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Refugiados burundineses enfrentam difícil dilema: ficar em campos superlotados ou retornar para incerteza

Categorias: África Subsaariana, Burúndi, Tanzânia, Mídia Cidadã, Política, Refugiados

Campo  [1]de refugiados de Mahama no distrito de Kirke, a leste de Ruanda, que abriga mais de 53.000 refugiados burundineses. 29/08/2017. Crédito: Alan Whelan/Trócaire. IMG_5459

Em 7 de setembro [2] um comboio [3] com 301 refugiados do campo de Nduta,  [4]na Tanzânia, retornou para o Burundi, com mais [5] burundineses chegando nos dias que se seguiram. No total, 12.000 inscreveram-se [6] para o retorno voluntário [7] este ano. Apesar de não serem os primeiros a retornar [8], o número é grande; e seu retorno foi organizado pelos governos do Burundi e da Tanzânia com a Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR).

Contudo, a crise [9] deflagrada [10] pelos distúrbios da eleição de 2015, que levou inúmeros burundineses a fugir, ainda está longe de ser solucionada [11]. Enquanto alguns refugiados, impacientes com a espera, fazem protestos na Tanzânia para exigir a aceleração do processo, muitos outros temem voltar.

UNHCR [12] ainda tem mais de 400.000 refugiados inscritos, sendo 240.000 só na Tanzânia. Os campos também recebem com frequência recém-chegados. A SOS Médias Burundi, uma iniciativa coletiva de jornalistas locais, informou [13] que 180 novos refugiados chegaram ao campo Nduta em 15 de setembro, sendo que três deles haviam acabado de retornar ao Burundi, mas voltaram.

O governo pediu [14] aos refugiados que retornem, dizendo que o país agora está seguro. O presidente da Tanzânia também encorajou [15] a repatriação. Oficiais burundineses alegam que os números das Nações Unidas são incorretos [16], ou mesmo manipulados, e que mais [17] de 150.000 [14] retornaram. Eles também acusaram [18] o UNHCR de impedir o retorno dos burundineses.

Aqui ou lá, a vida para os burundineses continua difícil

Os refugiados saíram do Burundi por diferentes razões e analisarão o retorno também por diferentes razões [22], incluindo reconciliação política, responsabilização e acessibilidade a bens de consumo básicos. Porém, a Anistia Internacional informou  [23]que muitos se sentem pressionados [24] a retornar.

A vida nos campos [25] de refugiados é difícil [26]; suprimentos e espaço são restritos e a insegurança é um problema. No campo de Nduta as rações foram cortadas substancialmente [27] este ano – foram reduzidas [28] quatro vezes em seis meses. Os refugiados protestaram [29] por desnutrição, iniciando até [30] alguma violência [31], e alguns até suspeitaram [28] de que havia a intenção de pressioná-los para que retornassem. O UNHCR solicitou [32] mais financiamento com urgência, afirmando que só 6% da meta [12] havia sido alcançada em setembro.

Marc Ntukamazina, que fugiu do Burundi devido à insegurança depois que sua casa foi incendiada, já retornou. Ele disse à  [22]SOS Médias Burundi:

La vie en Tanzanie n'est pas aussi facile. J'espère qu'aujourd'hui je pourrais avoir la tranquillité plus qu'avant

A vida na Tanzânia não é fácil. Espero que agora eu possa ter mais tranquilidade.

Em Sud-Kivu, na República Democrática do Congo, 39 [33] burundineses e um soldado morreram em 15 de setembro durante confrontos com as forças de segurança quando civis protestavam contra o retorno ao Burundi, segundo testemunhas [34] e [35] as Nações Unidas [36] e, segundo oficiais, durante um ataque.

Em Burundi, a situação econômica [37], que levou tantos a fugirem, continua [38], em grande parte causada pela insegurança alimentar e política, [39] queda de investimentos [40], altas taxas de desemprego, frequente escassez de eletricidade e combustíveis [41] e por polêmicos impostos e [42]contribuições [43]”. O jornalista [44] Esdras Ndikumana, que deixou o país depois de ser severamente espancado ao ser detido em 2015, tuitou:

O governo e os petroleiros garantem que “não há problemas de estoque”. Mas nesse caso, como explicar a atual escassez de gasolina?

A insegurança política permanece. Vários relatos acusam o governo de autoritarismo e sistemáticos [47] abusos de direitos, o que o governo rechaça [48]. Em agosto de 2017, a Iniciativa Internacional de Direitos dos Refugiados, com base em entrevistas de refugiados em Uganda, criticou [49] a violência contra os opositores. E em julho, a Federação Internacional de Direitos Humanos registrou [50] mais de 1.200 mortes desde 2015, e alertou para a crescente restrição da liberdade de expressão da ditadura.

ONGs e mídias [51] críticas continuam enfrentando [52] fechamentos, processos [53] ou perseguições [54]. O opositor político Léopold Habarugira foi sequestrado [55] em plena luz do dia em 12 de setembro e muitos outros permanecem no exílio. Alguns partidos foram suspensos [56] por supostas irregularidades financeiras. Mais concretamente, o ministro do interior Pascal Barandagiye solicitou [57] em agosto a dissolução judicial do principal partido de oposição, Movimento pela Solidariedade e Democracia (MSD).

Comissão [58] investigadora das Nações Unidas (UNCOI) solicitou [59] uma investigação completa da Corte Criminal Internacional (ICC), pedido que foi apoiado [60] por ONGs [61] de Burundi e opositores [62], mas não [63] pela União Africana. Porém, em uma decisão sem precedentes, a partir de 27 de outubro de 2016 o Burundi saiu da ICC, o que complica [64] o início das investigações.

Um ‘clima de temor’ que persegue os refugiados

Fatsah Ouguergouz, presidente do UNCOI, afirmou [65] que um “clima de temor” persegue os refugiados até mesmo no exílio, e que não há condições adequadas para o retorno. A violência política se tornou mais clandestina, [66] porém continua sistemática, com relatos de desaparecimentos [55], torturas e prisões arbitrárias.

Os ministros [63] rejeitam essa afirmação [67] com veemência e a Assembleia Nacional prometeu investigar [68], enquanto o assessor presidencial de comunicações Willy Nyamitwe denunciou a questão como um complô [69] do Ocidente. Foram organizados vários protestos [70] contra as Nações Unidas, embora a SOS Médias Burundi tenha informado [71] que algumas pessoas foram forçadas a participar.

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A esperança de um diálogo [74] entre a oposição “radical” fragmentada [75] e o governo [17], que consolidou [76] seu controle para resolver a situação, está abalada [77]. O diálogo com mediação regional foi interrompido, e o mediador Benjamin Mkapa criticou [78] o comprometimento dos participantes. Enquanto isso, o enviado especial das Nações Unidas, Michel Kafando [15], enfrenta as dificuldades das tensas [79] relações [80] de Bujumbura com as Nações Unidas e a União Europeia [81], e também as divergências internacionais [82] sobre o tema [83].

O governo pressionou com polêmicas [84] alterações [85] constitucionais, que permitiriam ao presidente Nkurunziza outro mandato. Também pediu contribuições [86] públicas para financiar [87] as eleições de 2020 e evitar a dependência de doadores, que desistiram pouco antes das eleições de 2015 devido à violência política. Manifestações de apoio [88] do Imbonerakure – ala jovem do partido governante, acusada [89] de violência [90] e de pertencer a uma estrutura paralela [91] de segurança controlada pelo governo – aparentemente fortalece a posição do presidente.

Muitos dos que fugiram não concordavam com a extensão do mandato do presidente para além do limite de dois termos, pois consideram um afastamento [92] dos acordos [93] de compartilhar o poder, firmados após a guerra, para se chegar à paz e a um Estado monopartidário.

Esses problemas cruciais de insegurança política e econômica permanecem sem solução, deixando muitos refugiados no difícil dilema de optar pelo retorno ao Burundi ou continuar nos campos.