Jovens integrantes da comunidade indígena das Primeiras Nações, no Canadá, estão utilizando o hip-hop para refletir sobre assuntos importantes para sua população, graças a uma série de oficinas educativas ao redor do país.
Desde 2014, líderes do grupo N’we Jinan levam seus estúdios musicais móveis a escolas e clubes juvenis para dar aulas de composição, gravação, produção de audio e vídeo, e performance para grupos jovens.
As oficinas originais foram lideradas por David Hodges, um professor de Montreal, que trabalhou com dez comunidades Cree no norte do Quebec, e depois colaborou com o grupo de hip-hop Cree NorthStars. A ideia começou através de diálogos com plateias jovens sobre diversos assuntos, como “identidade cultural, linguagem, conflitos, amor, autoconhecimento” e qualquer outra coisa que estivesse em suas mentes. Essas ideias foram utilizadas como inspiração para criar músicas e vídeos, contando com os jovens participantes como protagonistas. A popularidade dessas sessões levou o grupo a colaborar com várias comunidades das Primeiras Nações no estado de British Columbia. O grupo também foi convidado a organizar oficinas semelhantes para integrantes da tribo de Winnebago em Nebraska, nos Estados Unidos.
Este vídeo, por exemplo, gravado pela escola ‘Na Aksa Gyilak'yoo das Primeiras Nações de Kitsmakalum, em British Columbia, conta a história da Rodovia 16 no oeste do Canadá, conhecida como a “Rodovia das Lágrimas” por causa dos assassinatos e desaparecimentos de mais de duas dúzias de mulheres, a maioria de origem indígena, no local. A maioria destes casos nunca foram resolvidos.
Este próximo vídeo, das Primeiras Nações de Nemaska Cree, utiliza o tema de um vídeo game para comunicar a importância de manter os costumes e práticas tradicionais, apesar das influências da globalização.
Enquanto a fluência da língua indígena das Primeiras Nações varia entre os jovens, muitas músicas contêm títulos no idioma nativo. Nessa música, gravada nas Primeiras Nações de Whapmagoostui Cree, o refrão é cantado na língua Cree. Os jovens envolvidos foram auxiliados por Gary Jolly, integrante do grupo de hip-hop Northstars, que criou um verso para a música durante sua visita a James Bay no Cree do Leste.
A página do Facebook de N'we Jinan publicou uma transcrição do verso, junto com uma tradução:
Metch agah endun ehpsgatikyaan aydaytiman
Sook maak engah gwitchtan, ewt stcheet jeh bimtayyaan
Enjeesh jigga behtoonoh, eh yashkawayyat
mwetch endeh eh whinchinyat ay snacksiyat ewsneejuuyat,
muk indabwehten bayg a jeeshagow jeh psigoodowt
Mwee naawee waptan endwee ayshaa bimatchewdow
Jenndowchjehdow, Neeganshgohdowt ewshneejew gehweeyow
jeh dootkoh dan guysh eechimgoodot Chemindoo
As vezes sinto que ninguém se importa comigo,
mas mesmo assim seguirei em frente
hoje é o dia em que vocês escutarão nossos gritos,
pois perdemos nosso caminho enquanto jovens
mas acredito que um dia nós ascenderemos
eu não quero ver os outros viverem uma vida ruim
quero vê-los crescerem e liderar nossa juventude
para que eles possam cumprir o destino traçado pelo criador.
Na seção de comentários do mesmo post, o defensor da linguagem do Cree Kevin Brousseau exaltou a transcrição do verso utilizando o alfabeto do idioma. A adaptação também foi publicada no seu blog – estamos reproduzindo aqui com permissão do autor:
ᒬᐦᒡ ᐁᑳ ᒥᑐᓐ ᐁ ᐱᓯᔅᑳᑎᑲᐎᔮᓐ ᐁ ᐃᑌᔨᐦᑕᒫᓐ
ᓲᐦᒃ ᒫᒃ ᓂᑲ ᑯᒋᐦᑖᓐ ᐆᑕᐦ ᐊᔅᒌᐦᒡ ᒉ ᐱᒧᐦᑌᔮᓐ
ᐊᓄᐦᒌᔥ ᒋᑲ ᐯᐦᑕᐎᓈᐙᐤ ᐁ ᐊᔮᔑᐦᑴᔮᐦᒡ
ᒬᐦᒡ ᐊᓐᑌ ᐁ ᐗᓂᔑᓂᔮᐦᒡ ᑖᓐ ᐁᔑᓈᑯᓯᔮᐦᒡ ᐁ ᐅᔥᒋᓃᒌᐎᔮᐦᒡ
ᒥᒄ ᓂᑖᐺᐦᑌᓐ ᐯᔭᑯ ᒌᔑᑳᐤ ᒉ ᐸᓯᑰᑣᐤ
ᒨᔾ ᓂᐐ ᐙᐸᐦᑌᓐ ᓇᑕᐐᔾ ᐁ ᐃᔑ ᐱᒫᑎᓰᑣᐤ
ᒉ ᓂᐦᑖᐎᒋᑣᐤ ᐁ ᓃᑳᓂᔥᑲᐙᑣᐤ ᐅᔥᒋᓃᒋᐤᐦ ᑲᔦ ᐐᔭᐙᐤ
ᒉ ᑑᑕᐦᒀᐤ ᑖᓐ ᑳ ᐃᑕᔓᒥᑯᑣ ᒋᔐᒪᓂᑑᐦ
Foi difícil escolher apenas três vídeos para demonstrar a criatividade das comunidades das Primeiras Nações. Porém, todas as músicas do projeto podem ser encontradas no canal do N'we Jinan no YouTube. Também foram lançadas cinco coletâneas de CDs, gravadas durante várias oficinas educativas.