Os brasileiros ficaram desolados depois que o Museu Nacional, o mais antigo do país e, sem dúvida, o mais importante, guardião das maiores coleções de história natural e antropológica da América Latina, queimou inteiramente no domingo, 3 de setembro, em um devastador incêndio que durou a noite inteira.
O Museu Nacional foi fundado no Rio de Janeiro em 1818, pelo então rei de Portugal, D. João VI. O museu foi estabelecido em um palácio do mesmo período. O local serviu como residência de famílias reais portuguesas e brasileiras até 1889. E também o local em que a primeira Assembleia Nacional Constituinte foi realizada.
Durante seus 200 anos de história o museu — seu aniversário foi comemorado em junho deste ano — reuniu um acervo com cerca de 20 milhões de itens. Embora uma lista completa de itens destruídos ainda venha a ser divulgada, tesouros como o fóssil humano mais antigo encontrado nas Américas, peças do antigo Egito e a carta original que aboliu a escravatura no Brasil, de 1888, já foram confirmados como perdidos.
Algumas pessoas, incluindo funcionários do museu e cientistas, arriscaram a própria vida durante o incêndio para resgatar alguns itens.
Embora o número de visitantes tenha decrescido a cada ano — mais brasileiros visitaram o Louvre em 2017 do que o Museu Nacional –, houve inúmeras reações on-line após a notícia do incêndio.
O jornalista e professor Felipe Milanez fez uma transmissão ao vivo do museu durante o intenso incêndio:
Um usuário do Twitter fez uma longa postagem, com imagens, do que poderia estar perdido no incêndio:
Esquife da dama Sha-Amun-en-su. Egito, Época Baixa, c. 750 a.C pic.twitter.com/KuXW8tmizG
— tem que acabar o jovem (@leuavila) 3 de setembro de 2018
Índios Ricbactas. Coroa radial, s.d. pic.twitter.com/EqidRQKsnY
— tem que acabar o jovem (@leuavila) 3 de setembro de 2018
E ainda tem o prédio em si: pic.twitter.com/ZtKvSNA1GB
— tem que acabar o jovem (@leuavila) 3 de setembro de 2018
Um vídeo postado na página do Facebook Realidade Simulada, mostra uma visão aérea de como o museu era antes do incêndio:
O preço da falta de cuidado
Após a tragédia, as pessoas se deram conta de como as autoridades negligenciaram o Museu Nacional durante anos. O museu é gerenciado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma instituição pública e cada vez mais subfinanciada.
Luísa Nunes, uma aluna da universidade, lembrou no Twitter que este foi o sexto grande incêndio em prédios da UFRJ desde 2011.
2011, Palácio da Praia Vermelha.
2012, Faculdade de Letras
2014, Laboratório do Centro de Ciências da Saúde
2016, Reitoria
2017, Alojamento Estudantil
2018, Museu NacionalEsses são os prédios sob custódia da UFRJ que sofreram episódios de incêndio na última década.
— Luisa Nunes (@luisanunes) 3 de setembro de 2018
O estado do Rio de Janeiro está afundando em uma crise orçamentário sem precedentes: houve cortes contínuos nos salários de servidores públicos, incluindo dos bombeiros. Os dois hidrantes próximos ao museu estavam secos e os bombeiros tiveram que improvisar bombeando água de um lago nos arredores, perdendo assim 40 minutos de trabalho no processo.
O orçamento anual do museu, de aproximadamente $500.000 reais por ano ($125.000 dólares), sofreu cortes significantes ao longo dos últimos quatro anos, revelou o jornal local Folha de S.Paulo em uma matéria de maio de 2018. O usuário do Twitter, DanPimpao, postou um gráfico mostrando o quanto foi cortado do orçamento do museu desde 2013:
Orçamento do Museu Nacional de 2013 até 2018. Análise vcs mesmos e tirem suas próprias conclusões. pic.twitter.com/d9qCTzqOq8
— Dan (@DanPimpao) 3 de setembro de 2018
No aniversário de 200 anos, a administração lançou uma campanha de crowdfunding para reabrir uma sala com acervo relevante, onde estava o esqueleto do Maxakalisaurus, o primeiro grande dinossauro montado no Brasil. Foram arrecadados 58 mil reais do objetivo inicial de 30 mil reais – porém o ideal seriam 100 mil reais.
O professor Stevens Rehen comentou no Facebook:
Na festa dos 200 anos, nenhum ministro de estado compareceu. O orçamento despencou de R$ 531 mil em 2013, para R$ 54 mil em 2018.
Esse ano todo o investimento do governo no Museu Nacional foi o equivalente a 1/4 do que cada deputado de Brasília recebe por mês somente para contratar assessores.
Um usuário do Twitter comparou a quantia com outras despesas do governo:
O orçamento anual do museu nacional corresponde a:
– 30′ de propaganda eleitoral
– 0,0004% do custo de renovação do Maracanã
– o custo de 1 juiz federal/ano
– o custo da troca de carpete do Senado 3 anos atrás.
– o preço dos brincos de turmalina da coleção de joias do S. Cabral— Mathieu Le Roux (@matleroux) 3 de setembro de 2018
O museu iria receber recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para implementar um plano de segurança contra incêndios. A primeira parcela seria em outubro.
O jornalista Breiller Pires resumiu o sentimento dos brasileiros que assistiram ao prédio queimar sem poder fazer praticamente nada:
O incêndio do Museu Nacional é a metáfora impiedosa de um país que menospreza a ciência, o conhecimento e, sobretudo, a história.
— Breiller Pires (@breiller) 3 de setembro de 2018