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Pequenos fazendeiros de Madagascar se dizem forçados por investidores chineses a vender suas terras por valores irrisórios

Categorias: África Subsaariana, China, Madagascar, Desenvolvimento, Economia e Negócios, Governança, Mídia Cidadã, Relações Internacionais

Lago Tsimanampetsotsa, sudoeste de Madagascar. Foto de Frank Vassen de Brussels, Bélgica – CC-BY-2.0

Empresas chinesas estão obrigando agricultores no sudoeste de Madagascar a vender suas terras por míseros 7 ariary (menos de US$ 0,01) por metro quadrado, de acordo com uma matéria da TV Plus de Madagascar [1] dos jornalistas Ivon Mahandrisoa e Angelo Ranaivoarisoa, em 24 de maio de 2017. Um negócio de terra similar no Quênia em 2008 [2] custou cerca de US$ 0,05 por metro quadrado para um total de 40 mil hectares. (Uma fatia de pão branco em Madagascar custa 1.481,85 ariary).

Mais de 12 000 acres já foram adquiridos por investidores chineses, que já se apresentam com a documentação das terras para os fazendeiros assinarem. Os fazendeiros das comunidades rurais de Antanimueva e Befandriana Atsimo sentem como se não tivessem escolha, temendo serem despejados de qualquer maneira e, neste caso, perdendo tanto suas terras como o pouco dinheiro que lhes é oferecido.

Jean Renoavy, um fazendeiro de Antanimieva, disse ao canal de notícias que os investidores adquiriram terras onde o gado costumava pastar e, até agora, três vacas que passavam por essas terras, agora de propriedade chinesa, foram abatidas. Ele ainda afirma que, em alguns casos, os investidores já começaram a explorar essas terras, e as pessoas sentiram não ter escolha senão assinar os papéis e pegar o dinheiro.

As reações on-line à reportagem foram uma misto de resignação e críticas ao governo de Madagascar. O usuário Mirija974 [3] escreveu:

Fanambakana tsotr’izao ‘zany tany namidy 7 Ar/m2 ‘zany. Fa tany tsisy fanjakana intsony angaha i Madagasikara?

Terras sendo vendida por 7 ariary por metro quadrado. Isso é simplesmente um absurdo. Madagascar não é um estado com governo?

A aquisição de terras por estrangeiros não é exclusiva de Madagascar. É cada vez mais comum que países ricos ou corporações internacionais adquiram terras produtivas [4] em países pobres. Os países ricos têm demanda crescente por alimentos e outros produtos, como a borracha, além de terras e recursos naturais limitados, enquanto nos países pobres a produção é barata e esses recursos são abundantes [5]. Com quase nenhuma regulamentação internacional [6] sobre o comércio de terras, as empresas não têm incentivo legal para garantir que seus investimentos e cadeias de suprimentos não envolvam terras tomadas dos seus antigos donos.

A Global Witness, uma organização não governamental internacional engajada em questões como conflitos e corrupção relativos a recursos naturais, tem denunciado apropriações ilegais de terras em países como Libéria [7] e Myanmar [8]. Essas investigações revelaram terras negociadas com documentos forjados e permissões concedidas que violam as leis locais. Relatórios similares foram feitos pela Oxfam em terras açucareiras no Brasil fornecedoras da Coca-Cola e da PepsiCo [9], e também pela Friends of the Earth relatando casos de ugandenses despejados das plantações de dendezeiros da Wilmar International [10].

Há aqueles que defendam esses investimentos em terras como oportunidades mutuamente benéficas argumentando que elas geram um número significativo de empregos para a população rural que vive na pobreza, além de incentivar o desenvolvimento de infraestrutura, escolas e postos de saúde. Os defensores dos direitos de terra alertam para os vínculos entre aquisição de terras, corrupção, destruição ambiental e conflito com o legado de terras apropriadas ilegalmente em comunidades já marginalizadas. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares (IFPRI) [11], em Madagascar, acordos de arrendamento de 1,3 milhões de hectares para o cultivo de milharais e dendezeiros podem ter contribuído para conflitos que levaram ao golpe de Estado de 2009 e às subsequentes crises políticas e econômicas.

Organizações como a Global Witness defendem a implementação de leis internacionais que promovam a transparência nas negociações de terra e protejam os direitos e os meios de subsistência das comunidades locais. Enquanto isso, o IFPRI propõe [11] uma forte ação coletiva de pequenos proprietários, com o apoio da sociedade civil, como uma estratégia promissora na luta por melhorias na política nacional e local em torno da exploração e dos direitos da terra.

Theo Rakotovao, um músico popular nascido nas proximidades de Antanimieva, está entre os cidadãos engajados na conscientização para as questões de direitos de terra. Em entrevista à TV Plus [12], Rakotovao disse que está viajando para comunidades e falando com pessoas que estão sendo despejadas e com quem está facilitando esses despejos. Sua mensagem é simples: iludir os pequenos agricultores é injusto e não deveria ser feito, e todos os malgaxes precisam estar cientes dessa situação.

Um usuário do YouTube chamado manarivo [13] também postou críticas à falta de ações do governo em outro vídeo do mesmo noticiário da TV Plus, também disponível na plataforma:

Aza ny vahiny no homena tsiny na enjehana hanaovana fitsaram-bahoaka, ireo Malagasy ampiasain'izy ireo na mpitondra na iza na iza no ataovy hazalambo. Avy eo dia avereno amin’ny ireo olona tena tompony ny tany. Misaotra an'i Theo Rakotovao amin’ny fijoroana amin’ny marina.

Não culpem nem persigam os estrangeiros pensando em linchamento ou em execuções publicas. São os malgaxes que trabalham para eles ou quem quer que esteja na administração que devem ser perseguidos. Então, devolvam as terras aos seus legítimos donos. Agradecemos ao Theo Rakotovao por defender o que está certo.

A usuária Herinirina Doris Ratovondrahona [14] também se manifestou:

Azo atao ve ny maka ny ampahany amin itony(sp) vaovaontsika itony sy mizara izany ao amin’ny tambazotra sosialy!? Mila mahalala izao fanamparam pahefana ataon’ny sinoa sy ny fanjakana izao ny any antsimo. Ny tambazotra sosialy no afaka izarana izao vaovao izao malaky ho an ireo tsy mahita vaovao.

É possível tirar pedaços dessas notícias e compartilhá-las nas mídias sociais? As pessoas no sul precisam saber sobre os abusos dos chineses e do governo. As mídias sociais são a maneira mais rápida de compartilhar essas informações com aqueles que não assistem a noticiários.

A popular página do Facebook “Malagasy ve ianao”(“Voce é Malgaxe?”) — com mais de 170 000 seguidores — também levantou suspeitas sobre as negociações de 7 ariary por metro quadrado  [15]com um breve relatório de Evah Randrianotahiana.

Os usuários do grupo no Facebook ecoaram frustração e resignação. Um comentário da Nirina Andriatiana [16] resumiu esse sentimento:

Dia tsy hisy azontsika vahoaka madinika atao mihitsy ve hiarovana ny tanintsika e? Mitaraina etsy sy eroa na @haino aman-jery na @n'itony tambanjotra itony fa tsy misy mahasahy mijoro miaro, mila manambatra hery isika hamerenana ny hasin'ny tanintsika ry mpiray tanindrazana fa raha izao ny mitohy dia tsy hay intsony izay hiafarana.

Existe alguma coisa que as pessoas comuns como nós possam fazer para proteger nossa terra? Nos queixamos para […] a mídia ou nas redes sociais, mas ninguém se atreve a esboçar uma reação. Precisamos unir forças para recuperar a dignidade da nação e dos cidadãos, pois se isso continuar, não sabemos mais qual será nosso destino.