
No vídeo intitulado “como eles ensinam história na Alemanha”, a embaixada do país diz: o povo alemão não esconde seu passado | Imagem: Reprodução / Facebook
Nos últimos anos, tornou-se uma tendência no Brasil afirmar que Adolf Hitler e seu partido nazista eram de esquerda. A ideia é baseada no simples, e bastante literal, fato de que o nome completo do partido se traduz como Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. E “socialista” é igual à esquerda, correto?
Não exatamente, é claro. Mas, a teoria absurda ressurgiu mais uma vez entre os brasileiros depois que o Consulado da Alemanha em Recife, Pernambuco, postou um vídeo explicando como a Alemanha valoriza “conhecer e preservar sua História para não repeti-la.”
Em pouco mais de um minuto, o vídeo, que tinha 829.000 visualizações no momento em este artigo estava sendo escrito, pergunta o que aconteceria “se a direita extremista voltasse ao país?” A resposta é uma citação do ministro de Relações Exteriores, Heiko Mass:
We need to oppose to extremists from the right, we shouldn’t ignore them, we have to show our face against neonazis and anti-Semites (…) Whoever protest agains Nazis is not from the left, is normal.
Precisamos nos opor aos extremistas de direita, não devemos ignorá-los, temos que mostrar nossa luta contra neonazistas e antissemitas (…) Quem protesta contra os nazistas não é de esquerda, é coerente.
Os alemães não escondem o seu passado. Saiba como se ensina História na Alemanha:#história #alemanha #museus #deutschland #passado #futuro pic.twitter.com/VuTWj1VA3A
— AlemanhanoBrasil (@Alemanha_BR) September 5, 2018
Depois de postar o vídeo, a página oficial do consulado foi inundada com comentários de grupos de direita questionando como os próprios alemães encaram o nazismo:
Embaixada alemã fala aquilo que ela quer que acreditem. Pior são os comentários dos historiadores que nunca leram nem gibi. Nazismo nunca foi de direita. É só buscar a História que já está escrita. Bobo daquele que acredita em tudo que qualquer um fala.
— Renan – GAB?@urenan (@urenan) September 17, 2018
Outro comentarista na página do consulado alemão no Facebook contestou a afirmação do vídeo de que o país criou uma lei em 1976 proibindo as pessoas de questionarem “a veracidade do Holocausto, porque os especialistas estavam desmascarando essa farsa”. Uma pessoa distinta respondeu, dizendo que “os dias do holofraude estão contados”.
Em maio, um âncora veterano da TV Globo, Alexandre Garcia, também tuitou uma declaração em apoio à teoria:
Você quer que eu diga o nome do partido nazista de Hitler? Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei. Traduzindo: Partido Socialista dos Trabalhadores Alemães. Penso que ficou claro. De acordo com os métodos que eles utilizaram, não é coincidência.
— Alexandre Garcia (@alexandregarcia) May 8, 2018
Desta vez, no entanto, a reação foi rápida. Enquanto alguns brasileiros envergonhavam a nação (um usuário do Twitter brincou dizendo que isso era pior do que o placar de 7 a 1 na Copa do Mundo de 2014), outros estavam se desculpando por eles:
A embaixada alemã tá errada. Quem tá certo é o Juquinha da quitanda, que se informa através de memes no WhatsApp https://t.co/2RVo77skz3
— Bic Müller (@bicmuller) September 17, 2018
Um usuário chegou a inventar um novo termo especialmente para o momento:
BRAZILIANSPLAINING:
brasileiros emocionados que nunca ligaram pra política, (mas nos últimos meses viram uns vídeos, entraram em grupos no face e hoje se acham autoridade MÁXIMA no assunto.)
querendo explicar pra ALEMÃES o que foi o NAZISMO e HOLOCAUSTO.— Zelune (@zelune) September 18, 2018
Após a polêmica, em entrevista ao jornal O Globo, o embaixador alemão no Brasil, Dr. Georg Witschel, declarou que “dizer que o nazismo era um movimento de esquerda é besteira completa”.
Tornando mais claro
Em entrevista ao jornal El Pais, Damaris Jenner, porta-voz da embaixada, explicou como surgiu a ideia do vídeo:
“Na semana em que pensamos em fazer esse vídeo, aconteceram as manifestações em Chemnitz e vários jornais brasileiros noticiaram”, disse ela. Os protestos foram realizados por militantes da extrema direita desde o final de agosto contra a morte de um alemão, supostamente esfaqueado por dois imigrantes, e que terminaram em atos de violência. “Achamos que seria interessante ligar esses dois assuntos para mostrar essa discussão na Alemanha”, afirma Jenner. Mas a reação dos internautas surpreendeu. “Não imaginávamos que repercutiria dessa forma”, diz.
O jornal também menciona que há uma palavra em alemão para descrever este episódio: Fremdschämen, utilizada quando você está envergonhado pelas ações de outra pessoa.
A revista SuperInteressante tentou encerrar a discussão, explicando que o nazismo estava muito mais alinhado à direita do que à esquerda. Apesar de carregar “socialista” em seu nome, o regime desprezava o comunismo ao estilo soviético e inclinava-se mais para o liberalismo econômico, um sistema político tradicionalmente ligado à direita.
Mais importante do que estar à direita ou à esquerda, o que realmente definia as políticas e os objetivos de Adolf Hitler não era nem o capitalismo nem o socialismo: era o racismo. O nazismo, da forma como se consolidou na década de 1930, era caracterizado por um nacionalismo para poucos, os alemães “arianos”. Qualquer outro grupo que não se encaixasse nisso não poderia participar do Estado alemão.
O Holocausto foi “um dos episódios mais brutais da História”. A “solução final” dos nazistas, um plano para exterminar o povo judeu de seu país e as terras conquistadas pelo regime, terminou com milhões de mortos. Conforme explica a BBC:
The Jews were not the only victims of Nazism. It is estimated that as many as 15 million civilians were killed by this murderous and racist regime, including millions of Slavs and ‘asiatics’, 200,000 Gypsies and members of various other groups. Thousands of people, including Germans of African descent, were forcibly sterilised.
Os judeus não foram as únicas vítimas do nazismo. Estima-se que cerca de 15 milhões de civis foram mortos por este regime assassino e racista, incluindo milhões de eslavos e ‘asiáticos’, 200.000 ciganos e membros de vários outros grupos. Milhares de pessoas, incluindo alemães de ascendência africana, foram esterilizadas à força.