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Tradutor macedônio de “Moby-Dick” Ognen Čemerski, 42, foi um linguista meticuloso e educador dedicado

Categorias: América do Norte, Europa Oriental e Central, Estados Unidos, Macedônia, Arte e Cultura, Língua, Literatura, Mídia Cidadã
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Ognen Čemerski com sua amiga Jasna Koteska durante a marcha estudantil, em 14 de novembro de 2014. Imagem de Vančo Džambaski, CC BY-NC-SA.

A morte do linguista Ognen Čemerski em 25 de agosto, no seu auge aos 42 anos, por conta de um câncer, chocou o público macedônio. Primeiro seus amigos, e então um círculo mais amplo de colegas e admiradores de seu trabalho expressaram pelo Facebook seu pesar e relembraram sua frutífera carreira como tradutor e acadêmico.

Čemerski atuou como professor universitário na Universidade São Cirilo e Metódio de Skopje, na Faculdade de Filologia “Blaze Koneski”, e se destacou como um dos fundadores do Professors’ Plenum [2] [um grupo que defende mudanças no sistema educacional da Macedônia], o qual apoiou abertamente os protestos estudantis de 2014 e 2015 [3].

Como tradutor, Čemerski deixou um legado cultural permanente ao apresentar uma nova tradução do romance clássico norte-americano “Moby-Dick” [4] de Herman Melville, e a maioria dos meios de comunicação salientaram esse fato em seus obituários [5].

Os desafios de traduzir um romance marítimo para uma língua “cercada de terra”

Čemerski passou aproximadamente 12 anos trabalhando na tradução de “Moby-Dick”, um projeto iniciado durante seu curso de graduação na Universidade Graceland [6] em Iowa, EUA. Ele o conduziu como uma empreitada científica e o utilizou como base da sua tese de mestrado em Linguística.

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“Moby-Dick ou a baleia” de Herman Melville, traduzido para o macedônio por Ognen Čemerski. Imagem de GV, CC-BY.

Esta não foi a primeira tradução de “Moby-Dick” para o macedônio. Houve uma edição publicada nos anos 1980, traduzida do servo-croata, a qual não provocou um impacto duradouro.

O principal problema ao traduzir um livro de 1851 sobre navegação a vela e caça a baleias [8] era que o idioma macedônio não possuía terminologia marítima. A maioria da população étnica da Macedônia tem vivido cercada de terra [9] durante os últimos séculos, tendo pouco contato com o mar em geral e com a navegação em particular. Para superar esse obstáculo, Čemerski teve que reconstruir o vocabulário, primeiro descobrindo as origens dos termos em inglês, e então traçando seus equivalentes em macedônio e outras línguas eslavas.

Como ele assinalou em um podcast publicado pela equipe da Universidade Graceland em 2016, Čemerski também teve que desconstruir as nuances da língua inglesa usadas por Melville. Isso incluiu influências de autores anteriores como Shakespeare e Milton, e o uso de dialetos dos Quakers [10], um grupo religioso que administrava a indústria náutica, pois soavam arcaicos até mesmo para leitores americanos da metade do século 19. Ao lidar com referências literárias, ele contou com traduções de obras clássicas do inglês por outros tradutores macedônios e com a linguagem arcaica encontrada tanto em escritos de autores macedônios preservados do mesmo período quanto com a literatura religiosa escrita em antigo eslavo eclesiástico. [11]

De longe o maior desafio encarado por Čemerski foi a falta de vocabulário em macedônio para termos cotidianos usados por velejadores americanos para designar partes dos navios, que já haviam se tornado palavras triviais na língua inglesa. Ao pesquisar as origens destas palavras, ele pôde encontrar palavras equivalentes em macedônio usadas por diversos artesãos, de carpinteiros a pedreiros e fazendeiros, já que toda terminologia usada na navegação teve origem em terra.

Fishing boat from Ohrid, Macedonia, museum reconstruction. [12]

Reconstrução de um tradicional barco a remo para pesca, utilizado por pescadores no Lago Ohrid até o início do século XX, no Ohrid Lapidarium Museum. Imagem de GV, CC-BY.

Ele também investigou jargões de pescadores com origem nos dialetos usados por macedônios que viviam acerca dos três grandes lagos do país (Ohrid [13], Prespa [14] e Dojran [15]). Historicamente, estas pessoas utilizaram diversos tipos de barcos a remo para seus negócios, e sua terminologia poderia ser transposta para os componentes de barcos à vela. Além disso, Čemerski comparou o desenvolvimento da terminologia marítima em outras línguas eslavas, em particular aquelas utilizadas ao longo da costa do Mar Adriático.

O principal periódico macedônio especializado em literatura e artes, o Blesok | Shine [16], publicou uma amostra do capítulo 9 em 2012. Antes da tradução ser publicada, usuários macedônios do Twitter aguardavam ansiosamente por ela, devido à reputação de Čemerski. Por exemplo, neste tópico de 2013 [17] foi debatido como ele conversara com pescadores de Ohrid para encontrar os termos mais apropriados.

Seus esforços foram compensados, já que a tradução resultante ecoa o período em que “Moby-Dick” foi publicado pela primeira vez.

Um homem que defendia o que acreditava estar certo

Čemerski não se considerava um ativista, embora como professor ele tenha participado de atividades exigindo reformas, tais como a restauração de liberdades acadêmicas e a autonomia das universidades. Nas mídias sociais, ele discutia questões que afetavam cidadãos comuns em uma época de fortes tensões no país.

Em 19 de maio de 2015, durante o período de intensos protestos anticorrupção que occorreram próximos à sua casa, ele relatou uma experiência [18] que serve como testemunho do impacto de viver em um país cuja coesão social foi perigosamente danificada por anos de propaganda populista e por um governo com tendências totalitárias:

Вчера, во маало, еден припит комшија, кого го познавам уште од кога бев дете, се обиде да ме денунцира пред специјалци што си купуваа сладолед во маалската пилјара. Не реагираа ама баш ич, но се згрозив кога видов како сосед може да покаже со прст кон тебе и да лаже, во очи да те гледа и да лаже дека си тепал полиција, дека си зборувал на бина, па уште и да вика до небо баш додека полицајците се мачат да се решат кој сладолед да го изберат од богатиот асортиман. Вака, од дистанца, неговиот испад е комично нарушување на слатките изборни маки на полицајците и на мојот мир, ама страшно е кога ќе видиш дека, ако затреба, има комшии што би ти пресудиле со лага. Никаков мирен разговор не помага кога ќе им се вкрват очите.

Ontem, um vizinho um tanto embriagado, o qual eu conheço desde criança, tentou me denunciar para policiais de choque que estavam comprando sorvete na nossa mercearia local. Eles não reagiram, mas fiquei horrorizado em ver que um vizinho poderia apontar um dedo para você e mentir, que seu próprio vizinho poderia olhar nos seus olhos e mentir, dizendo que você agrediu a polícia, que você fez um discurso no palanque, e foi terrível vê-lo rasgar os céus com gritos enquanto a polícia se esforçava para decidir que sorvete escolher da ampla variedade oferecida. Agora, em retrospecto, seu surto parece apenas uma perturbação cômica dos doces trabalhos do processo de seleção dos policiais e da minha paz, mas é aterrorizante saber que, caso seja necessário, há vizinhos que ficariam felizes em mentir a fim de que você seja condenado. Não há raciocínio calmo que ajude quando eles tiverem sangue nos olhos.

Em 2016, Čemerski se juntou aos protestos contra a decisão do presidente em conceder anistia a suspeitos de corrupção de alto nível [19]. Ele publicou um pedido aberto endereçado ao Presidente Gjorge Ivanov para que ele parasse de usar um salão adornado com mosaicos monumentais feitos pelo pai de Čemerski [20], o renomado pintor Gligor Čemerski (1940-2016), porque ele “cuspiu nos valores que eles representam”.

Ao longo de sua vida, Čemerski buscou inspiração e promoveu os legados de diversas lutas por liberdade no passado, tanto locais quanto globais, em particular o movimento antifascista na Segunda Guerra Mundial. Por exemplo, o cartaz em seu peito retratado na fotografia no topo desta publicação faz referência às últimas palavras de um professor durante o massacre de Kragujevac [21] em 1941, enquanto sua pose faz referência ao movimento icônico do herói iugoslavo Stjepan Filipović [22]. Ele canalizou algumas de suas preocupações através de artigos espirituosos sobre o processo de tradução [23] e a interação entre linguagem e sociedade [24].

Čemerski deixa esposa e dois filhos.