidações de pessoas que declaram voto em Jair Bolsonaro no dia seguinte à votação. Ele saía de casa para almoçar em um bairro de classe média-alta, em Porto Alegre, no sul do país, quando homens dentro de um carro gritaram: “Bolsonaro vai matar viado” (uma gíria no Brasil para se referir a homens gays).

Me senti intimidado e constrangido também pela exposição. Tinha pessoas em volta, não fui o único a ouvir. Fora que eu sofro de ansiedade e pânico e essas situações são certamente um forte gatilho para que as crises aconteçam. Penso também nas pessoas que têm menos recursos do que eu pra tratar esses problemas, o quanto podem vir a sofrer.

Felipe diz que sua mãe ficou preocupada e nervosa quando soube do fato e chorou. Ele diz ainda:

Vamos resistir, acima de tudo, e torcer para que as coisas não sejam tão ruins quanto a gente espera, por mais que eu não acredite muito nisso.

Em São Paulo, um caso semelhante aconteceu com o ator e diretor de teatro Caio Balthazar, 31 anos. Ao sair a pé do local onde votou no dia 7 de outubro, um homem o empurrou e o xingou gritando coisas como “Vai dar o cu, seu viadinho” e “Você tem que dar o rabo, seu viadinho filho da puta”. Em seu perfil no Facebook [4], Caio escreveu:

Era tanto ódio que saía da boca dele, mas tanto ódio. Eu fiquei em choque, perplexo, totalmente sem reação. Quando eu falo que o discurso de ódio ameaça minha existência, eu não estou exagerando.

“Veado de merda! Logo, logo a gente vai poder te matar”. Essas foram as palavras que o terapeuta ocupacional Diego Celestino, 30 anos, ouviu enquanto caminhava na rua voltando do trabalho na semana após as eleições também em São Paulo.

O marido dele, Flávio Henrique Santana, 29 anos, disse que o casal já andava assustado por causa de agressões sofridas por amigos próximos. Em 11 anos de relacionamento, eles nunca haviam sofrido ameaças do tipo.

Depois de relatar o que houve nas redes sociais [5], Flávio compartilhou o post no grupo de WhatsApp da família, que tem vários eleitores de Bolsonaro. Ele diz que ninguém se manifestou sobre o que aconteceu.

Ao Global Voices, Flávio diz que, mesmo depois de se sentir desestabilizado, percebeu a necessidade de resistir:

Nós nos sentimos muito sozinhos, é como se a gente não tivesse apoio das pessoas que mais espera: a família. Eu não quero ninguém chorando no meu velório quando eu for assassinado por homofobia. É o que a gente pode fazer agora. Ao mesmo tempo, estamos cogitando sair do Brasil caso ele ganhe. Não vou pensar duas vezes.

De volta ao armário?

Mulheres protestam contra o presidenciável Jair Bolsonaro em Brasilia | Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Para o psicólogo e professor Angelo Brandelli Costa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), está acontecendo uma repetição do momento em que as pessoas eram obrigadas a esconder sua sexualidade. Ele diz:

No Brasil, nunca tivemos uma mudança completa. A violência estava latente e as pessoas não percebiam. O que mudou, agora, é que também se está responsabilizando certos grupos sociais por problemas que são mais complexos e envolvem economia e política.

Costa lembra que existem pesquisas detectando que experiências de preconceito direto — quando as pessoas LGBT são violentadas física ou verbalmente — e indireto — quando se antecipa que uma agressão pode acontecer — têm uma repercussão grande na vida das vítimas gerando ansiedade, depressão e isolamento.

Para ele, o que estamos vivendo é uma crise civilizatória em que direitos humanos estão sendo violados e as instituições que deveriam protegê-los não estão conseguindo lidar com a situação.

Precisamos ir para um outro debate, de entender que qualquer pessoa deve ter seus direitos preservados simplesmente por serem pessoas e não apenas por sofrerem. Os LGBTs têm direito a ocupar o espaço público e se ele se tornou tóxico, temos que pressionar para que se adapte.

Outros ataques

Manifestação Mulheres contra Bolsonaro em São Paulo, uma semana antes das eleições | Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Um levantamento da Agência Pública [6] aponta que ocorreram cerca de 70 ataques no Brasil pelo “acirramento da violência política”, desde o dia 30 de setembro até a semana após as eleições. A grande maioria provocada por apoiadores de Bolsonaro:

Uma jornalista esfaqueada e ameaçada de estupro. Um carro jogado em cima de um jovem com camiseta do Lula que conversava em frente ao bar com os amigos. Uma jovem presa e agredida, jogada nua em uma cela da delegacia. (…) Isso mostra que as declarações de Bolsonaro que incitam a violência contra mulheres, LGBTs, negros e índios e a violência policial estão ecoando país afora e se transformaram em agressões físicas e verbais nestas eleições.

À mesma reportagem, a jovem transexual Guil Andrade, de Belo Horizonte, relatou que levou um tapa ao tirar um adesivo a favor de Bolsonaro, colocado em seu peito à força por um apoiador dele:

Medo. É a única coisa que consigo definir no momento (…) A gente vai ficando acuado, trancado em casa, não estou conseguindo trabalhar. Eu quero poder existir sem ser questionada e pressionada o tempo todo.

Entre outros ataques envolvendo não apenas LGBTs, ocorridos após as eleições, está o assassinato do capoeirista Moa do Katendê, 63 anos. Moa foi morto com 12 facadas [7] nas costas, na cidade de Salvador, Bahia, após ter declarado voto em Fernando Haddad, opositor de Bolsonaro, membro do Partido dos Trabalhadores.

O que dizem os candidatos

O próprio Bolsonaro também sentiu a violência causada pelas tensões políticas: ele foi esfaqueado no início de setembro [8], enquanto fazia um ato de campanha. Segundo a Polícia Federal, o agressor agiu sozinho [9].

Perguntado na rádio CBN [10] sobre os ataques cometidos por seus apoiadores, Bolsonaro disse que não poderia se responsabilizar por seus eleitores e que era uma “vítima”. No Twitter, escreveu:

Porém, seu adversário, Fernando Haddad, lembrou na mesma rádio [12] falas do candidato prometendo “fuzilar” os membros do PT [13] e exaltando um torturador [14] do regime militar, para dizer que “ao não se controlar, [Bolsonaro] não controla mais ninguém”.

O segundo turno das eleições no Brasil acontece no dia 28 de outubro.