Este post foi escrito por Kris Cheng e publicado, originalmente, no Hong Kong Free Press, em 4 de novembro de 2017. Segue abaixo versão editada, como parte de uma parceria com a Global Voices.
Uma nova lei da China, que criminaliza o desrespeito ao hino nacional, será adotada em Hong Kong.
O principal órgão legislativo da China decidiu, no dia 4 de novembro, introduzir a regulamentação ao Anexo III da Lei Básica, a constituição vigente em Hong Kong, uma região administrativa especial do país com um elevado grau de autonomia.
A Lei do Hino Nacional foi aprovada na China em setembro e entrou em vigor em outubro de 2017. Segundo a lei, quem modificar de forma maliciosa a letra, tocar ou cantar o hino nacional – Marcha dos Voluntários – de uma maneira distorcida ou desrespeitosa em público, pode ser detido por até 15 dias e ainda ser responsabilizado criminalmente.
Logo após a nova lei ser decretada, o Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional (APN) alterou a lei penal do país para incluir penalidades criminais para a violação da lei. As punições vão desde a remoção de direitos políticos e vigilância pública até a detenção criminal e prisão por até três anos.
O governo de Hong Kong disse que seguirá a decisão da APN na legislação local e tomará como referência a já existente Lei Nacional da Bandeira e do Emblema, que também tem uma penalidade máxima de três anos de prisão.
As novas regras foram definidas em vista de que, desde 2015, torcedores de futebol de Hong Kong têm vaiado repetidamente o hino nacional chinês para expressar o seu descontentamento com Pequim pelo aumento do controle sobre Hong Kong.
Poder Retroativo?
O governo local de Hong Kong não deixou claro se a versão local da lei terá poder retroativo.
Rita Fan, membro do Comitê Permanente da APN, sugeriu que a lei entre em vigor em Hong Kong logo após ser apresentada na Assembleia, para impedir que atos “desrespeitosos” aconteçam durante o debate público. Na verdade, o conselheiro executivo Ronny Tong advertiu que, legalmente, as autoridades podem aplicar a lei antes da legislação local ser aprovada:
I advise Hong Kong people not to test the law themselves, because if it’s in Annex III, theoretically speaking – as I’ve said – these acts will already be considered illegal.
Como eu disse, aconselho ao povo de Hong Kong que não teste a lei porque, se está no Anexo III, teoricamente, estes atos já serão considerados ilegais.
O Secretário para os Assuntos Constitucionais e do Continente, Patrick Nip, disse que o governo consultará a legislatura e o público ao implementar a nova lei localmente.
O governo reforçou as suas palavras em uma declaração no dia 4 de novembro: “Durante o processo legislativo, o governo [da região administrativa especial de Hong Kong] considerará com cuidado as opiniões do público e dos membros do Conselho Legislativo”.
Na última semana, o presidente do Comitê da Lei Básica, Li Fei, disse que os cidadãos de Hong Kong terão que ficar em pé enquanto o hino tocar nos hipódromos Happy Valley e Sha Tin. Ele acrescentou ainda que se tornará obrigatório tocar o hino nacional em escolas primárias e secundárias.
“As pessoas obedecerão por medo, e não por respeito”.
A opinião pública está dividida. O setor pró-Pequim apoia a legislação, acreditando que a lei assegure que o povo chinês seja respeitado.
No entanto, David Tang, do setor jurídico, escreveu no portal de notícias colaborativo Stand News que o respeito deve ser conquistado:
英文那句 “earn someone's respect” 我真的喜歡得很。
立法禁止大眾侮辱國歌,難度不大,人家怕了,只好聽你的。但要別人打從心底尊重你?什麼國歌法也沒有用,迫不來的。你要别人尊重,就要先問問自己,做了什麼來贏得別人的尊重。…
以改善民生來換取大眾對政權的支持,是北京三十年來的國策,但在香港卻倒行逆施,只一味靠惡,迫人家尊重。Why?因為北京缺乏自信,只能依重無能但信得過的人?還是多少有種「抵佢死」的心態,覺得香港在英國底下威水了那麼久,現在老子當家了,就是不讓你有好日子過才高興?
Eu gosto da expressão inglesa “earn someone's respect” (ganhar o respeito de alguém).
É fácil aprovar uma lei e impedir que o público insulte o hino nacional. As pessoas obedecerão por medo, e não por respeito. A Lei do Hino não pode forçar as pessoas a respeitarem. Se você quer ser respeitado, pergunte-se o que fez para conquistar o respeito dos outros…
Nos últimos 30 anos, Pequim adotou uma política de melhora dos meios de subsistência das pessoas para ganhar respeito, mas, quando se trata de Hong Kong, faz uso de ameaças e impõe o respeito do povo. Por quê? Porque Pequim não tem convicção e só pode contar com pessoas em quem pode confiar? Ou está farta do excelente desempenho de Hong Kong sob o domínio colonial britânico e agora se contenta em ver Hong Kong sofrer?
Educação Patriótica
O dissidente político Lau Shan Ching apontou que a motivação por trás da Lei do Hino Nacional não é de apenas punir o que é considerado desrespeitoso, mas também introduzir a educação patriótica em escolas primárias e secundárias. A lei especifica que as escolas devem ensinar o hino nacional e inseri-lo no currículo da educação patriótica.
Muitos, porém, argumentam que, se as escolas devem ensinar o hino nacional, também devem ensinar a biografia de Tian Han, que escreveu a letra do hino. Tian Han era um ativista anti-imperialista e anti-feudalista desde o Movimento de Quatro de Maio de 1919. Sua vida é um constrangimento para o Partido Comunista Chinês, já que a primeira geração revolucionária foi torturada até a morte durante a Revolução Cultural.
O formador de opinião Ng Chi Sum fez uma releitura da biografia de Tian no meio de comunicação colaborativo inmediahk.net para mostrar que os atos mais desrespeitosos contra o hino nacional foram executados pelo PCC:
文化大革命期間,田漢被扣上「資產階級反動學術權威」的帽子,鬥倒批臭,受盡折磨侮辱,兒子更公開宣布與他劃清界線。田漢在囚室一樣的醫院病房中度過生命最後的歲月,死時身邊一個親人都沒有,更有記載說,為防泄露死者身分,用了假名。
田漢被打倒,反動學術權威的歌詞當然不能再唱,之後曾經出現民間改編版本:「起來!忠於毛主席的紅衛兵,把我們的血肉,築成中國的反修長城!」其後又有官方修改的版本:「高舉毛澤東旗幟前進!前進!前進!進!」直至1982,才恢復《義勇軍進行曲》的舊詞,並正式寫進憲法,成為中華人民共和國國歌。
Durante a Revolução Cultural, Tian Han foi taxado como uma “autoridade acadêmica reacionária da classe capitalista”, insultado e torturado. Seu filho teve que desafiá-lo abertamente. Estava preso em um quarto de hospital sem nenhum membro da família para cuidar dele quando morreu. Um registro não oficial disse que foi admitido sob um pseudônimo para impedir que o público soubesse de sua morte.
Tian Han foi substituído e, naturalmente, as pessoas não podiam cantar a letra reacionária da Marcha dos Voluntários. A letra mudou para: “De pé! Guardas vermelhos que são leais ao presidente Mao. Use nosso sangue e carne para construir a Grande Muralha da China contra o Revisionismo”. Mais tarde, a letra oficialmente editada foi divulgada: “Ergam a bandeira de Mao Tsé-Tung e marchem, marchem, marchem”. Somente em 1982, a antiga letra da Marcha dos Voluntários foi restaurada e escrita na constituição como o hino nacional.
A biografia de Tian Han foi apagada do site do Departamento de Educação de Hong Kong em setembro, quando a Lei do Hino Nacional foi aprovada em Pequim, porque a vida do letrista do hino nacional é muito delicada para ser incluída no currículo da educação patriótica.