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Biotestamento na Itália: “disposições antecipadas do tratamento de fim de vida” tornam-se lei

Categorias: Europa Ocidental, Itália, Boas Notícias, Ciência, Direitos Humanos, Governança, História, Mídia Cidadã, Política, Religião, Saúde

Obrigado! Colagem que celebra a aprovação da lei sobre o biotestamento com fotos de algumas personalidades civis que lutaram pela causa e publicaram suas histórias. Da esquerda para à direita: Dj Fabo, Max Fanelli, Piergiorgio Welby e Eluana Englaro. Imagem de Nando Di Giovanni para o site da Alternativa Libera [1], usada com autorização.

Em 14 de dezembro de 2017, o Parlamento italiano aprovou a lei sobre o testamento biológico (“biotestamento”), que permitirá aos cidadãos decidir quais tratamentos médicos aceitar e quais recusar no final da vida.

O #biotestamento é lei de Estado: caminho livre definitivo ao #Senato com 180 “sim” https://t.co/TRP1JtrSOP pic.twitter.com/CdY2LbEvMS

Uma longa luta desde Luca Coscioni a Dj Fabo:

A aprovação do biotestamento é o resultado de uma longa batalha que envolveu a sociedade civil, políticos e figuras públicas. Começou com Luca Coscioni, corredor de maratona, líder do Partido Radical e pesquisador do Departamento de Economia da Universidade de Trento e do Departamento de Ciências Econômicas e Estatísticas da Universidade da Tuscia, em Viterbo. Quando treinava para participar da maratona de Nova York, em 1995, Coscioni descobriu ter esclerose lateral amiotrófica.

Coscioni, morreu em 2006 e dedicou-se a uma associação que lutou em favor da lei, escreveu no seu blog [7]:

In primo luogo, il significato della mia esistenza è quello di viverla, così come mi è consentito, punto e basta. Nella mia avventura radicale, la cosa più importante, che penso di essere riuscito a realizzare, è quella di aver fatto di una malattia una occasione di rinascita, e di lotta politica. Di avere avuto la forza e il coraggio, di trasformare il mio privato in pubblico. Di avere ribadito che la persona malata è, innanzitutto, persona e, come tale, ha diritto a vivere una esistenza piena, e libera, contro il senso comune e le ipocrisie quotidiane, che vorrebbero, invece, relegarci in una terra di nessuno.

Em primeiro lugar, o significado da minha existência é viver, como me é permitido, ponto e basta. Na minha aventura radical, o mais importante, o que consegui alcançar, é ter transformado uma doença em uma oportunidade de renascimento e luta política. De ter tido força e coragem para transformar meu privado em público. De ter insistido em dizer que o doente é, acima de tudo, uma pessoa e, como tal, tem o direito de viver uma existência plena e livre, contra o senso comum e hipocrisias diárias que gostariam, ao invés, de nos esquecer numa terra de ninguém.

Da mesma forma, Michele Gesualdi, ex-presidente da Província de Florença por duas legislaturas e a quem a mesma doença obrigou que se retirasse da política, contribuiu para a luta pela aprovação dessa lei. Antes da aprovação da lei, escreveu uma carta aberta [8] aos presidentes dos dois ramos do Parlamento italiano, pedindo para que acelerassem o processo legislativo:

[…] sono a pregarvi di calarvi in simili drammi e contribuire ad alleviarli con l’accelerazione della legge sul testamento biologico. Non si tratta di favorire l’eutanasia, ma solo di lasciare libero l’interessato, lucido cosciente e consapevole, di essere giunto alla tappa finale, di scegliere di non essere inutilmente torturato e di levare dall’angoscia i suoi familiari, che non desiderano sia tradita la volontà del loro caro. […]

[…] Eu imploro a vocês que considerem esses dramas e ajudem a aliviá-los com a aceleração da lei sobre o biotestamento. Não se trata de favorecer a eutanásia, mas sim de permitir que a pessoa interessada, lúcida, informada e consciente de estar no estágio final possa escolher não ser torturada desnecessariamente e de angustiar os seus familiares, que não desejam que a vontade de seus entes queridos seja traída. […]

Infografia sobre o projeto de lei do biotestamento criado pela Associação Luca Coscioni – Foto da página do facebook [9] Associação Luca Coscioni.

Depois, outras personalidades, como Eluana Englaro [10]Piergiorgio Welby [11], Max Fanelli [12] e recentemente Dj Fabo [13], tornaram-se promotores da causa na mídia nacional.

A reação dos católicos e as palavras do Papa

Os meios católicos italianos, incluindo instituições e profissionais da saúde, expressaram-se imediatamente contra. Em um artigo em ilsussidiario.net, Niccolò Magnani apresentou [14] várias posições e protestos dos religiosos e comentou uma carta de apelo que o mundo católico enviou ao Presidente da República, Sergio Mattarella, para que não assinasse a lei:

La posizione importante del Vaticano sul tema della Legge molto contestata dagli ambienti cattolici – ecco qui qualche spunto utile sul nostro quotidiano, ndr [15] – segue di qualche ora la lettera-appello che il mondo cattolico ha inviato al Presidente della Repubblica Mattarella perché rinvii alle Camere la legge sulle DAT e il Biotestamento per “incostituzionalità”.

A posição importante do Vaticano sobre o tema da lei muito questionada pelos meios católicos – aqui vai alguns pontos úteis sobre o nosso diário, (N.do E.)- algumas horas depois que o mundo católico enviou uma carta de apelo ao Presidente da República, Sergio Mattarella, para que reenvie às câmaras as leis de biotestamento por “inconstitucionalidade”.

No entanto, o Papa Francisco denunciou a persistência terapêutica alguns dias antes da aprovação da lei, como lembra [16] formiche.net:

“Le domande che riguardano la fine della vita terrena hanno sempre interpellato l’umanità, ma oggi assumono forme nuove per l’evoluzione delle conoscenze e degli strumenti tecnici resi disponibili dall’ingegno umano”, ha detto il Papa. In quanto “oggi è anche possibile protrarre la vita in condizioni che in passato non si potevano neanche immaginare”, e quindi “occorre un supplemento di saggezza, perché oggi è più insidiosa la tentazione di insistere con trattamenti che producono potenti effetti sul corpo, ma talora non giovano al bene integrale della persona”.

As perguntas sobre o fim da vida terrena sempre desafiaram a humanidade, mas hoje tomam novas formas pela evolução do conhecimento e das técnicas disponíveis pela engenhosidade humana”, afirmou o Papa. Também “agora é possível prolongar a vida em condições que no passado não podíamos imaginar “, e, portanto, “é necessário uma sabedoria adicional, porque hoje é enganosa a tentação de insistir com tratamentos que produzem efeitos poderosos sobre o corpo, mas às vezes não beneficiam o bem-estar integral da pessoa”.

A urgência de uma lei relativa à disposição antecipada do final da vida foi sentida há algum tempo. A opinião pública se expressou, apesar das divisões políticas que bloquearam a lei. Giovanna Greco lembra [17]:

L'urgenza di una legge in materia viene testimoniata da più fonti. I dati dell'Eurispes contenuti nel Rapporto Italia 2016 mostrano come il 60% degli italiani (+4,8% rispetto al 2015) sia favorevole a una legislazione sull'eutanasia. Quanto ai medici, quelli favorevoli (42%) alla ‘dolce morte’ superano i contrari (34%), secondo il Medscape Ethics Report 2014.

A urgência de uma lei sobre o assunto se comprova por várias fontes. Os números de Eurispes apresentados no Rapport Itália 2016 mostram que 60% dos italianos (+ 4,8% em relação a 2015) são favoráveis à legislação da eutanásia. Quanto aos médicos, estão a favor (42%) da “morte doce” superam os contrários (34%), segundo o Relatório de Ética Medscape, de 2014.

Na controlacrisi.org, o cirurgião Dr. Ignazio Marino [18], especializado em transplantes de órgãos e ex-prefeito de Roma de 2013 a 2015, lembra [19] o artigo 32 da nossa Constituição italiana:

Non è stata approvata una legge che consente l’eutanasia: è stata approvata una legge che consente di scegliere le terapie. È quello che, nel 1948, è stato scritto nell’articolo 32 della nostra Costituzione che recita: «Nessuno può essere obbligato a un determinato trattamento sanitario se non per disposizione di legge. La legge non può in nessun caso violare i limiti imposti dal rispetto della persona umana». Per questo è una vittoria di tutti gli italiani che credono nella Costituzione e nella libertà di scelta.

Não foi aprovada uma lei que permite a eutanásia: aprovou-se uma lei que permite escolher as terapias. Foi o que se escreveu em 1948, no artigo 32 da nossa Constituição, que determina: “Ninguém pode ser obrigado a um tratamento específico de saúde, exceto por lei. A lei não pode em nenhuma circunstância violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana”. E isso é uma vitória para todos os italianos que acreditam na Constituição e na liberdade de escolha.

Infelizmente, devido às próximas eleições, existe o risco de que as forças políticas conservadoras vençam e coloquem em risco essa grande conquista civil.