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Rafael Braga Vieira: Símbolo do racismo institucional e da criminalização da pobreza pela justiça brasileira

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Etnia e Raça, Lei, Mídia Cidadã, Protesto
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Cartas em apoio a Rafael Braga em uma demonstração. Foto: Mídia Ninja/Flickr, CC-BY-NC-SA 2.0

Rafael Braga Vieira foi condenado a cinco anos de prisão após a polícia prendê-lo [2] em uma manifestação histórica  [3]no Rio de Janeiro, em 20 de junho de 2013. Com apenas 25 anos na época, Rafael estava sem teto e coletava materiais recicláveis ​​para sobreviver. Ele diz desconhecer completamente o fato de que um grande protesto estava acontecendo naquele momento. Quando os policiais perceberam que ele portava frascos de desinfetante e água sanitária, Rafael foi indiciado por transportar explosivos e julgado antes do final do ano.

Rafael foi a única pessoa a ser presa e condenada em conexão com os protestos de junho de 2013, mas seu caso foi apenas o começo de uma verdadeira saga, a qual ativistas e especialistas legais dizem simbolizar [4] o racismo institucionalizado do sistema judicial brasileiro e a criminalização da pobreza no país.

Rafael permaneceu na prisão até dezembro de 2015, quando um tribunal permitiu-lhe servir o resto do sua pena na casa de sua mãe no Rio, desde que usando um tornozeleira eletrônica. Apenas um mês depois, a polícia o prendeu novamente por alegadamente portar 0,6 gramas de maconha e um rojão (do tipo usado para alertar o tráfico quando a polícia entra na comunidade).

No dia 20 de abril de 2017, Rafael foi condenado por tráfico de drogas, e desta a sentença foi de 11 anos e três meses de prisão. A condenação veio em meio a uma intensa campanha [5] (agora em seu terceiro ano) realizada por ativistas que repetidamente apontaram as contradições e irregularidades nos dois julgamentos de Rafael.

O juiz do seu primeiro julgamento em 2013 parece ter ignorado um relatório técnico do esquadrão de bombas do Estado do Rio de Janeiro, que concluiu [6] que os produtos de limpeza que Rafael carregava tinham “capacidade explosiva mínima” — em parte porque as garrafas eram de plástico, enquanto coquetéis molotov são normalmente feitos com vidro.

Rafael negou as acusações que levaram à sua segunda prisão em 2016, denunciando os policiais por agredi-lo e forjar provas — algo que não é incomum [7]para a polícia brasileira, que frequentemente tortura suspeitos para que denunciem traficantes ou se incriminem.

No segundo julgamento, o juiz descartou a única testemunha de defesa, uma vizinha que corroborou a sua versão dos acontecimentos, alegando que esta tinha uma “relação de família” com Rafael. Todas as cinco testemunhas de acusação eram policiais [8], alguns com depoimentos conflitantes. Por exemplo, um soldado disse que Braga foi transportado para a delegacia no porta-malas de um carro de patrulha, enquanto outro disse que ele estava no banco de trás.

O juiz também recusou [9] a solicitação da defesa de obter acesso às filmagens de câmeras de vigilância da área onde Rafael foi preso, afirmando que estas eram “desnecessárias para o desfecho do processo”.

Muitos juristas também criticaram a sentença, argumentando que mais de 11 anos de prisão é um castigo muito severo por posse de uma pequena quantidade de maconha. A Ponte Jornalismo, veículo independente que acompanhou de perto ambos os julgamentos, citou casos semelhantes [10] que resultaram em penalidades muito menores — como quando a polícia prendeu um jovem de 18 anos em 2007 por carregar 25 gramas de maconha. Esse suspeito passou apenas um dia na prisão, antes que o juiz descartasse as acusações por tráfico de drogas. De acordo com o site G1 [11], o réu admitiu que recebeu ajuda do pai, que era amigo de uma juíza.

A Lei de Drogas do Brasil permite com que as autoridades tratem os acusados ​​de maneiras completamente diferentes. Embora o uso de drogas seja descriminalizado, a lei não estabelece definições claras sobre o que diferencia “uso” e “tráfico”, ficando a decisão aos policiais e juízes, que avaliam caso a caso. Alguns especialistas argumentam que a linguagem vaga acaba reforçando preconceitos raciais do sistema de judicial brasileiro, em que pobres e negros têm muito mais chances de serem condenadas [12] por tráfico de drogas.

David Miranda, vereador do partido esquerdista Socialismo e Liberdade (PSOL), comparou o julgamento de Braga a outro infame caso de 2013, quando a polícia encontrou 450 quilos de pasta-base de cocaína em um helicóptero de propriedade do deputado estadual e empresário Gustavo Perrella (filho do senador Zezé Perella). A polícia prendeu o piloto de helicóptero (um empregado da família), que hoje aguarda julgamento por tráfico de drogas, enquanto os Perrellas nunca foram processados.

Na semana passada, muitos internautas reagiram com raiva à nova condenação de Rafael Braga, incluindo o advogado e professor [17] Antônio Pedro Melchior:

Em um país, cujo histórico de violações aos direitos humanos pela instituição policial é imenso, onde a maioria esmagadora da população diz não confiar na polícia, não se pode admitir condenações lastreadas unicamente na palavra do agente policial.

O deputado federal e ativista de direitos humanos Jean Wyllys também escreveu [18] no Facebook:

Cumpriu-se um roteiro. O juiz se limitou a agir conforme o esperado.

Deu uma sentença a Rafael. E também a todos nós. Ao sintetizar toda desgraça de tão típica pobreza extrema brasileira na condenação de mais um negro, o juiz escreveu para quem servem as leis no Brasil.

A Anistia Internacional, no Twitter, condemned a sentença:

Várias manifestações [23] de apoio a Rafael ocorreram no Rio de Janeiro, São Paulo e até no Uruguai [24]. No dia 24 de abril, pessoas também se juntaram em uma vigília [25] em São Paulo para protestar contra a nova pena de prisão.

Manifestação em São Paulo pela liberdade de Rafael Braga. Foto de Daniel Arroyo e Ponte Jornalismo, usada com permissão.

Fotos da manifestação em São Paulo foram divulgadas pelo site da Ponte Jornalismo [26] e na página do Facebook da Mães de Maio [27]Alguns vídeos [28] da manifestação foram publicados na página do Facebook [29] do coletivo Alma Preta. No Facebook, a página Pela Liberdade de Rafael Braga Vieira publicou uma linha do tempo completa [30] que retrata a saga de Rafael, começando com sua primeira prisão em 2013 e terminando com sua sentença em abril.