Para todos aqueles que ocuparão os lugares que deixamos…
Nós fizemos uma revolução ali. Eu nunca morei nessas redondezas, mas era uma visitante, uma desconhecida, com todos os meus pequenos rituais, como cumprimentar o vizinho na escada pela manhã, minhas buscas desesperadas por produtos que não eram habitualmente vendidos ali, minhas longas e obsessivas conversas com taxistas para avaliar suas tendências políticas e suas visões sobre os postos de controle.
Nós ainda temos uma revolução ali, em Bustan Al Qasr. Você poderá ver – a menos que os bárbaros tenham apagado – um desenho infantil de um soldado e um homem barbudo com um martelo sobre eles e a frase: “uma revolução que vai quebrar cabeças”. Isso marcou o início da nossa segunda revolução, contra aqueles que tentavam confiscar nossos direitos por força da violência ou da religião. Mas você provavelmente não sabe das várias revoluções que tivemos ali, pintadas por Abu Maryam. Você provavelmente não ouviria nossas vozes ao contarmos quem é Abu Maryam.
Nós temos uma revolução ali. No posto de controle de “Karaj IlHajez” alguns de nossos amigos levaram uma surra tremenda! Eles estavam protestando pela abertura de barreiras para civis.
Nós temos uma revolução ali. No centro médico nos despedimos de mártires, um após o outro, e tivemos incontáveis conversas, debates, amigos, feridas.
Nós temos uma revolução ali. No cemitério, nós temos amigos. O mais especial para mim era Mustafa. Nós abrimos uma escola com o seu nome. Está ali também. A escola nos deu uma razão para continuar; acreditamos que estávamos pagando nossas dívidas. O túmulo e a escola de Mustafa são seus agora. Se algum dia você passar por ali, trate-os com dignidade, pois esse homem foi uma fonte de amor, generosidade e devoção. Nós éramos parte de sua visão, e nós falhamos.
Nós temos uma revolução ali. Um soldado estrangeiro escreveu no muro: “Maçonaria acabada”. Nós sempre ríamos da sua gramática torta. E quando o surto de leishmaniose eclodiu, e alguns de nós fizeram campanhas nos muros, nós tínhamos nosso próprio graffiti dizendo: “leishmaniose acabada”. Era assim que nos adaptávamos, era assim que procurávamos por soluções. É por isso que você vai encontrar nossas escolas e hospitais em porões. Estávamos nos adaptando aos bombardeios. Estávamos tentando resistir. Nós fizemos uma revolução ali…
O hospital oftalmológico! Ali protestamos repetidamente contra os tribunais da Sharia. Ali o Estado Islâmico assassinou 35 de nós. Ali irromperam nossos protestos para expulsá-los. Ali eu fui presa – não pragueje ainda, pois ali eu também fui solta. Nós temos uma revolução ali.
Transforme-o novamente em um hospital. Não como os nossos hospitais clandestinos, mas um para todas as pessoas. O lugar está repleto de espíritos que vão cuidar dos doentes.
A Cidade Antiga de Alepo era nosso local de descanso. Ali eu ia para cantar; nós, os malvados terroristas adorávamos cantar, amar, cozinhar e comer tudo menos falafel na “Falafel House”.
Você ficaria impressionado com as pilhas de pedras. Essas eram casas de famílias, casas que eram provavelmente tudo o que elas tinham. Elas foram forçadas a sair. Reserve um momento para derramar uma lágrima em memória de suas lembranças.
Você não reconheceria o lugar. Eu podia passar meses sem andar por ali, mas nunca consegui me acostumar com a magnitude da destruição ao voltar. Foi isso o que seus vizinhos sofreram, então derramar algumas lágrimas não vai fazer mal.
Você encontraria, se permitissem, inúmeros corpos sob os escombros. Não era nossa intenção abandonar nossos corpos dessa forma, sem um enterro adequado. Não é que tenhamos sido negligentes, mas os bombardeiros estavam mirando em todos os grupos, e se tornou impossível nos últimos meses passar com os veículos.
Dê a eles, se algum dia for permitido, um enterro adequado. Não será possível descobrir seus nomes, certamente, mas, por favor, não dê a eles números aleatórios. Use sua imaginação e enterre-os juntos. Famílias sírias já foram separadas demais, e ninguém gosta de ser enterrado sozinho.
Nós temos uma revolução ali. Pragueje ou lamente, mas está ali, nas pedras, nos túmulos, na terra e no céu.
Na parede do cemitério nós escrevemos outrora: “Estamos vivos, continuaremos lutando e o sonho será realizado”. Pegue o que quer que resta de nós e continue sonhando. Em breve, o restante que você possui será confiscado.