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Dicionário pode evitar extinção de idioma no Nepal falado por apenas duas pessoas

Categorias: Sul da Ásia, Nepal, Etnia e Raça, Indígenas, Língua, Mídia Cidadã

Gyani Maiya Sen é uma das duas falantes fluentes do idioma Kusunda. Imagem capturada do vídeo feito por Felix Gaedtke.

O kusunda, um dos vários idiomas em iminente extinção no Nepal, ganhou fôlego graças a um livro-dicionário recém-lançado [1] sobre essa língua falada fluentemente por apenas duas pessoas. As origens desse idioma isolado [2], que não possui nenhuma relação evidente com qualquer outro no mundo, continuam sendo motivo de perplexidade para os linguistas [3].

Foram necessários cinco anos para compilar o material necessário para o dicionário de kusunda.

Embora o Censo de 2011 [6] aponte que a população Kusunda no Nepal chegue a 273 pessoas, 28 tendo o kusunda como idioma nativo, pesquisas de campo sugerem que há na verdade apenas 150 Kusundas e que destes, apenas dois são fluentes no idioma.

Kusunda é uma língua falada sem qualquer sistema de escrita, registro textual, documentos ou livros relacionados. Os Kusundas ainda vivos estão dispersos pelo país e não têm a oportunidade de praticar a língua materna. Tiveram que assimilar novas formas de vida e práticas culturais dos lugares onde agora vivem. Consequentemente, os Kusundas não falam a língua materna nem em casa.

De acordo com o autor do dicionário, Uday Raj Aale, os únicos falantes fluentes vivos são Gyani Maiya Sen Kusunda, 81 anos, de Deukhuri, em Dang, e Kamala Sen Khatri, 48 anos, de Rolpa. Atualmente, há Kusundas morando nos distritos de Kapilvastu, Arghakhanchi, Pyuthan, Rolpa, Dang, e Surkhet.

Capa do livro sobre os Kusundas, publicada aqui com autorização do autor.

Os Kusundas [7], conhecidos como Ban Raja (Reis da Floresta), eram caçadores nômades e viviam nas florestas das regiões central e do meio-oeste do Nepal até poucas décadas atrás. Seus estilos de vida, padrões de habitação e idioma único e diferente sugerem que eles habitam o Nepal desde tempos remotos.

Os Kusundas referem-se a si mesmos como “Reis da Floresta”, que em seu idioma se traduz como Gilangdei Myahak, e reivindicam relação e status equivalentes as do clã Thakuris [8], casta dominante no Nepal. De acordo com os Kusundas, os Thakuris são os reis das terras cultivadas, enquanto eles têm o domínio das terras arborizadas [9]. Kusundas costumam adotar sobrenomes Thakuri, como Shahi, Sen e Khan.

O livro aborda a história, o idioma, a cultura e as tradições dos Kusundas e lista mais de 2,5 mil palavras do idioma. Entretanto, Aaley não é o único estudioso dos Kusundas [10]. Brian Houghton Hodgson, Johan Reinhard, David Watters, B.K. Rana [11] e Madhav Prasad Pokharel [12] estão entre os acadêmicos que vêm trabalhando para lançar luz sobre essa língua misteriosa.

O vídeo [13] abaixo, feito por Felix Gaedtke e Gayatri Parameswaran, traz entrevistas com Gyani Maiya Sen, seu filho e o professor Pokharel, do Departamento Central de Linguística da Universidade de Tribhuvan.

As eleições deste ano trouxeram boas notícias para os Kusundas. O fundador da Sociedade de Desenvolvimento Kusunda Nepal, Dhan Bahadur Kusunda [14], foi eleito representante do comitê executivo da municipalidade de Ghorahi, a sétima maior cidade do Nepal, dentro da cota para comunidades marginalizadas.

Embora o idioma kusunda esteja efetivamente à beira da extinção, a representação dos Kusundas no governo local e esforços como o dicionário Kusunda contribuirão para preservar a cultura e a tradição kusunda, bem como sua língua.