Um desafio para os pais que criam filhos em momentos de agitação social e política é como falar com eles sobre problemas que afetam a sociedade e possivelmente suas vidas, sem sobrecarregá-los com responsabilidades de gente grande. O isolamento proposto por Roberto Benigni em sua comédia de humor negro, Life is Beautiful (A Vida é Bela), pode ser uma saída. Outra é educá-los usando conteúdos que eles possam entender. Aqui estão vários clássicos animados que podem ser úteis, especialmente se acompanhados por conversas; antes e depois.
Ascensão e queda do fascismo: Rei Smurf
Em “Rei Smurf”, os Smurfs discutem sobre quem deve estar no comando durante a ausência de papai Smurf. Um deles assume o poder, e, através de lisonjas e promessas vazias, estabelece um regime autoritário. Como resultado, em vez de cuidar de problemas reais (a barragem com vazamento, por exemplo), os Smurfs são obrigados a construir um grande palácio para o novo líder. O regime ataca a liberdade de expressão, colocando o piadista da turma, Jokey Smurf, na prisão. Um pequeno grupo de Smurfs dissidentes inicia um movimento de resistência antes que alguns deles sejam exilados e a situação chegue a um conflito civil de grandes proporções.
Tal como acontece com outros desenhos animados dos Smurf da década de 1980, este é apenas uma adaptação de um excelente livro de história em quadrinhos dos Smurfs, lançado duas décadas antes. A publicação trata de outros tópicos conhecidos daqueles que acompanham certas campanhas eleitorais recentes.
Ao contrário do desenho animado, em que Smurf Brainy assume o poder, no livro a liderança é de um Smurf sem nome, astuto e populista, que descobre ser possível chegar ao poder falando o que as pessoas querem ouvir.
O vínculo com o fascismo é muito mais explícito na versão holandesa intitulada De Smurführer, ou o Smurf Fuehrer.
Desconfiança, paranoia, vigilância
Autocratas são conhecidos por se cercarem de bajuladores; “Sim, Senhor” que, ao mesmo tempo que os bajulam e enganam quando os fazem pensar que estão se saindo bem em seu papel. Essa “lealdade” tem precedência sobre a competência, e esses líderes, por sua vez, afastam servidores públicos que trazem más notícias que possam afetar sua autoimagem.
Os autocratas também semeiam teorias de conspiração e pânico para permanecer no poder. Como seu governo se baseia, em grande parte, em diferentes tipos de engano, eles desconfiam de todos em torno deles e vigiam tanto adversários políticos quanto correligionários.
Um arquétipo deste tipo de comportamento é o famoso vizir paranoico e cheio de esquemas, Iznogoud, herói homônimo de uma série de quadrinhos francesa que mais tarde se transformou em um desenho animado para a televisão.
Construindo grande, construindo para moldar mentes
Ao longo do tempo, os ditadores ficam tão afastados da realidade, que começam a acreditar em sua própria propaganda. A desconexão entre seus desejos e o mundo real por vezes faz com que eles alterem não só o “software” da sociedade, (controlando a fala e o pensamento), mas também reconfigurem seu “hardware” (implementando políticas que afetam diretamente as pessoas ou que alteram dramaticamente o ambiente físico).
Em “Rei Smurf”, depois que o governante fez seu grande palácio, constrói um muro ao redor da aldeia para separar os indesejáveis dos outros.
Em “Out of Scale” (Fora de Proporção-1951), Donald Duck leva o estereótipo de obsessão autoritária mais além, construindo uma cidade-modelo nova em sua propriedade, montando pequenas casas no gramado e plantando “falsas árvores em lugar de reais”.
Como ele quer o controle completo do território que ele reivindica como seu, tenta expulsar os esquilos autóctones, que moram em uma das árvores da propriedade. Mas os esquilos se mantêm firmes, aguentando os experimentos sociológicos de Donald, a fim de garantir um lugar no mundo “dele”. No final, conseguem recuperar sua árvore de volta. Moral da história? Firme resistência leva à conciliação!
Liberdade de expressão e jornalismo
Na era das notícias falsas e do aprofundamento dos ataques à liberdade de expressão em todo o mundo, o antiquado compromisso com a verdade do editor e jornalista Horace Greeley e “The Daily Star” é estimulante.
Este é um clássico das histórias em quadrinhos, Lucky Luke, publicado em 1983 antes de se tornar um desenho animado.
Mesmo que a história seja fictícia, Greeley se baseou no fundador do New-York Tribune, de mesmo nome, que, ironicamente, teria desempenhado um papel fundamental para fundação do Partido Republicano.
Neste episódio, Greeley publica um artigo sobre as práticas empresariais duvidosas de um grupo de empresários proeminentes e estes reagem com agressividade.
Quando o dinheiro acaba: impostos e ditadores
Ditaduras são geralmente dispendiosas, porque o dinheiro público é gasto em projetos desnecessários e escorre pelo ralo da corrupção “legalizada”.
A menos que estejam respaldadas por muitos recursos naturais (por exemplo, petróleo), as economias não se sustentam. Quando começam a desmoronar, é preciso tomar empréstimos em bancos nacionais, em vez de estrangeiros, e aumentar os impostos e outros pagamentos compulsórios. No final, aparece a atividade criminosa sancionada pelo Estado. Isso pode incluir a prática de atos de violência contra os cidadãos com o objetivo de confiscar os seus bens, a transformação de minorias étnicas e religiosas e os opositores políticos em bodes expiatórios ou o início de guerras de conquista.
Muitas dessas táticas estão presentes no clássico desenho da Disney, Robin Hood (1973), em que o covarde, supersticioso e mimado príncipe John assume o governo e massacra a população com impostos arbitrários e multas. A tributação visa principalmente aos pobres, que são subjugados pelas versões medievais da polícia e do judiciário. Somente os valentes dissidentes Robin Hood e Little John, apoiados por um grupo de seguidores, combatem este governo do medo.
A captura do Estado e a saída
Nos quadrinhos de 1958, Lucky Luke contra Joss Jamon, um grupo de bandidos “democraticamente eleitos” capaz de manipular a mídia consegue dominar uma comunidade e perseguir os defensores dos direitos humanos que ali vivem. Na verdade, o grupo consegue capturar o Estado, fazendo as instituições, inclusive o judiciário, escravas de uma máfia. Os quadrinhos oferecem mais indicações sobre a maneira como essa forma de corrupção política surge – defendendo o engajamento dos cidadãos como solução para resolver o problema -, e o desenho animado também consegue passar a ideia básica.