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Restaurante administrado por mulheres rompe barreiras no Paquistão

Categorias: Afeganistão, Paquistão, Arte e Cultura, Economia e Negócios, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero

Hamida Ali Hazara, sua equipe e alguns clientes no Restaurante Hazara, em Hazara, cidade de Quetta. Hamida Ali Hazara é a quarta a partir da esquerda. Foto compartilhada por Hamida no Facebook, com permissão de uso.

Não faltam restaurantes em Hazara Town, bairro de classe média da cidade paquistanesa de Quetta, mas um deles se destaca. Modesto, o interior do estabelecimento possui decoração tradicional Hazaragi e um poster de um Buda gigante. Notável, no entanto, é o fato de que o restaurante é administrado exclusivamente por mulheres.

A minoria étnica hazara [1] fala o idioma Hazaragi/Dari. Os hazaras têm sido perseguidos com frequência desde que escaparam da tentativa de limpeza étnica pelas mãos dos talibãs no Afeganistão e migraram para países vizinhos, como Irã e Paquistão.

A maioria dos hazaras é composta por muçulmanos xiitas. O Restaurante Hazara abriu suas portas no início de julho para mulheres e famílias em busca de bons momentos em Quetta, a capital administrativa da província paquistanesa do Baluquistão.

Integrante dessa minoria marginalizada, Hamida Ali Hazara é a mola propulsora do movimentado restaurante, cujo pequeno cardápio apresenta as mais autênticas delícias paquistanesas, como o biryani (geralmente feita com temperos, arroz e carne), o karhai (ensopado de carne), kebab e sumo de frutas frescas.

O espaço recém-criado também é utilizado para conferências, encontros, festas de casamento e de aniversário. Ao todo, o restaurante emprega seis funcionárias.

Provavelmente, o primeiro restaurante em #hazaratown [2], #quetta [3]  planejado e tocado por uma empreendedora mulher. Hamida Ali Hazara está rompendo barreiras.

O Restaurante Hazara é um segundo lar para muitas mulheres hazaras na comunidade. A iniciativa está influenciando mentes e invadindo corações.

 

Qualquer jornalista ou documentarista gostaria de contar a história da corajosa Hamida Ali Hazara que recentemente abriu um restaurante em Hazara Town. A equipe de mulheres não apenas administra o restaurante, como também trabalha com arte e traz para o debate desafios da comunidade hazara no Baluquistão. Feminista incondicional, Hamida abriu o espaço especialmente para mulheres e meninas do Baluquistão para lhes oferecer um lugar onde possam trocar ideias e apoiar àquelas que perderam seus entes queridos no extermínio de hazaras. Mas as famílias também são bem-vindas. Pouco desenvolvido, Hazara Town é meio isolado, cinco horas de eletricidade a cada 24 horas, água somente por cisternas, pois não há abastecimento público e as estradas estão em mau estado. Se alguém precisar de alguma inspiração, por favor, procure essa resiliente, ambiciosa, apaixonada e determinada mulher hazara, apesar da brutal tentativa de limpeza de sua comunidade.

“Não vou parar por causa da opinião dos outros”

Além de ativista política e social, Hamida talvez seja mais conhecida como a fundadora da entidade Hurmat-e Niswa Foundation (HNF), que ajuda mulheres a melhorar suas vidas com saúde, educação e práticas de esporte. A HNF já ajudou dezenas de meninas hazaras a conseguir bolsas de estudo em universidades nas maiores cidades do Paquistão: Lahore e Karachi.

Vencer no mundo dos negócios talvez seja o próximo passo natural para um empreendedor pioneiro e obstinado. Mas para uma única mulher, em uma região profundamente patriarcal, conseguir se estabelecer em um setor dominado por homens exige superar uma série de desafios.

“Alguns amigos e familiares próximos zombaram e ridicularizaram essa minha escolha de negócio”, lembrou Hamida, durante entrevista por telefone ao Global Voices.

“Falavam de mim pelas costas. Mas não vou me deixar abater. Não vou parar por causa da opinião dos outros”.

Até o momento, as recompensas já superaram as adversidades. Nos horários de almoço e nos fins de tarde, o restaurante tem dificuldade de acomodar tamanha quantidade de clientes. Mais prazerosa ainda é a mudança que Hamida tem testemunhado em sua coesa equipe.

“Uma das funcionárias era calada e melancólica. [Ela disse] devido a problemas financeiros, não pôde continuar seus estudos. Àquela altura já havia até desistido de tentar. Mas o restaurante a ajudou a prosseguir. Fico feliz por ela”, contou.

Quetta à noite. Foto original postada [8] no Flickr por Beluchistan. CC BY-SA 2.0.

Para Hamida, a educação é uma meta para suas funcionárias e também a principal razão para que iniciativas como a sua ganhem futuramente mais aceitação na comunidade. Um exemplo é a iniciativa de uma padaria local em Quetta, que publicou no mês passado o que pode ser considerado o primeiro anúncio de emprego da cidade voltado exclusivamente para mulheres.

Oportunidade de emprego de caixa para uma profissional entusiasmada. Faça parte da empresa líder de Quetta como caixa. French Bakery está abrindo uma vaga de caixa, com um pacote de benefícios e salário atraente. Nós, da French Bakery, acreditamos firmemente que uma sociedade próspera só pode ser consolidada quando homens e mulheres têm oferecidas as mesmas oportunidades de trabalho…

“Os tempos mudaram”, explica Hamida. “Anos atrás, a vida das mulheres limitava-se às paredes de casa em Hazara Town, mas não é mais assim. A educação está mudando a mentalidade das mulheres”.

Um paraíso seguro em um mundo perigoso

Um temor, no entanto, paira sobre os negócios em Quetta, especialmente daqueles pertencentes a hazaras: a falta de segurança. Em outubro passado, a imprensa paquistanesa reportou  [9]a morte de três hazaras entre cinco mortos em um ataque policial considerado sectário.

A tragédia de outubro levou muitos hazaras de luto a ocupar a via pública Mizan Chowk, em Quetta, para protestar contra o aumento da violência contra essa minoria. Assim como no Afeganistão e no Paquistão, os hazaras muçulmanos xiitas são comumente taxados de extremistas, vistos como hereges.

O medo de sofrer violência acaba por encorajar esse grupo a instalar seus estabelecimentos comerciais em bairros como Hazara Town, onde os hazaras são maioria. A fundadora do Restaurante Hazara escolheu a rua Aliabad para abrir seu negócio em vez do movimentado bazar, principalmente por motivos de segurança.

Mas o mundo lá fora continua a impor perigos e problemas, e o Restaurante Hazara é um santuário nesse universo. Ali, Hamida e sua comunidade podem debater, mobilizar-se e estar à vontade. E segundo testemunhas, a comida é bem gostosa também.