Liberdade de expressão ou “representação obscena”? O caso contra o cartunista indiano Bala G

Cartunista Bala G, de Tamil Nadu, na Índia. Captura de tela de vídeo do YouTube.

O cartunista independente Bala G foi preso em 5 de novembro de 2017 por difamar o ministro-chefe do estado de Tamil Nadu, no sul da Índia.

O caso deflagrou novos debates sobre os limites de liberdade de expressão e o silenciamento de críticos.

Na manhã de 5 de novembro, G Balakrishnan (Bala), um cartunista editorial independente, morador do distrito de Tirunelveli, foi preso pelo departamento criminal de Polícia de Tamil Nadu por uma charge que postou nas redes sociais criticando a administração do distrito e o ministro-chefe Edappadi K. Palaniswami.

Ele é acusado de “representação obscena” e difamação, e foi indiciado nos artigos 67 da Lei de Tecnologia da Informação e 501 do Código Penal indiano.

Bala preso por charge de criança em chamas enquanto comissário de polícia, coletor do distrito e ministro-chefe, nus, cobrem as partes íntimas com maços de dinheiro#FreedomOfSpeech #TamilNadu pic.twitter.com/RYHpOMLNBs

Depois de trabalhar por 12 anos como jornalista para a revista semanal Kumudam de Tamil, Bala se tornou editor da plataforma de mídia digital LinesMedia. Ele tem mais de 42.000 seguidores no Facebook graças, principalmente, às suas charges políticas, que tiveram papel fundamental nos debates das redes sociais em Tamil Nadu.

Em uma charge polêmica, o ministro-chefe, o comissário de polícia e o coletor do distrito da cidade de Tirunelveli são representados nus, cobrindo os genitais com maços de dinheiro. Eles estão parados, ao fundo, observando o corpo em chamas de uma criança no chão.

Com essa caricatura, Bala quis criticar as autoridades pelo fracasso de impedir a recente morte por autoimolação de uma família que sucumbiu à pressão de agiotas que elevaram os juros a níveis que a família não pôde arcar — quase o dobro da quantia inicial do empréstimo.

A família havia feito várias reclamações no escritório do coletor do distrito, mas a polícia não fez nada contra o agiota. Em um ato de desespero, o pai levou sua mulher e as duas filhas pequenas até o escritório do coletor. Do lado de fora, jogou querosene em sua família e nele mesmo, e depois ateou fogo. Apesar dos esforços de testemunhas para salvá-los, a esposa e as filhas morreram em consequência de queimaduras graves. O homem continua em condição crítica.

Após o incidente, a comissão de direitos humanos da Índia emitiu um comunicado ao secretário-chefe, ao diretor-geral de polícia de Tamil Nadu, ao coletor do distrito e ao superintendente de polícia de Tirunelveli para que enviassem um relatório, em quatro semanas, sobre a investigação das mortes.

O ministro-chefe Palaniswami defendeu sua posição, argumentando que o estado já tem legislação para impedir que credores cobrem taxas de juros exorbitantes. Ele disse que pediu às autoridades responsáveis que atendam rapidamente às reclamações.

Embora o incidente tenha chamado a atenção da mídia local, a charge de Bala deu destaque nacional ao incidente e às práticas dos cobradores na Índia.

Antes de seu depoimento, Bala disse à imprensa:

O incidente me fez pensar em meus filhos queimando. Eu não tenho palavras para expressar a minha dor, então desenhei a charge em um momento de revolta. Não era dirigida a ninguém.

Em 6 de novembro de 2017, segunda-feira, o juiz do distrito de Tirunelveli concedeu liberdade sob fiança a Bala.

Esta noite, às 20h00: cartunista Bala foi libertado sob fiança após ser preso por fazer caricatura de ministro-chefe. Divergir e ter humor se tornou mais difícil?

A prisão de Bala provocou muita revolta e discussão nas redes sociais e a hashtag #standwithCartoonistBala passou a ser um dos principais temas. Muitos jornalistas e pessoas comuns protestaram em diferentes partes do país:

Não há espaço para sátira? Liberdade de expressão é uma mentira?
E onde está o processo justo da lei?#StandwithCartoonistBala

Jornalistas colocam enormes faixas com as charges de Bala no clube de imprensa pic.twitter.com/ICco0v73qq

Protesto por prisão de Bala pic.twitter.com/Ldvrd7N1ta

Muitos defenderam nas redes sociais o estilo de representação de Bala:

Quando o comportamento dos governantes é de mau gosto, como se deve reagir? Nossos governantes estão, de fato, despidos pela corrupção e ineficiência. Temos que chamar os despidos de despidos. A charge de Bala é exatamente o que eu teria feito se fosse cartunista. Não podemos tratar nossos políticos como crianças.

#IndiaWithBala todas as liberdades têm limites, exceto a corrupção dos políticos, burocratas, etc. eles têm liberdade ilimitada para corrupção, crime.

Enquanto isso, alguns questionaram a adequação da charge:

Quais são os limites da liberdade de expressão? Tudo é delimitado por regras. É corajoso e ousado, mas inapropriado ao mesmo tempo

A questão ao defender a problemática charge do cartunista Bala é que você também deve estar disposto a defender as charges de Muhammad.

Alguns consideraram a charge claramente obscena e difamatória:

#indiawithbala

Parem com essa bobagem

Obscenidade não é crítica

O congresso aceitará charges de Sonia & Rahul NUS?

Liberdade de expressão vem com deveres.

Maya Kavi escreveu no Facebook:

As a cartoonist Bala has right to criticise the matter but definitely, this is something vulgar. Unfortunately, as usual, the matter has deviated from the facts and Bala became a hero!

He described that he did in an extreme anger! Being a journalist how could he say that irresponsibly!

Como cartunista, Bala tem direito de criticar a questão, mas, com certeza, isso é algo vulgar. Infelizmente, como sempre, a questão desviou-se dos fatos e Bala tornou-se um herói!

Ele disse que fez o desenho em um momento de extrema revolta! Como jornalista, eu diria que ele é irresponsável!

Um artigo do site independente de notícias e comentários The Logical Indian observou que nas últimas semanas, ao menos cinco cidadãos foram presos em toda a Índia por expressar pontos de vista contraditórios em redes sociais.

Embora a liberdade de expressão seja garantida pela Constituição na Índia, ela não é absoluta. Pratyush Raj, da Escola de Direito Symbiosis escreveu em um artigo que:

The freedom of expression guaranteed under Article 19(1) (a) can be subject to reasonable state restriction in the interest of decency or morality. Obscenity in India is defined as “offensive to modesty or decency; lewd, filthy and repulsive. The test of obscenity is whether the publication, read as a whole, has a tendency to deprave and corrupt those whose minds are open to such immoral influences, and therefore each work must be examined by itself.

A liberdade de expressão garantida no Artigo 19(1) (a) pode ser submetida a razoável estado de restrição em prol do interesse da decência e da moralidade. A obscenidade na Índia é definida como “ofensiva à modéstia ou à decência; impudica, indecente e repulsiva. O teste de obscenidade é se a publicação, lida em sua totalidade, tem a tendência de depravar e corromper aqueles cujas mentes são abertas a tais influências imorais e, portanto, cada obra deve ser examinada separadamente.

O artigo 67 da Lei de Tecnologia da Informação da Índia trata de obscenidades em publicações on-line. A Índia tem uma legislação da época colonial britânica, que define e criminaliza a obscenidade. No passado, vários escritores, artistas e poetas foram presos acusados de obscenidade sob essa lei.

Em um recente post no Facebook, Bala agradeceu o apoio das pessoas e prometeu continuar seu trabalho:

Still, my computer and mobile phones are in police custody. Soon I will meet you all through my cartoons.

Meus celulares e computador continuam em custódia da polícia. Logo estarei com vocês com as minhas charges.

O caso contra Bala G será de grande importância, pois poderá alterar o modo como os tribunais definem obscenidade e liberdade de expressão — e como o poder e os políticos influenciam o processo.

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