A única organização de defesa de direitos LGBT de Moçambique deu um importante passo para o reconhecimento legal, pelo qual luta há quase uma década.
Uma decisão Conselho Constitucional de Moçambique — equivalente à Suprema Corte do país — resultará que o estatuto da Lambda não viola a Constituição da República como alegava o poder executivo.
Desde 2008, a Lambda teve sucessivos pedidos de registro como “associação” ignorados pelo Ministério da Justiça, órgão encarregado da função de registro de organizações da sociedade civil.
Segundo os activistas, oficiais do governo diziam informalmente que o pedido não poderia ser processado por ferir uma cláusula da Lei de Associações de 1991 que impedia o registo de associações que perseguissem fins contrários “à ordem moral, social e económica do país e ofendam os direitos de terceiros ou do bem público”.
No dia 31 de Outubro, o o Conselho declarou a cláusula inconstitucional por estar em contradição com o artigo 52 da Constituição da República, que diz que “são proibidas as associações armadas de tipo militar ou paramilitar e as que promovam a violência, o racismo, a xenofobia ou que prossigam fins contrários à lei”. O Conselho determinou que essas são as únicas associações impedidas de registro.
A decisão do Conselho não menciona associações específicas, mas segundo o diretor executivo da Lambda Danilo da Silva a decisão finalmente abre as portas para a legalização da organização. Ele declarou à Deutsche Welle:
“Este posicionamento do Conselho Constitucional vem de alguma forma desarmar esta justificação que informalmente era-nos passada”.
Direitos LGBT em África
A legalização da Lambda soma-se ao ambiente gradativamente favorável à população LGBT em Moçambique, um dos poucos países da África em que homossexualidade não é crime. No Sudão, Nigéria e partes da Somália homossexualidade é punível com pena de morte, enquanto em Uganda, Tanzânia e Serra Leoa com prisão perpétua.
As antigas colónias portuguesas estão entre os países mais tolerantes do continente à população LGBT. Cabo Verde, por exemplo, foi o segundo a descriminalizar a homossexualidade (em 2004) e um dos únicos seis países africanos a assinar um documento da Assembleia Geral da ONU condenando violações de direitos humanos a minorias sexuais (em 2008).
Alguns juristas cabo-verdeanos inclusive defendem que os artigos do Código Civil que restrigem o casamento a pessoas de sexos diferentes é inconstitucional por serem anteriores à promulgação da Constituição da República. O documentário “Tchindas“, que conta a história de Tchinda Andrade, proeminente ativista transsexual do país, ganhou diversos prêmios internacionais em 2016.
Porém, mesmo em países relativamente amigáveis, a população LGBT não está livre de preconceito e violência. Em Angola, onde a lei é omissa quanto à atividade homossexual, a comunidade LGBT vive de forma anónima e é discriminada quanto ao acesso à saúde e educação, segundo Carlos Fernandes, director da Associação Iris Angola.
A decisão do Conselho Constitucional em Moçambique também não foi recebida apenas com regozijo pela sociedade. Numa publicação muito comentada do jornalista Ericino de Salema, por exemplo, muitos se manifestaram contra o reconhecimento da Lambda e a homossexualidade em si.
Danilo da Silva, director executivo da Lambda, respondeu na publicação a esses comentários:
Vejo muito ressentimento naqueles que querem usar do poder coesivo do Estado para fazer valer os seus preconceitos. É uma pena pois viver em sociedade é saber respeitar os outros, mesmo que não simpatizemos com as suas escolhas de vida, desde que estas não nos afectem.
Direitos fundamentais são direitos de todos os moçambicanos, não são privilégios para alguns.
Vamos tod@s aproveitar a oportunidade para aprender com aquele acórdão que não é só uma vitória para as pessoas LGBT, mas para todos que são e tem ideias diferentes. Aquele acórdão é um ode à igualdade, a paz e a harmonia social.Hoje estou muito orgulhoso de ser moçambicano.