- Global Voices em Português - https://pt.globalvoices.org -

Numa Espanha polarizada, o que significa ser espanhol?

Categorias: Europa Ocidental, Espanha, Arte e Cultura, Eleições, Governança, Mídia Cidadã, Política
[1]

“+ Amor” grafiti num muro em Barcelona em 2009. Foto do usuário do Flickr Almusaiti. CC BY-SA 2.0

“Quebra” é a palavra de ordem na Espanha, onde a tentativa da região da Catalunha pela independência e a resposta do governo espanhol não só estão a puxar o país para um território político não explorado [2], como também estão a semear o ódio.

Muitos avisam que a crise está a levar ao aumento da mentalidade “nós contra eles” [3], que é não só perigosamente imprecisa no seu simplismo e familiaridade desconfortável para um país que nem há quatro décadas estava sob o domínio ditatorial fascista.

Se não apoiares o referendo pela independência do dia 1 de outubro, que foi suspenso [4] pelo Tribunal Constitucional da Espanha e visto como ilegal pelo governo espanhol, então deves ser anti-Catalunha. Se não louvas [5] as ações do governo central, incluindo a violência policial [6] contra os eleitores catalães, deves ser anti-Espanha. Espanhol é a única língua aceitável, ou o Catalão. Só há uma identidade espanhola, ou catalã. É tudo ou nada.

Mensagens [7] destas abundam, mas será a situação realmente tão binária e a Espanha tão uniforme? A julgar pela popularidade de um post que uma mulher escreveu no Facebook sobre o que é ser espanhol, a resposta é não.

Numa missiva que se tornou viral, Laura Moreno de Lara descreve uma Espanha que não só celebra as diversas culturas, costumes e línguas existentes, mas que também se define por essa diversidade. Um país não de desprezo e violência, mas de solidariedade e amor.

O post dela foi publicado [8]originalmente a 2 de outubro e daí foi amplamente difundida no WhatsApp. Parece que ressoou profundamente com as pessoas de toda a Espanha atraindo até agora mais de 324.000 gostos e 37,000 comentários.

Moreno de Lara disse [9] ao site de notícias Verne que queria “humanizar” o conceito de ser espanhola depois de tanta gente falar sobre identidade numa perspectiva política. Segue-se a tradução da sua mensagem com anotações para quem não está familiarizado com a Espanha.

No cariño, tú no eres español. Ser español no es llevar la bandera, ni gritar como un berraco frases de odio que espero que no sientas. Tampoco lo es ponerse una pulserita en la muñeca, ni cantar el cara al sol. El concepto de ser español es algo totalmente distinto, o al menos lo debería ser, porque a estas alturas de la historia yo ya no sé qué decirte.

Como española que soy, te voy a contar lo que para mí es ser español:

Ser español es arder cuando arde Doñana o temblar cuando tembló Lorca; es sentarte a escuchar historias de meigas en Galicia y llegar a creértelas; es ir a Valencia y no sentir rabia por leer un cartel en valenciano, sino que te agrade poder llegar a entenderlo y es presumir de que las Canarias nada tienen que envidiarle al Caribe.

Sentirse español es sufrir por no haber podido vivir la movida madrileña, enamorarte del mar al oír Mediterráneo de Serrat, es pedirle borracha a tu amiga catalana que te enseñe a bailar sardanas, querer ir a Albacete para comprobar si su feria es mejor que la de Málaga y sorprenderte al ver lo bonita que es Ceuta.

Para mí ser español es presumir de que en Andalucía tenemos playa, nieve y desierto; sentir casi mérito mío que un alicantino esté tan cerca de un Nobel, pedirle a un asturiano que me enseñe a escanciar la sidra y morirme de amor viendo las playas del País Vasco en Juego de Tronos.

También es española la cervecita de las 13.00, el orujo gallego, la siesta, el calimotxo, la paella, la tarta de Santiago, las croquetas de tu abuela y la tortilla de patatas. Lo son las ganas de mostrarle lo mejor de tu ciudad al que viene de fuera y que tú le preguntes por la suya; es hacerte amiga de un vasco y pedirle que te enseñe los números en euskera, por si pronto vuelves a por 2 ó 3 pintxos; es enorgullecerte de ser el país ejemplo a nivel mundial en trasplantes, de formar parte de la tierra de las mil culturas y de ser los del buen humor.

No hay nada más español que se te pongan los vellos de punta con una saeta o con una copla bien cantá, atardecer en las playas de Cádiz, descubrir casi sin querer calas paradisiacas en Mallorca, hacer el camino de Santiago en septiembre maldiciendo el frío o que Salamanca y Segovia te enseñen que no hay que ser grande para ser preciosa.

Así que, acho, picha, miarma, perla, tronco, tete, mi niño… eso es ser español, lo otro es política. Pero si de política quieres impregnar este concepto, también te vuelvo a decir que te equivocas: porque ser español no es desear que le partan la cara a nadie, es sufrir la situación de paro de tu vecino o el desahucio que has visto en la tele; ser español no es oprimir el SÍ o el NO de toda una comunidad autónoma, es indignarte cuando nos llaman gilipollas con cada nuevo caso de corrupción; ser un buen español es querer que en tu país no haya pobreza, ni incultura, ni enfermos atendidos en pasillos del hospital y, joder, querer quedarte aquí para trabajar y aportar todo lo que, durante tanto tiempo, precisamente aquí has aprendido.

Eso es ser español, o al menos, eso espero.

Não querido, não és espanhol. Ser espanhol não é carregar a bandeira, nem gritar furiosamente frases de ódio que espero que não sintas. Nem usar uma pulseira, nem cantar ‘El Cara al Sol’ [10] [hino fascista]. O conceito de ser espanhol é algo totalmente diferente, ou pelo menos deveria ser, porque a esta altura da história não sei o que te dizer mais.

Sendo a mulher espanhola que sou, vou-te dizer o que para mim significar ser espanhol:

Ser espanhol é queimar por dentro quando a Doñana [Parque Nacional] está a arder [incêndios florestais [11]] ou tremer quando Lorca tremeu [no terramoto de 2011 [12]]; é ficar sentado a ouvir histórias de meigas [bruxas] na Galiza [13] e começar a acreditar nelas; é ir a Valência [14] e não sentir raiva ao ler um sinal em valenciano [15], mas gratidão por seres capaz de compreendê-lo; e gabares-te que as Ilhas Canárias [16] não perdem em nada para as Caraíbas.

Sentir-se espanhol é sentir angústia por não ter vivido o Movida Madrileña [17] [movimento contracultural], é apaixonar-se pelo mar ao ouvir a música “Mediterraneo [18]” de [cantor e compositor Joan Manuel] Serrat [19], é pedir de modo embriagado ao teu amigo catalão que te ensine a dançar a sardana [20], é querer ir a Albacete [21] ver se o festival local deles é melhor que em Málaga [22], e é ser surpreso pela beleza de Ceuta [23] [parte do enclave espanhol, localizada no norte de África].

Para mim, ser-se espanhol, é gabar-me que em Andaluzia [24] temos praias, neve e deserto; sentir quase como meu o facto de uma pessoa de Alicante estar tão perto [25] de receber o prémio Nobel; pedir a um asturiano [26] que me mostre como servir sidra [27]; e morrer de amores ao ver as praias do País Basco no Game of Thrones [28].

O que também é espanhol é a cerveja à uma da manhã [29], o orujo [30] galego [liquor], a sesta [31], o calimotxo [32] [uma mistura de vinho tinho e coca-cola, popular no País Basco], a paella [33], a tarta de Santiago [34], os croquetes da tua avó e a omelete de batata [35]. O que é espanhol é a vontade de mostrar o que de melhor há na tua cidade àqueles que vêm de outro lugar e perguntar-lhes sobre a deles; é fazermos amizade com uma pessoa Basca e pedir-lhes que nos ensine os números em euskera [36] [língua basca], para o caso de voltares para 2 ou 3 pintxos [37] [pequenos snacks oferecidos em bares]; é sentir orgulho por ser o país que lidera o mundo no transplante de orgãos [38], por ser uma terra de milhares de culturas, e por ser considerada bem-humorada.

Não há nada mais espanhol do que ficar com pele de galinha a ouvir uma saeta [39] ou copla [40] bem cantada, ficar nas praias de Cádis [41] até escurecer, descobrir quase sem querer as enseadas idílicas de Maiorca, [42] fazer o Caminho de Santiago [43] [peregrinação] em setembro e amaldiçoar o frio, ou ter as cidades de Salamanca [44] e Segovia [45] a mostrarem que não é preciso ser grande para ser bela.

Por isso, meu acho, picha, miarma, perla, tronco, tete [vários termos regionais de carinho], meu filho… Isso é que é ser-se espanhol, o resto é política. Mas se quiseres colocar política neste conceito, digo-te mais uma vez que estás enganado: porque ser-se espanhol não é querer esmurrar a cara de alguém, é sentir a dor do teu vizinho desempregado [46]ou o despejo [47] que viste na televisão; ser-se espanhol é não pressionar o SIM ou o NÃO numa comunidade completamente autónoma, é ficar indignado quando eles nos tratam como idiotas a cada novo caso de corrupção [48]; ser um bom espanhol é querer um país livre de pobreza [49] e ignorância [50], onde nenhuma pessoa doente tenha que ser atendida nos corredores dos hospitais [51] e, bolas, é querer ficar aqui para trabalhar [52] e devolver o que tudo o que aprendeste neste mesmo lugar durante tanto tempo.

Isso é o que é ser-se espanhol, ou pelo menos o que eu espero que seja.