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Com a onda crescente de extremismo na Síria, a liberdade das mulheres está comprometida

Categorias: Oriente Médio e Norte da África, Síria, Censorship, Direitos Humanos, Guerra & Conflito, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero, Política

A primeira foto, amplamente divulgada, compartilhada por um soldado do Hezbollah, diz: “De Juroud Arsal, saudações a todas as mulheres que não usam a própria foto em seu perfil do Facebook. Hezbollah.” Fonte: Diana Moukalled [1].

No início de setembro de 2017, um pedaço de papel com uma mensagem contundente direcionada às mulheres, mostrada por um grupo de recrutas do Hezbollah em Juroud Arsal, no Líbano oriental, viralizou.

A mensagem, que celebra “todas as mulheres que não usam a própria foto no perfil do Facebook”, surgiu enquanto enfrentamentos aconteciam entre o Hezbollah, a milícia xiita, apoiada pelo Irã, e a Frente al-Nusra síria (oficialmente uma ex-afiliada da Al Qaeda) na área que se estende na fronteira síria e libanesa.

Isso aconteceu logo após um vídeo, amplamente divulgado, de Sami Khadra, um renomado clérigo libanês xiita, pedir às mulheres que substituíssem fotos no Facebook, consideradas inapropriadas e profanas, por imagens de “árvores” e versos do Alcorão.

O vídeo foi atacado por usuários das mídias sociais e por ativistas dos direitos das mulheres, deflagrando uma enxurrada de comentários sarcásticos, mas também de apoio.

Uma mulher retrucou, “Coloca você uma árvore”, enquanto outra postou uma selfie ao lado de árvores, dizendo: “Eu tentei achar uma foto com muitas árvores”. Um homem, contudo, declarou que as palavras do clérigo “são belas e representam o autêntico pensamento islâmico”.

Badia Hani Fahs, redatora do jornal libanês An-nahar e filha do renomado clérigo xiita anti-Hezbollah Hani Fahs, já falecido, atacou em uma postagem do Facebook os comentários de Sami Khadra:

Use a tree instead of your photo…A piece of wood, a table…Use an image of a monkey, a female dog or a jennet [female donkey]…May Allah curse their empty turbans!

Usar uma árvore em vez de sua foto…Uma tábua, uma mesa…Usar a imagem de um macaco, de uma cadela ou de uma mula…Que Alá amaldiçoe seus turbantes ocos!

A jornalista e cineasta libanesa Diana Moukalled zombou da foto dos recrutas do Hezbollah em um tweet, brincando com a alegação de que eles libertam as mulheres dos “takfiri” (infiel em árabe) enquanto imitam a mesma conduta.

De Juroud Arsal um chamado para mulheres não postarem suas fotos no Facebook…[É ridículo] que são as mesmas pessoas que alegam estar salvando a nós, mulheres, dos takfiris, peguem mulheres como sabaya (mulheres capturas durante a guerra).

Combatentes no calor de uma batalha feroz com tempo para pensar no comportamento das mulheres nas mídias sociais parece bastante implausível e irônico a ponto de críticos fazerem comparações com o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (EI) e outros grupos extremistas. Muitos outros escarnecem da aliança do grupo xiita com o regime sírio, que há tempos se gaba de sua secularidade.

Controle das mulheres com mensagens direcionadas

Na província de Idlib, uma placa pintada diz “A mulher é ‘Awra'” surgiu em 2015.

“Awra” refere-se às partes do corpo da mulher que devem ser cobertas de acordo com a lei islâmica. A placa, produzida por um grupo afiliado à Frente al-Nusra, afirma que todo o corpo da mulher deve ser coberto. Raseef22 traduziu [4] como “Mulheres devem ser totalmente cobertas”.

“A mulher é Awra” seguido por “Missão Religiosa e Fundação de Idlib”. Fonte: Raseef22 [4].

Tanto o EI como o al-Nusra impõem códigos de vestimenta austeros para mulheres com base em uma rígida interpretação da Lei da Sharia. Proponentes afirmam que o código tem a intenção de “proteger” as mulheres como “joias” e “pérolas ocultas”.

Esta afirmação, contudo, é considerada uma clara violação aos direitos humanos por todas as principais organizações de direitos humanos, bem como ao Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Em junho de 2017, o jornal independente sírio Enab Baladi comentou [5]:

Despite the spread of a large number of civil society organizations dedicated to supporting the role of women and bolstering their participation and position in society in opposition areas, women's role in the Syrian workplace has not registered a notable advance, but has actually seen a relative decline.

Apesar da propagação do número de organizações de sociedades civis dedicadas a apoiar o papel da mulher e reforçar sua participação e posição na sociedade em áreas de oposição, o papel da mulher no mercado de trabalho sírio ainda não registrou um avanço significativo e, na verdade, constatou-se um relativo declínio.

Grupos como o Hezbollah, a al-Nusra e o EI, todos protagonistas da atual guerra síria, sempre promoveram de modo consistente uma visão discriminatória das mulheres. Esses grupos promovem políticas que ameaçam as mulheres como seres inferiores e restringem seus direitos básicos, incluindo liberdade de ir e vir, vestimenta e uso de mídias sociais.

O não cumprimento de tais regras traz graves consequências [6], entre as quais, a mais amena é a humilhação social e religiosa e, as mais severas, compostas de chicotadas e multas.

Ativistas dos direitos das mulheres lutam para continuar esperançosos

Em 2015, vídeos impressionantes mostraram mulheres sírias rasgando vestimentas islâmicas após escapar da perseguição do EI, uma demonstração pública de êxtase que chamou a atenção do mundo.

Enquanto muitas mulheres sírias comemoraram a liberação das áreas controladas pelo EI, o surgimento de novas mensagens direcionadas a elas espalham pessimismo entre mulheres e ativistas dos direitos humanos preocupados com o futuro sob o controle de qualquer um desses grupos em guerra.

Há cinco anos, quatro mulheres sírias, vestidas de noiva, realizaram uma marcha pacífica [7] no centro de Damasco para exigir liberdades mais amplas e o fim das operações militares. Porém, ainda hoje, muitas mulheres sírias continuam enfrentando as autoridades para garantir seus direitos humanos mais básicos.

Como Liesl Gerntholtz, diretora dos direitos das mulheres do Human Rights Watch analisou [8]:

Extremist groups like ISIS and al-Nusra are undermining the freedoms that Syria’s women and girls enjoyed, which were a longtime strength of Syrian society. […] What kind of victory do these groups promise for women and girls who are watching their rights slip away.

Grupos extremistas como o EI e a al-Nusra estão destruindo a liberdade que mulheres e meninas sírias tinham e que, durante muito tempo, foi um forte pilar da sociedade síria. […] Que tipo de vitória esses grupos prometem a mulheres e meninas que veem seus direitos serem usurpados.

Qualquer esperança despertada pelos primeiros protestos pró-democracia desapareceu, tornando difícil melhorar a situação para as mulheres sírias. Partidos políticos cujas pautas negligenciam os direitos das mulheres assumiram o controle de um futuro indefinido.