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Taiwan é um país? E o Tibete? A China diz que não — e quer que empresas estrangeiras concordem

Categorias: Leste da Ásia, China, Hong Kong (China), Macau (China), Taiwan (RC), Censorship, Economia e Negócios, Governança, Mídia Cidadã, Política, Relações Internacionais
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Taiwan tenta estabelecer relações bilaterais com outros países sob a gestão da presidente Tsai Iingwen, na foto de 9 de janeiro, cumprimentando o diretor Michael Szony do Centro Fairbank de Estudos Chineses da Universidade de Harvard. Foto do Escritório do Presidente da República da China.

Apesar do que as pessoas possam dizer, Hong Kong, Macau, Taiwan e Tibete não são países. Pelo menos não aos olhos da China continental.

Na terceira semana de janeiro, várias corporações multinacionais desculparam-se publicamente, por ordem de autoridades chinesas, por listar Hong Kong, Macau, Taiwan e Tibete como países em seus sites.

A onda de pedidos de desculpas de empresas multinacionais como JW Marriott, Zara, Delta Airlines e Medtronic, entre outras, foi deflagrada por um e-mail com um questionário, enviado em 9 de janeiro pela Marriott a seus membros chineses, no qual os quatro territórios estavam listados separadamente da China em uma das perguntas sobre residência.

E o que é o quê?

Objetivamente, se esses lugares são ou não considerados países pode depender da definição do termo. A região ocidental do Himalaia no Tibete passou ao controle chinês no começo dos anos 1950. Um movimento de defesa pela independência da região, que abriga um dos maiores grupos étnicos e linguísticos da China, levou a níveis notoriamente elevados de vigilância policial e medidas de controle da população.

Taiwan é uma entidade política autogovernada desde 1950, mas a China reclama o território e usou sua influência em todo o mundo para isolar o governo taiuanês. Hong Kong e Macau enquadram-se na designação de “regiões administrativas especiais” da China. Elas mantêm um alto grau de autonomia do continente – uma condição que, nos anos recentes, está cada vez mais ameaçada. Os três lugares – Hong Kong, Macau e Taiwan – possuem seus próprios governos executivos.

Hong Kong, Macau e Taiwan também têm os próprios documentos de viagem, diferentes dos chineses e reconhecidos internacionalmente. Nos aeroportos do continente chinês, Hong Kong, Macau e Taiwan estão localizados no hall de partidas internacionais para facilitar a saída de imigrantes.

A notícia se espalhou após uma captura de tela do questionário da Marriott ter sido postada na plataforma de mídia social chinesa, Weibo [2] e em várias outras redes sociais que cobriram a matéria. A rede de hotéis logo retirou o questionário, mas já era tarde. Um repórter da China continental do The Paper relatou que [3] o aplicativo móvel da cadeia de hotéis também havia listado separadamente os quatro como países na página de registro do usuário.

Dois dias depois, oficiais da Administração de Cibersegurança de Xangai informaram à gerência da Marriott Ásia-Pacifico que o questionário e o registro de usuário violaram a legislação chinesa e feriram os sentimentos do povo chinês, e ordenou que o site e o aplicativo fossem desativados por pelo menos uma semana como punição.

Em resposta, a Marriott emitiu três pedidos de desculpas públicas no Weibo, entre 9 e 11 de janeiro. Abaixo a versão em inglês do post no Twitter em 11 de janeiro:

A Marriott International respeita a soberania e a integridade territorial da China. Nós não apoiamos grupos separatistas que subvertem a soberania e a integridade territorial da China. Pedimos sinceras desculpas por quaisquer atos que possam ter sugerido o contrário.

Mas na internet chinesa, o pedido foi amplamente considerado não sincero [5] depois que um veículo de mídia chinês observou que a conta da Marriott no Twitter @MarriottRewards havia “curtido” um tuíte sobre [6] a história que foi postada por um grupo separatista tibetano.

Com o contínuo ataque de “patriotas” à Marriott, um número de empresas nacionais foi forçado a cancelar reservas de banquetes nos hotéis Marriott na China. Sites de reserva on-line de hotéis também retiraram os hotéis Marriott de suas buscas. Arne Sorenson, chefe executivo da Marriott International, pediu novamente desculpas [6] em uma declaração pública.

‘Essas corporações estrangeiras imorais’

Com a crescente atenção pública, a Administração de Cibersegurança de Xangai exigiu ainda [7], em 12 de janeiro, que a varejista espanhola de moda Zara e a fabricante de aparelhos médicos norte-americana Medtronic pedissem desculpas públicas por listar Taiwan como um país em seus sites. As duas empresas logo corrigiram seus sites e pediram desculpas.

No mesmo dia, a Administração de Aviação Civil da China (CAAC) exigiu [8] que a Delta Airlines se desculpasse por listar Taiwan e Tibete como países em seu site e aplicativo móvel. No dia seguinte, a Delta fez o que foi pedido [9].

Internautas chineses leais ao partido desde então iniciaram uma caça a outras corporações multinacionais que listem qualquer uma das quatro entidades como países separados. Até agora, 23 outras empresas internacionais [10] foram denunciadas por designar Hong Kong, Macau e Taiwan como países.

Marcas estrangeiras [11] como Christian Dior, Cartier, Hermes, Burberry e Armani foram advertidas pelo mesmo problema. Até o popular aplicativo móvel de streaming de vídeo, Huajiao [12], uma empresa nacional chinesa, foi apontada por cometer o mesmo “erro”.

No Weibo, a maioria dos comentários expressou [13] sentimentos nacionalistas contra corporações multinacionais, tal como a seguinte discussão encontrada em uma conta da estatal CCTVEs:

早就该对这些吃中国饭还砸中国饭碗的无良外商下手了!

Essas corporações estrangeiras imorais devem ser esmagadas, elas destroem as tigelas de arroz depois de comer o nosso arroz.

看来,国外确存在分裂中国的势力,而且渗透到了许多地方,从酒店到航空公司都有。

Parece que forças estrangeiras separatistas penetraram na China, incluindo nos setores hoteleiro e de aviação.

希望各个部门都查一下相关行业,领土主权问题没有讨价还价的余地

Oficiais de diferentes indústrias deveriam fazer um check-up completo. A soberania não pode ser comprometida.

Alguns pediram ações mais punitivas. Um usuário chamado “West Crusade” disse [14]:

维护国家主权尊严,不可指望一些不良外国公司的自查自改和所谓“道歉”,因为在中国国家主权和核心利益问题上,他们从来不是历史的法盲,也不是现实的瞎子,而是政治的流氓,我们必须以法律和外交的手段与其交涉,主动出击。

A soberania e a dignidade do Estado devem ir além de pedir a empresas estrangeiras imorais que se autocensurem, corrijam erros e peçam desculpas. As corporações conhecem bem as leis e estão cientes dos princípios chineses com relação aos princípios de soberania. Elas não são cegas, estão fazendo jogos políticos. Temos que ser mais proativos e abordar o problema através da diplomacia e de meios legais.

‘É de facto um estado separado da China’

Fora da “Grande barreira de segurança da China” (um coloquialismo referente a medidas de censura nacional), o incidente provocou discussões entre pessoas no continente chinês, Hong Kong e Taiwan no Facebook, com os últimos dois destacando as muitas formas pelas quais Hong Kong e Taiwan operam separadamente da China.

Abaixo uma seleção de comentários de várias discussões. Primeiro, de Taiwan:

台灣有自己憲法 政府 軍隊 議會 本來就跟中國不是同一個國家,幾根五星旗叫言論自由 數千餅終們就是你中國的一部分 笑死人了 領居民證的算人民嗎? 領居民證的居民而已

Taiwan tem sua própria constituição, governo, exército e legislatura. É, de facto, um Estado separado da China. É uma piada forçar as pessoas a fazer parte da China balançando a bandeira nacional de cinco estrelas e poucos milhares de pessoas declarando lealdade. As pessoas na China só têm um cartão de residente, elas são só residentes (não cidadãos).

以國家的高度去要求強迫外國企業行不義之事,你的高度就只能這麼低

Forçar empresas estrangeiras a agir de modo injusto em nome do Estado define como vocês são baixos.

Da China continental:

要讓一個中國原則稱為國際商界共識,馬虎不得。

Temos que ser sérios na criação de um consenso entre o setor de negócios internacional sobre ‘o princípio da China’.

以前是一家人,给个面子,大家无所谓。现在弯弯要做统独议题,那就有得玩了。还是那句话:你们爱独立就滚去美国,日本独立,中国人的土地没你们的位置。

No passado [China e Taiwan] faziam parte de uma família e havia tolerância. Agora, a independência de Taiwan se tornou uma meta e isso é o início de um novo jogo. Se você quer independência, vá para os EUA ou o Japão. Não há espaço para você no território chinês.

De Hong Kong:

從今以後,大家記住叫中國的地方名,記住要加中國兩個字呀!例如,中國深圳,中國上海,中國北京,中國廣州,中國東莞等等!如果唔係,中國會嬲嬲豬㗎

A partir de agora, vamos incluir China em todas as regiões chinesas. Por exemplo: Shenzhen China, Xangai China, Pequim China, Guangzhou China, Dongguang China. Senão, a China ficará zangada.

提提大家, International Country Calling Codes 如下:
中國–86,香港–852,澳門–853,台灣–886
分裂祖國,鐵証如山

Só para lembrar a todos, seguem abaixo os códigos para chamadas internacionais:
China–86, Hong Kong–852, Macau–853, Taiwan–886
É uma prova incontestável, o continente separado.

抵制淘宝,全國包郵不包括香港,即係香港已經獨立!!!

Deviam boicotar o Taobao, um serviço nacional de remessas que não inclui Hong Kong. Significa que Hong Kong é independente!!!

E no Twitter, o ex-Embaixador dos Estados Unidos, Curtis S. Chin, resumiu a reação da China ao incidente com um meme de um panda destrutivo:

A China reage ao encontrar Taiwan e Tibete listados como países em sites; exige pedidos públicos de desculpas das empresas Delta, Marriott, Medtronic, Zara, etc. https://t.co/YNlyUAcYkg [15] #pandarunamok [16] pic.twitter.com/Luzq7axIYU [17]