Boom imobiliário em Los Angeles ameaça o direito de moradia de imigrantes idosos de baixa renda

Yue Chang Zhou e sua esposa foram intimados a saírem do apartamento de um quarto em Los Angeles depois de o imóvel ter sido vendido no ano passado. O casal vive com poucos recursos e dificilmente encontrariam uma moradia com aluguel acessível na cidade. A espera pelo auxílio moradia a idosos pode demorar vários anos. Crédito: Roberto Guerra/PRI

Esta história escrita por Ruxandra Guidi foi publicada originalmente na página da PRI.org em 15 de maio de 2017. Sua divulgação aqui faz parte da parceria entre PRI e Global Voices.

A alta dos aluguéis é uma realidade em diversas cidades americanas.

O boom tecnológico e a recuperação imobiliária estão transformando as áreas urbanas em várias regiões do país, aumentando o custo de vida e forçando a população de baixa renda a deixar suas residências de longa data. Dentre essas pessoas mais afetadas, muitos são imigrantes idosos, como Ying Ya Yang, de 86 anos, que vive em uma quitinete de apenas 9,2 metros quadrados.

Por 15 anos, ela dormiu, cozinhou e comeu neste único e apertado cômodo. Mas a senhora afirma estar satisfeita com o espaço.

Operária aposentada do setor têxtil na China, Yang vive com US$ 800 que recebe mensalmente do programa federal Renda de Segurança Suplementar [Supplemental Security Income]. O aluguel custa US$350 por mês, e ela sabe que dificilmente encontraria algo mais barato, mesmo ali, em Lincoln Heights, bairro de imigrantes e trabalhadores de baixa renda, próximo ao centro de Los Angeles.

“Sou muito independente e autossuficiente”, conta ela. “Meus filhos me oferecem dinheiro, mas não aceito, gosto de me cuidar sozinha. Gosto daqui, porque é perfeito para mim. Tem ônibus para todo o canto. Quero ficar aqui até o fim dos meus dias”.

Na primavera passada, no entanto, Yang e seus vizinhos, os Zhous, receberam visitantes inesperados: um grupo de advogados, especialistas em administração de compra, venda e locação de imóveis, falando em cantonês. Yue Chang Zhou fica visivelmente contrariado ao explicar a situação.

“Eles vieram aqui e disseram: ‘vocês terão que sair daqui em seis ou sete meses, vamos pagar a vocês o equivalente a seis meses de aluguel e vocês podem ir embora'”.

“Eles”, a quem Zhou se refere, são provavelmente representantes do novo proprietário do edifício. Zhou nunca viu o homem, mas ouviu de vizinhos que já foram embora que o dono dos imóveis tinha novos planos para a propriedade. Os vizinhos mais novos aceitaram os seis meses de aluguel, cerca de US$2,4 mil, e partiram.

Mas nenhum dinheiro fará os Zhous e Yang se mudarem nessa altura da vida. Essa é uma resposta muito comum entre os mais velhos.

“Muitos idosos desejam envelhecer e morrer em suas casas”, afirma Phyllis Chiu, professora aposentada que trabalha como voluntária em bairros de imigrantes, como Lincoln Heights e Chinatown, na organização Chinatown Community for Equitable Development. O grupo é um dos vários da cidade com ativistas comunitários que vão de porta em porta conversar com inquilinos em seus idiomas nativos sobre seus direitos.

Especialista em Lei do Inquilinato, Phyllis Chiu, que também fala cantonês, auxilia inquilinos que enfrentam ações de despejo no centro de Los Angeles. Em sua maioria, as pessoas que Chiu ajuda são imigrantes da terceira idade.
Crédito: Roberto Guerra

“Eles não querem morrer em um hospital, não querem morrer em um asilo. E não querem ter que se mudar”, conta Chiu.

O centro de Los Angeles está prosperando, com novos condomínios e restaurantes. Mas o crescimento está provocando uma alta nos preços nos bairros onde vivem grupos de diferentes etnias, onde imigrantes residem desde as décadas de 1950 e 1960.

De acordo com Chiu, muitas das pessoas que ajuda são americanos de origem asiática, que temem recorrer às ações, especialmente em inglês. Mas sem lutar, eles serão removidos de suas casas.

Steven Wallace, do Centro de Pesquisa de Política Sanitária, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA),  alerta que existem muitos que são frequentemente desalojados. Ele os chama de “os pobres escondidos” — pessoas que têm renda acima do nível de pobreza determinado pelo governo federal norte-americano, porém que não ganham o suficiente para pagar todas as contas no fim do mês.

Somente em Los Angeles, estima-se que haja 200 mil idosos que se enquadram nessa categoria, geralmente latinos, negros e asiáticos, que vivem sozinhos ou apenas com cônjuge.

“Nos anos de 1930, construímos milhões de unidades habitacionais populares com dinheiro público no país. Nos anos de 1960, havia o Section 202 [programa federal habitacional para idosos], que construiu uma porção de edifícios para idosos”, lembra Wallace. “Atualmente, é muito difícil conseguir financiamento, mesmo para uma organização sem fins lucrativos que queira construir moradias populares, casas subsidiadas ou residências para a terceira idade. Algo precisa ser feito”.

A demanda por moradia provavelmente continuará a crescer. Assim como a prática conhecida como “dinheiro por chaves” (“Cash for Keys”), utilizada por proprietários de imóveis, que oferecem dinheiro aos inquilinos para que se retirem antes do prazo que a lei determina.

A quatro quarteirões de onde vivem Yang and the Zhous, um velho edifício está com metade dos apartamentos desocupados. Dentre os poucos inquilinos que ainda resistem há idosos, como José Viramontes, 80 anos. Mexicano, Viramontes vive ali com a companheira há 36 anos.

Há alguns meses, o casal foi procurado pelo novo proprietário, que solicitou que eles deixassem o apartamento. Eles não falam inglês, mas assinaram um documento em que aceitam receber US$1,5 mil cada para desocupar o imóvel.

Mas então um dos ativistas defensores dos direitos dos inquilinos apareceu na porta deles, disposto a ajudar.

“Foi um milagre, o tipo de milagre que nunca imaginávamos que fosse acontecer”, conta Viramontes. “Felizmente, aqui estamos e agora precisamos encontrar um novo apartamento”.

Viramontes conseguiu um advogado voluntário que levará seu caso à Justiça. Eles alegam que a carta de despejo é ilegal e estão reivindicando milhares de dólares para que sejam realocados — até US$20 mil. Mas encontrar outro apartamento não será tarefa fácil. Viramontes é cego, e a companheira, Malena, deficiente física.

“Se não conseguirmos ficar em Los Angeles, nos resta ir para o sul de Tijuana. Porque ficou caro demais aqui”, lamenta Viramontes.

A história de Ruxandra Guidi foi possível graças ao apoio da Fundação Eisner e da Rádio Pública Nacional KCRW.

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