Durante séculos, as tatuagens fizeram parte integral da vida da população indígena tharu, que habita as planícies do sul do Nepal. Agora que os tharu enfrentam a modernização, a prática está perdendo sua importância para as gerações mais jovens.
As mulheres do povo tharu têm tatuagens nos braços, nas pernas e no peito como uma prática de beleza. As tatuagens, que recebem o nome de khodna e godna em tharu, são inspiradas na natureza. Os motivos mais comuns são linhas, pontos, cruzes e outros elementos naturais diversos.
Os nomes dos desenhos lembram os elementos da natureza que os inspiram: badam butta (arbusto de nogueira), suruj ke daali (raios de sol), thakari mutha (vários materiais para se pentear), supari ke gachh (palmeira-areca) e majur (pavão), entre outros.
Vi esta bela mulher que caminhava ao longo da dagar (estrada do vilarejo). Eu a parei e elogiei sua tatuagem. Ela me agradeceu e eu pedi uma foto. Ela concordou e eu tirei a foto. Este tipo de tatuagem, khodaha e godana, é encontrada na comunidade tharu ocidental. Mas eu esqueci de perguntar o nome dos padrões usados. Eu chamei de pontos negros na lua, depois do meu erro.
Hoje fui a Dumariya, no distrito de Sunsari (Município de Ramdhuni). Conheci algumas belas mulheres tharu. Pedi a colaboração delas para tirar fotos de suas tatuagens. Aqui, as tatuagens recebem o nome de khodaha ou godana. Na foto, este padrão de khodaha se chama suruj kedaali (sol nascente)!
Tradicionalmente, as jovens podiam decidir usar as tatuagens como se fossem joias permanentes, enquanto as mulheres casadas tinham que usá-las por obrigação nas pernas e deviam fazê-las antes de se casar no mês de março, a temporada de casamentos (os meses de Falgun-Chaitra no calendário vikram sambat). Porém, hoje em dia, nem as mulheres casadas e nem as jovens querem fazer tatuagens.
Em um artigo publicado em 1975 intitulado ‘Tatooing Among the Tharus of Dang Deokhuri, Far Western Nepal’ (A arte das tatuagens no povo tharu de Dang Deokhuri, no distante oeste do Nepal), o investigador D. P. Rajaure captura a essência da estética da arte da tatuagem tharu:
The main reason for tattooing among these Tharus is aesthetic. According to them, young and unmarried girls do not need and hence do not have to decorate themselves by tattooing because their bright and colourful cholyas (a kind of blouse with its opening in the back) are beautiful and decorative; but a married woman has to get herself tattooed to compensate for the lack of beauty or decoration brought about by donning jhulwa or dainaha jhulwa, a kind of ladies’ shirt with full sleeves, double-breasted and opening in the front.
The tattoos on the lower part of the legs generally represent sitha (stick and straw), chulha (stove) and phunna (hanging motifs), whereas tattoos on the middle part represent majur (peacock) and sithas in between and tattoos on the top part of the legs represent a single peacock in the centre and some phunna or other motifs on three sides of it, making a frame for a single peacock at the centre.
A principal razão para se tatuar na comunidade tharu é estética. Eles consideram que as jovens e as mulheres solteiras não precisam e, portanto, não decoram o corpo com tatuagens porque as cholyas (uma espécie de blusa aberta nas costas) vivas e coloridas são belas e decorativas. Contudo, uma mulher casada precisa se tatuar para compensar a falta de beleza ou então se valer de elementos decorativos como usar a jhulwa ou dainaha jhulwa, um tipo de camisa feminina de mangas compridas, com duplo pregueado no peito e abertura na parte frontal.
As tatuagens na parte inferior das pernas representam, em geral, itha (lenha ou palha), chulha (fogão) e phunna (motivos pendentes), os desenhos no meio da perna representam o majur (pavão). Os sithas ficam entre os dois e as tatuagens na parte superior das pernas representam um único pavão real no centro e alguns phunna ou outros desenhos nos três lados da perna, que emolduram o pavão principal no centro.
A prática tradicional da tatuagem era dolorosa e truculenta. Os tikaniya (nome dado aos tatuadores tharu) usavam agulhas e tinta preta natural obtida da fuligem de uma lamparina de óleo de mostarda. O processo era lento e muitas vezes causava desmaios nas mulheres. O artista esfregava excremento de vaca na parte do corpo que ia ser tatuada e depois limpava a área com água. Uma vez seca, aplicava azeite de mostarda para suavizar a superfície da pele. O tikaniya marcava o desenho e furava a pele com as agulhas.
Uma anciã tharu de Chitwan, no Nepal, lembra quando fez suas tatuagens:
Antigamente, quando as mulheres da minha idade eram crianças, um homem da Índia vinha para fazer as tatuagens no corpo. Enquanto furavam minha amiga, eu podia ver as lágrimas escorrendo dos seus olhos pela dor e recordo o medo que me inundava porque eu era a próxima. Naquela noite não consegui dormir. No dia seguinte, perguntei a minha mãe porque eu tinha que me tatuar. Ela me respondeu: ‘Quem vai se casar com uma menina sem tatuagens? Ninguém vai se casar contigo se não tiver tatuagens’. Nunca compreendi. Com o tempo, aprendi também que em nossa cultura as tatuagens eram uma forma de adoração à natureza. Não levamos nada conosco quando morremos, mas eu vou levar essas tatuagens. É um presente desta vida e da natureza que posso levar para o além.
Mas além do aspecto estético, outra razão crucial para que as mulheres da comunidade tharu se tatuassem era para não chamar atenção da realeza do Nepal, que odiava as tatuagens, pois associava com o povo tribal e indígena. As tatuagens evitavam que os nobres raptassem as mulheres e as mantivessem cativas como escravas sexuais.
Está vendo as tatuagens no tronco e nos braços desta mulher? Kanni Devi Tharuni de Saptari disse: ‘Era a forma mais barata de se enfeitar com joias permanentes’. Os tharu das planícies do sul do Nepal tinham uma rica cultura de tatuagem. Porém, com a modernização, a prática está acabando. Na verdade, as jovens não se tatuam mais. Antigamente, tatuar-se era uma obrigação para as mulheres casadas. Ela diz: ‘Esta tatuagem vai comigo quando eu morrer’.
Apesar da rica história das tatuagens, as jovens não se tatuam. Já não se encontram tikaniyas com experiência nos povoados e as gerações mais jovens não têm intenção de recuperar a tradição ancestral.
Por outro lado, com as tatuagens cada vez mais na moda e com tecnologias mais seguras, rápidas e sensíveis, existe uma tendência atual de documentar e publicar on-line desenhos de tatuagens de mulheres idosas tharu, o que despertou um interesse renovado nas formas artísticas desta tradição.
Travelin’ Mick, jornalista e fotógrafo, que tem muitas tatuagens, viajou e documentou durante os últimos 15 anos as últimas culturas de tatuagem que ainda existem no mundo, entre elas das comunidades do Nepal. A seguir alguns desenhos tradicionais de tatuagens que podem sobreviver apenas na memória se a arte da tatuagem tharu se extinguir:
Um tradicional desenho intrincado e complexo nas pernas e braços desta mulher tharu de Chitwan, no Nepal. A maioria dos desenhos representa pavões, fardos de cereais e outras imagens da natureza e da agricultura
As tatuagens fazem parte do estilo de vida tradicional da comunidade tharu do sul do Nepal; esta tradição está desaparecendo lentamente.
A vida nos povoados da comunidade tharu no sul do Nepal não mudou muito. O que mais muda é que a cada ano vejo menos mulheres usando mangas compridas…
Estudo de tatuagens de mulher tharu do sul do Nepal. Estes desenhos tradicionais foram copiados por centenas de anos e ainda são atraentes.
Poucas pessoas que não pertencem à comunidade tiveram o privilégio de ver os misteriosos desenhos de pavão nas costas das mulheres tharu do Nepal. Em geral, essas tatuagens mágicas ficam cobertas…
As tatuagens tradicionais da comunidade tharu do Nepal são consideradas muito contemporâneas hoje em dia…
Uma avó tharu. Neste grupo étnico na região Terai do Nepal, muitas gerações vivem juntas sob o mesmo teto em uma casa comunal.
Talvez, à medida que as jovens tharu retomem a arte da tatuagem através das redes sociais e incorporem novas cores, desenhos e padrões inspirados pelos desenhos tradicionais, possa se reviver a chama desta tradição ancestral.
Uma versão desta história foi publicada na revista ECS.