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O que um ataque ao candidato à presidência de extrema direita significa para a política brasileira

Categorias: América Latina, Brasil, Eleições, Mídia Cidadã, Política

O presidenciável Jair Bolsonaro é esfaqueado durante atividade de campanha | Imagem: captura de tela/TV Globo [1]

Em 6 de setembro de 2018, Jair Bolsonaro, o candidato de extrema direita que está liderando [2] as pesquisas no Brasil, foi atacado durante um evento de campanha no centro da cidade de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais.

Bolsonaro estava em meio à multidão, sendo carregado por seus apoiadores, quando levou uma facada na barriga. Vídeos gravados no local mostram Bolsonaro se contorcendo, gritando e sendo levado para um carro.

Os correligionários do candidato espancaram [3] o agressor.

Bolsonaro perdeu muito sangue e passou por cirurgia [4]. As lesões – intestino perfurado, entre outras – são suficientemente graves para deixá-lo fora da campanha nas ruas por pelo menos uma semana. As eleições no Brasil serão dia 7 de outubro.

‘Ordens de Deus’

Adélio Bispo de Oliveira, que admitiu ser o agressor, disse que seguiu “ordens de Deus [9]”. Segundo um perfil do Buzzfeed [10], ele foi missionário de uma igreja evangélica e havia perdido contato com sua família nos últimos três anos ou quatro anos.

A página de Adélio no Facebook [11] mostra fotos dele com cartazes que diziam frases do tipo: “políticos são inúteis” e pediam que o presidente Michel Temer renunciasse. Outra foto mostrava apoio ao pedido de soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva [12], que foi preso em abril por corrupção e lavagem de dinheiro, mas continua liderando as pesquisas para presidente nas eleições deste ano [13] – embora sua candidatura não seja possível, do ponto de vista legal.

Os meios de comunicação também revelaram que Adélio, por sete anos, foi filiado ao partido de esquerda PSOL. Imediatamente, o partido repudiou [14] o ato, assim como a maioria dos outros candidatos [15], que cancelaram suas agendas de campanha, e rejeitaram a “violência como uma linguagem política”, e exigiram a punição dos responsáveis pelo atentado.

De acordo com o advogado de Adélio, ele atacou Bolsonaro por ter se sentido ofendido [16] pelo discurso do candidato. O agressor de 40 anos, que está atualmente desempregado, alega que Deus o enviou porque Bolsonaro defende a “exterminação dos homossexuais, negros, pobres e índios, o que ele discorda totalmente”.

Adélio pode pegar até 20 anos de prisão [17].

Quem é Bolsonaro?

Bolsonaro durante uma de suas recentes atividades de campanha | Imagem: @jairbolsonaro [18]

Bolsonaro foi capitão do Exército e acabou processado [19] por “atos de indisciplina e deslealdade”, nos anos 1980, antes de sua eleição [20] ao município do Rio de Janeiro, em 1988. Um ano depois, foi eleito para o Congresso, representando a “classe militar”.

Ao longo dos anos, fez várias declarações polêmicas, tais como: defendeu o golpe militar de 1964, que levou o Brasil a duas décadas de ditadura, chamando-o de revolução [21]; alegou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ter sido fuzilado [22]; defendeu o uso de tortura [23] e que as mulheres deveriam receber salários mais baixos [24], porque elas podem ficar grávidas; vinculou [25] homossexualidade à pedofilia e usou notícias falsas sobre um suposto “kit gay” [26] distribuído em escolas públicas.

Em uma sociedade frustrada, que tem 63.000 homicídios [27] por ano, com apenas 6% deles [28] solucionados pela polícia, e com crescentes taxas de roubos com armas, Bolsonaro fez pressão para relaxar a lei do controle de armas para que “bons cidadãos possam se defender [29]”.

O ataque impulsionará a candidatura de Bolsonaro?

O presidente do partido de Bolsonaro declarou ‘guerra’ [30] contra os candidatos de esquerda que são responsabilizados parcialmente pelo atentado. Porém, Bolsonaro pediu um “tom mais moderado” [31] às reações sobre o que aconteceu a ele.

Os filhos de Bolsonaro e outros políticos aliados estão usando a cama do hospital como uma oportunidade de campanha [32]. Um dia após o atentado, Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do congressista, que está concorrendo ao senado, postou uma foto do pai após a cirurgia, dizendo:

No dia seguinte, em outra foto postada por Flavio, Bolsonaro aparece na cama do hospital fazendo sua típica pose como se estivesse portando uma arma. Ele também agradeceu a todos e a seus apoiadores pelas orações.

O ataque a Bolsonaro gerou [37] 3.2 milhões de menções nas redes sociais em 16 horas. Mas, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, 40,5% dos usuários das redes sociais, inicialmente, duvidaram [38] da veracidade do ataque.

Fabio Malini, um dos professores que conduziram o estudo, alertou que a campanha de Bolsonaro deve perder mais do que ganhar com o evento já que ele estará fora das ruas, onde estava ganhando força.

Enquanto isso, alguns especialistas entrevistados pela BBC [40] acreditam que o ataque possa favorecer Bolsonaro com um “efeito tragédia”, mas também pode perder força no dia da eleição.

Seja qual for o resultado, como escreveu o cientista social e jornalista Leonardo Sakamoto [41], “o ataque abriu uma nova era na violência política do país”:

Torço por uma rápida e total recuperação do candidato e pela punição do responsável por esse crime. Mas torço também para que o país não transforme o ataque em gatilho para aprofundar a guerra que trava contra si mesmo. Porque, se assim for, não sobrará muita coisa após outubro.

O atentado contra Bolsonaro foi só o mais recente acontecimento em um ambiente político minado pela violência e impunidade. Durante as eleições municipais de 2016, uma candidata a prefeitura [42] foi assassinada enquanto fazia campanha no estado de Goiás. No Rio, milícias assumiram o controle da polícia local [43], ameaçando adversários há anos. Em março deste ano, a vereadora Marielle Franco for morta [44] dentro de seu carro com seu motorista. Antes de sua prisão, o ônibus [45] de campanha de Lula foi alvejado, no que a polícia descreveu como um “ataque planejado”.

O atentado foi condenado pela ONG Human Rights Watch [46], que declarou: “diferenças políticas e ideológicas só devem ser resolvidas em processos democráticos e nunca com violência”; e o Escritório de direitos humanos da ONU [47], pediu uma “rápida investigação e condenação dos culpados”.