Acordo de 20 bilhões de dólares entre China e Guiné gera preocupações

Encontro entre o presidente Xi Jinping e a delegação da Guiné, via CGTN África.

Os líderes do BRICS que representam as cinco economias emergentes (Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul) se reuniram em Xiamen, China, para a nona cúpula anual, que aconteceu entre 3 e 5 de setembro de 2017. Ao mesmo tempo, Ibrahim Kassory Fofana, ministro de Estado da Guiné, responsável por parcerias público-privadas, anunciou um acordo-quadro de financiamento entre China e Guiné.

O acordo de 20 bilhões de dólares, cujos termos geram crescentes preocupações entre a população da Guiné, financiará projetos de infraestrutura entre 2017 e 2036, e estabelece que os investimentos chineses serão devolvidos em troca da realização de projetos de mineração no país.

Embora o gabinete presidencial da Guiné tenha emitido um comunicado de imprensa esclarecendo os termos do acordo, os detalhes ainda não foram divulgados, é o que observa Diallo Boubacar do site Africaguinee.com. Muitos líderes da oposição, incluindo François Bourouno, manifestaram suas preocupações:

L’accord de financement (20 milliards de dollars Us) signé mardi dernier entre la Guinée et la Chine suscite des interrogations ! Alors qu’il prévoit notamment des financements pour la construction d’infrastructures contre des ressources minières couvrant une période de 20 ans, dans les rangs de l’opposition on s’interroge.

“On apprend que c’est un accord mixte qui contient des prêts et des dons. Mais on ne sait ce qui représente des prêts, quelles sont les conditionnalités, le taux et les modalités de remboursement ainsi que tous les éléments de contrepartie. Les dons non plus,  on ne sait pas la définition qu’on leur donne. Il y a autant d’interrogations comme ça”

O acordo de financiamento (no valor de 20 bilhões de dólares), assinado na última terça-feira entre a Guiné e a China, gerou algumas preocupações. Embora presuma-se que esse acordo financiará sobretudo projetos de infraestrutura em troca de recursos minerais durante 20 anos, nós, do partido da oposição, temos nossas dúvidas.                                                                                                  ‘Entendemos que é um acordo misto consistido de financiamentos e concessões. No entanto, não estamos à par de suas implicações, tais como as taxas de devolução, os termos e condições, os detalhes de compensação, tampouco como as concessões serão definidas. Assim, há muitas perguntas que precisam ser respondidas.’

Em 2016, o setor de mineração representou 98,97% das exportações da Guiné (comparado com os 84,12% de 2015). Os trens de carga transportando minérios incluem mais de 120 vagões que emitem um barulho infernal e espalham nuvens de poeira desde o local de extração até o porto.

Apesar disso, os guineenses esperam que esse setor possa melhorar suas condições de vida, ao contrário do setor agrícola, que foi praticamente deixado de lado. Ao passo que a Guiné tem um grande potencial para agricultura, graças aos muitos rios e ao clima variado, o país é conhecido como por “escândalo geológico”, pois há uma grande disparidade entre a riqueza dos recursos inexplorados e a pobreza de seus cidadãos.

A blogueira guineense, Jeanne Fofana, do site kababachir.com, parece cética em relação à dívida que representa mais de 50% da dívida pública, a qual já constitui 48% do produto interno bruto (PIB). A escritora conclui:

Les Guinéens veulent une amélioration substantielle de leurs conditions de vie. Avancer des milliards USD et vanter les mérites d’Alpha Condé frise tout bonnement de la démagogie : « On parle de ces montants, le Guinéen reste sceptique et il a raison ! Parce que cela ne se traduit pas dans l’amélioration de son quotidien. La seule manière de traduire cela dans l’amélioration de sa vie, est qu’il ait du travail. » Les Guinéens se sentent floués.

Os guineenses querem sentir uma melhoria visível nas suas condições de vida. Pra ser bem sincera, simplesmente fornecer bilhões de dólares e exaltar as virtudes de Alpha Condé (presidente da Guiné) beira ao populismo: ‘quando se trata de quantidades de dinheiro como essa, o guineense médio continua cético, e com razão, pois para ele, isso não significa uma melhoria efetiva de vida. A única maneira de converter isso em melhores condições de vida é por meio da criação de empregos.’ Os guineenses estão se sentindo enganados.

Em um artigo publicado pela Radio France Internationale (RFI), Amadou Bah da ONG Action Mine Guinée exprime suas preocupações:

Mais aucune précision n’est faite sur la quantité de ressources attribuée…

Est-ce que ça ne va décourager les autres investisseurs des autres multinationales qui veulent avoir des concessions en Guinée ? Est-ce que ça ne serait pas de gré à gré ? Est-ce que la valeur des infrastructures va refléter la valeur du minerai qui sera exporté ? Pour le moment, nous restons suspendus aux lèvres du gouvernement qui a négocié cela, sans beaucoup donner de détails.

No entanto, até o momento, não houve qualquer esclarecimento em relação à quantidade de recursos alocados…
Isso não desestimulará a procura de concessões por outros investidores de outras multinacionais? Isso será de comum acordo? O valor da infraestrutura será igual ao valor dos minérios exportados? Neste momento, contamos com as informações do governo enquanto as negociações seguem sem que grandes detalhes sejam fornecidos.

Internautas guineenses se manifestam

Os cidadãos guineenses tomaram o Facebook a fim de manifestar suas dúvidas. A primeira exploração de bauxita na Guiné aconteceu em 1937, porém os guineenses se encontram entre os mais pobres da África Ocidental. Siradiou Paraya Bah, um morador da capital Conacri, se une ao debate publicando na página de Sidikiba Keita, um influente blogger guineense, para indagar quais lições podem ser tiradas das experiências passadas:

Peut-on avoir connaissance du contenu exact de ces accords de financement Chine-Guinée?
Quel bilan faire des décennies d'exploitation de la bauxite en Guinée?
Quelles leçons pourra-t-on en tirer?

Podemos saber exatamente em quê implicará estes acordos entre a China e a Guiné?
O que podemos aprender a partir das últimas décadas de exploração de bauxita no país?
Quais lições podemos tirar disso tudo?

A necessidade de processar os minerais antes da exploração é o que preocupa Demba Thez Mara, um internauta guineense de Boké:

Je souhaiterais qu'on installe des usines minéralurgique et métallurgique pour la transformation de nos produits bruits sur place. En matière d'enrichissement de l'Al2O3 [l'alumine], la Chine a la meilleure technologies d'enrichissement par flottation donc pour un développement en matière de mines il faut transformation sur place et pour ce il faut aussi une production énergétique suffisante.

Gostaria de ver usinas metalúrgicas e refinarias implementadas, de modo que poderíamos processar nossos produtos brutos aqui. Quando se trata de enriquecimento de alumínio Al2O3, a China tem as melhores tecnologias de flotação. Portanto, para um maior desenvolvimento das nossas minas, precisamos processar no local, o que também requererá uma produção de energia suficiente.

Agentes responsáveis pela aplicação da lei entraram em confronto com manifestantes no centro do principal local de extração de bauxita em Boké, Guiné, que protestavam em resposta ao impacto ambiental negativo da extração e pela falta de benefícios econômicos, principalmente empregos. De encontro a esse cenário, o blogueiro Sidikiba Keita responde o post do usuário do Facebook, Ibrahim Ghussein, e alerta os guineenses:

1. Ne nous berçons pas d'illusion. Les opérations actuelles de SMB sont la petite échelle de ce qui nous attend car on passera de 30.000T/j à 300.000T/j, C'est à dire un décuplement. Les chinois ont un agenda très clair: la compression tous azimuts des coûts de production, de l'extraction à la mise à FOB. Le dernier rapport de l'ITIE atteste que le revenu moyen perçu par l'État guinéen est de 4$/T de bauxite, alors que la CBG en paie plus que le double du fait de ses mesures de protection de l'environnement. La phase de décapage et de dynamitage provoquent déjà une pollution peu maîtrisable. Il faut y rajouter la phase de transport qui sera probablement faite par camion comme ils le font actuellement.
2.  De toutes les façons au vu de l'expérience traumatisante subie par les populations riveraines de SMB nous sommes dans l'impossibilité matérielle de tenir cette cadence sauf si on envisage un déménagement massif des populations.

1. Não nos enganemos. No momento, as operações da Companhia de Mineração de Boké (SMB, [Société Minière de Boké, em francês], se encontram numa escala menor do que imaginávamos, uma vez que irão aumentar dez vezes, de 30,000 tons/dia (t/d) para 300,000 tons/dia. Os chineses têm um objetivo muito claro: a redução total dos custos de produção, que vão desde a extração até o transporte Free on board. O último relatório da EITI [Iniciativa de Transparência das Industrias Extrativas] confirma que o governo da Guiné espera receber uma média de $4 dólares por tonelada de bauxita, enquanto a CBG (Companhia de Bauxita da Guiné) paga mais do que o dobro dessa quantia, por causa das medidas de proteção ambiental. Somente as etapas de remoção e explosão já criam um problema quase que inadministrável e, além disso, a fase de transporte continuará sendo, sem dúvida, por meio de caminhões.

2. De qualquer forma, isso não se sustenta se levarmos em consideração as experiências traumáticas enfrentadas pela população que vive próxima à SMB, a menos que haja uma remoção em massa da população.

Quanto ao impacto ambiental, Tidiane Sylla destaca as consequências iminentes da exportação excessiva, o que acarreta num alargamento do mercado e, consequentemente, na queda nos preços:

Exporter de forte quantité de banco de bauxite pourrait faire chuter les prix du dit produit sur le marché international. Dans la zone de Boke, Boffa, telimele, plus de 10 sociétés sont engagées dans la production de bauxite. Diversifions et innovons pour ne saturer le marché. 

A exportação de grandes quantidades de bauxita pode provocar a queda do preço no mercado internacional. Nas regiões de Boké, Boffa e Témiélé, mais de dez empresas estão envolvidas na produção de bauxita. Precisamos diversificar e inovar o mercado para evitar que o saturemos.

A história da desconfiança pública na Guiné

A falta de confiança pública em torno de acordos de mineração advém de contratos indevidos assinados pelo ministro de Minas da Guiné, Mamoudou Thiam, durante o mandato de 2009 a 2010. Thiam está detido desde dezembro de 2016 nos Estados Unidos após ser condenado por lavagem de 8.5 milhões de dólares de suborno.

O Centro de Estudos Estratégicos da África, uma instituição acadêmica criada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos e financiado pelo congresso para pesquisar questões de segurança na África, publicou um estudo em maio de 2015 chamado A anatomia da maldição dos recursos: investimento predatório nas indústrias de extração da África, o qual analisa problemas causados pela riqueza mineral em alguns países da África. No capítulo dedicado à Guiné, chamado Exploração de um país à beira da falência: o caso da Guiné, o estudo detalha como Thiam foi capaz de encher os bolsos enquanto estava no poder.

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