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#MeToo chega às universidades chinesas, apesar da censura

Categorias: Leste da Ásia, China, Ativismo Digital, Censorship, Lei, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Protesto, GV Advocacy
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Estudantes chinesas mostram cartazes contra assédio sexual na Marcha das Mulheres em Washington, DC no dia 20 de janeiro. Imagem via Voice of America, licenciada para reutilização.

O movimento global #MeToo (no Brasil, #EuTambém) está lentamente ganhando força na China, apesar da rígida censura que vigora na internet.

Depois que o conceituado professor Chen Xiaowu da Universidade de Beihang foi demitido em função de várias alegações de má conduta sexual, alunos e ex-alunos de diversas universidades renomadas lançaram petições online [2] exigindo que os administradores de instituições de ensino estabeleçam políticas oficiais sobre má conduta sexual. Tais políticas simplesmente não existem em universidades chinesas. A iniciativa tem sua própria hashtag, #EveryoneIn (“todos dentro” em português).

Depois de mais de uma dúzia de alegações de má conduta sexual contra o diretor cinematográfico americano Harvey Weinstein em outubro de 2017, a campanha e hashtag #MeToo se tornou um movimento social global para conscientização pública sobre violência e assédio sexuais. Desde então, mulheres de todo o mundo têm compartilhado na rede suas próprias experiências usando a hashtag #MeToo.

O movimento alcançou a China continental, mas era difícil que fosse visto online por conta do regime de intensa censura à internet. Ativistas dizem [3] que frases como “contra assédio sexual” foram localizadas e censuradas nas redes sociais.

Porém, isso começou a mudar quando a história de Luo Qiangian, ex-aluna da Universidade de Beihang em Pequim, se tornou viral.

Luo, que agora vive nos EUA, publicou um ensaio no qual descreve como Chen Xiaowu a atraiu para a casa de sua irmã e a constrangeu doze anos atrás, durante seus estudos de pós-graduação. Apesar de ter conseguido escapar, mais tarde ela soube que uma outra aluna também havia sido seduzida por Chen e engravidado.

O relato de Luo viralizou na internet do dia para a noite. Censores agiram rapidamente, mas não conseguiram conter mais as respostas, quando outras cinco alunas se apresentaram e fizeram alegações semelhantes de má conduta sexual contra Chen.

Após investigação, a Universidade de Beihang decidiu demitir Chen, que na época era vice-presidente do programa de estudos de graduação da universidade. O Ministro da Educação também retirou de Chen seu título de “Acadêmico Rio Yangtze”, que é o mais alto prêmio distribuído pelo Ministério da Educação chinês a indivíduos que atuam no ensino superior.

A decisão foi amplamente divulgada e discutida na plataforma da rede social chinesa Weibo.

Uma estudante de Beihang comentou em uma postagem da Weibo sobre essa ação disciplinar, chamando atenção para o fato de que já era devida há muito tempo:

作为北航的学生,我只能说学校的反应之慢令人不满,这事情早就有人举报过,然后在知乎上删帖,然后威胁受害人,总归给压下去了,离我们不到1km的北电事件也没有了消息,这社会越来越让人失望,政府的不作为,让越来越多的优秀学子开始离开这个国家,长此以往,这个国家还有希望吗?

Como estudante de Beihang, só posso comentar que a universidade é lamentavelmente devagar em responder à má conduta sexual. O caso já havia sido reportado. Foi revelado no Zhifu (uma plataforma online), mas a postagem foi deletada e a vítima ameaçada. A denúncia foi reprimida. Um caso similar (de assédio sexual) ocorreu na Universidade de Correios e Telecomunicações de Pequim, que fica a 1 km de Beihang. Não houve nenhuma averiguação. As pessoas estão desapontadas com a inércia do governo. Mais e mais elites estão deixando o país. Ainda poderemos ter esperança nesse país em longo prazo?

Ativistas feministas consideram o resultado uma pequena vitória, advertindo que o assédio sexual em campi é endêmico na China e que universidades ainda não possuem políticas concretas para enfrentar o problema.

Wei Tingting, uma ativista feminista que foi presa pela polícia por organizar uma ação antiassédio sexual no Dia Internacional da Mulher em 2015, conduziu uma pesquisa nacional [4] sobre assédio sexual em universidades em setembro de 2017. Das 6592 respondentes, quase 70% já haviam se deparado com diferentes formas de assédio sexual.

Muitas concordaram que a má conduta sexual de Chen Xiaowu é apenas a ponta do iceberg:

当客厅里有一只蟑螂的时候,墙角早就一堆了

Quando você vê uma barata no meio da sala, normalmente consegue-se achar uma colônia inteira no canto

对中国的敎育行业感到无比担忧,从幼儿园到大学,就没有给孩子一个安全的环境。除了压就是洗白。

O setor de educação na China é uma bagunça – desde o jardim da infância até a universidade, o ambiente não é seguro. E o problema é enfrentado com repressão ou varrido para debaixo do tapete.

Alguns apontaram que se trata de um reflexo do abuso de poder sistemático na sociedade chinesa. Um internauta escreveu:

在“色欲”的社会里谁能把持住?特别是有着公权势的人,利用权势(职权利害)把多少女性抱上了床、搂进了怀?有的是投怀送李,有的是身不由己,但都是为了生计。

Numa sociedade guiada por ‘desejo e sede’, como as pessoas podem resistir a essa tentação? Especialmente para aqueles que possuem cargos de autoridade pública, eles usam suas posições para atrair mulheres. Para o bem de sua sobrevivência, mulheres tem que ser submissas, querendo ou não.

Para enfrentar o problema de abuso de poder sistemático, estudantes, ex-alunos e professores de diversas universidades, incluindo a Universidade de Pequim, Universidade Fudan e Universidade Wuhan realizaram apelos públicos para que autoridades escolares introduzam um pacote de monitoramento e medidas disciplinares visando prevenir o assédio sexual nas universidades.

Além disso, mais de 50 professores de universidades de todo o país assinaram uma declaração [5] em 19 de janeiro clamando ao Ministério da Educação que combata o assédio sexual em escolas e universidades com uma política concreta. Os professores sugeriram que ofensores devem ser levados à Justiça. Eles ainda se comprometeram a reportar casos de assédio sexual e proteger as vítimas.

No entanto, apelos semelhantes para que se estabeleçam políticas de combate ao assédio sexual nas universidades têm se repetido nos últimos anos, sem que políticas concretas tenham sido introduzidas.

Feministas como Wei Tingting estão usando esse momento para fomentar uma maior pressão pública:

在你们看到的“罗茜茜”以外,还有另一个和很多个“罗茜茜”……这个罗茜茜用了12年,其她的罗茜茜我们看不见。
有人说这是中国高校版的Me Too,我要说的是,Me Too并不够,而是要Everyone In
不是只有受害的当事人站出来说:Me Too 还要更多其他的人(包括女人和男人)拿出行动来说:I’m in
Me Too 只解决了”说出来“的部分,说出来之后要做什么,需要更多人的I’m In

Luo Qianqian é apenas um caso, existem muitas outras ‘Luo Qianqian'… leva doze anos para essa Luo Qianqian (contar sua história), enquanto as outras Luo Qianqian permanecem invisíveis. Alguns dizem que se trata da versão universitária chinesa da campanha Me Too. Gostaria de frisar que a campanha Me Too é inadequada. Precisamos de todos juntos. Não apenas as vítimas devem se levantar e contar suas histórias, precisamos que outros (mulheres e homens) tomem partido e digam ‘estou dentro’. Me Too diz respeito apenas à parte na qual as histórias são contadas. Depois dessas histórias, precisamos de mais ‘estou dentro’ para que sigamos com ação.

Wei lançou uma campanha de financiamento coletivo com um plano:

1,为调查报告中所有的211高校寄送一份高校调查报告和建议信
2,为这个网络众筹一名协调人的工资
3,招募更多感兴趣的同道人

  1. Envie uma cópia do relatório da pesquisa com uma série de sugestões de políticas para as 211 universidades que participaram dessa pesquisa.
  2. Financie um salário para um coordenador que manterá uma rede (nacional antiassédio sexual).
  3. Recrute mais pessoas para essa rede.

Enquanto isso, alguns estão preocupados que a atual campanha #MeToo na China enfrentará uma outra rodada de repressão online. Em 2015, cinco ativistas feministas foram presas [6] por falar claramente contra assédio sexual antes do Dia Internacional da Mulher em 8 de março.

De acordo com um relatório [7] do The New York Times, além da censura ao apelo público que pede uma política de assédio sexual no campus, ativistas foram advertidas por autoridades que suas ações poderiam ser vistas como conluio com forças estrangeiras e traição ao país. Feministas e aliados do movimento na China estão se preparando para mais censura, uma vez que o Dia Internacional da Mulher se aproxima.