Acadêmica e ativista social é indiciada criminalmente por “mau uso da Internet”

A acadêmica ugandesa Dra. Stella Nyanzi é crítica do governo atual. Foto compartilhada por sua página no Facebook.

A acadêmica e feminista ugandesa Stella Nyanzi está atrás das grades desde 7 de abril, acusada de violar o decreto sobre “Mau uso da internet”, criado no país em 2011.

Nyanzi é crítica contundente do atual presidente, Yoweri Museveni, e se tornou voz expoente de uma campanha para fornecer absorventes íntimos para mulheres e adolescentes pobres de Uganda.

Presa e detida no dia 7 de abril, Nyanzi foi acusada de “ciberassédio” e “comunicação ofensiva” (artigos 24 e 25 do decreto de Mau uso da Internet) contra Museveni e sua esposa Janet Museveni no Facebook. Dentre os comentários, ela comparou o presidente a um “par de nádegas”.

O caso mobilizou ugandeses críticos ao governo de Museveni nas mídias sociais e muitos usaram a hashtag #Pardenádegas [#APairofButtocks] como forma de protesto à prisão.

As autoridades informaram que ela permanecerá presa até a próxima audiência, marcada para 25 de abril.

Alguns dias antes da prisão, Nyanzi foi interrogada pela polícia por arrecadar dinheiro para comprar absorventes íntimos para estudantes sem registro, que, segundo as autoridades, contraria a Lei de Arrecadações Públicas de 1966.

Após fazer uma palestra em 7 de abril no Rotary Club, em Kampala, como mostra o folheto acima, Nyanzy desapareceu. Horas depois, a Polícia informou que ela estava detida.

Antropologista e sanitarista, especializada em sexualidade, Nyanzi tem enorme audiência em sua página do Facebook, com mais de 141 mil seguidores. Lá, suas mensagens são suas armas de ataque e defesa. Costuma responder a todos os comentários. Usa palavrões e termos sexuais para desafiar as práticas correntes do governo, bem como certos padrões sociais onde o conservadorismo prevalece em vários setores da sociedade.

Dra. Stella Nyanzi no tribunal no dia 10 de abril de 2017. Foto do Voice of America, licenciada para ser replicada.

Nyanzi questionou publicamente uma promessa de campanha eleitoral de Museveni de oferecer absorventes íntimos para moças pobres, muitas das quais faltam aulas e até abandonam a escola, porque não têm condições financeiras de comprar seus próprios absorventes. Em 2016, ela foi manchete quando se despiu e postou o vídeo do incidente em sua página do Facebook para protestar contra o fechamento de sua sala na universidade onde trabalha, após desentendimento com o reitor da entidade.

Após Nianzy criticar a primeira dama de Uganda, Janet Museveni, por informar a Nação que não havia dinheiro para cumprir a promessa de campanha do marido para as moças, a primeira-dama declarou em entrevista na televisão que perdoava Nyanzi por tê-la “insultado”. Em reposta, a ativista escreveu no Facebook que não havia pedido perdão por suas palavras. O post mais recente foi a comparação do presidente com o traseiro humano.

Após as declarações de que não haveria dinheiro para cumprir a promessa de campanha, Nyanzi se uniu a um grupo que iniciou a campanha #Pads4GirlsUG para angariar dinheiro para os absorventes íntimos.

 

@#Pads4GirlsUg deu absorventes íntimos descartáveis e reutilizáveis, sabão, folhetos e bebida para as meninas de Masaka. pic.twitter.com/Cg0B0PhMGJ

A senhora Museveni também foi alvo das críticas de Nyanzi no final de março, depois que a primeira-dama declarou à imprensa que os ugandenses deveriam parar de levar os filhos para a escola de boda-boda (na garupa das motocicletas). As famílias pobres costumam usar esse meio de transporte, apesar dos perigos que isso pode acarretar. Esses tipos de declaração são tão frequentes por parte da primeira dama, que já lhe renderam comparações com Maria Antonieta.

Nyanzi respondeu ao comentário da primeira dama sobre o boda-boda no dia 29 de março em sua página do Facebook:

She opened her lying mouth and said, “Walk your children to school,
I walked four kilometers to and from school when I was a child!”
The lazy pig that flew her children in aeroplanes to school looked down her long piggy nose and told us to walk our children to school.
Do as I say, not as I do, she says through her lying teeth.

Ela abriu sua boca mentirosa e disse: ‘leve seus filhos para escola a pé, eu caminhava quatro quilômetros para ir para a escola quando era criança!’ A leitoa preguiçosa que já levou seus filhos para a escola de jatinho, com seu nariz suíno arrogante, vem nos dizer que temos que levar nossos filhos para a escola caminhando. Faça o que digo, não o que faço, diz ela, com sua cara de pau.

No dia 30 de março, Nyanzi foi suspensa do trabalho como palestrante da Universidade de Makerere, que está sob a jurisdição do Ministério de Educação. Não por coincidência, a primeira-dama também é a ministra da Educação de Uganda.

Dois dias antes de desaparecer, a casa de Nyanzi havia sido revistada pela polícia, e ela levada à delegacia, onde foi interrogada por algumas horas. Logo depois, ela iniciou uma transmissão ao vivo no Facebook contando sobre o incidente. A transmissão teve mais de 1 milhão de visualizações.

No dia 9 de abril, a repórter local da NTV Gertrude Uwitware, que já havia apoiado Nyanzi publicamente em sua página de Facebook, foi detida em Kampala durante horas antes de ser liberada. Não se sabe se o incidente tinha relação com apoio a Nyanzi, mas advogados, como o defensor de direitos humanos, Nicholas Opiyo, que ajuda no caso de Nyanzi, suspeitam que sim.

O Centro Africano para Excelência na Mídia e a Coligação dos Defensores dos Direitos Humanos de Uganda, com outras organizações internacionais, como a Anistia Internacional, condenaram a prisão e o indiciamento de Nyanzi. Esses e outros grupos também demonstraram apoio a Uwitware.

Os hashtags #FreeStellaNyanzi [#LiberteStellaNyanzi] e #APairofButtocks imediatamente tornaram-se trends após a prisão de Nyanzi e continuam sendo usados por ugandenses e apoiadores de Nyanzi. Ugandenses estão demonstrando apoio apesar do clima de medo.

A voz de Stella Nyanzi não pode & não será calada mesmo que ela seja presa um milhão de vezes. Sequestrá-la foi um grave erro. #FreeStellaNyanzi

Se as Forças de Segurança acham que podem intimidar ou ameaçar um país inteiro, estão enganadas: #FreeStellaNyanzi também é problema nosso.

Stella Nyanzi está sendo processada por chamar o eterno presidente Museveni de “par de nádegas” #Ugandapic.twitter.com/6QzAfebpOr

Alguns apoiadores da causa retweetaram palavras escritas há uns 40 anos pelo então ditador Idi Amin Dada:

[Você tem liberdade de expressão], liberdade depois da expressão [já não garanto] pic.twitter.com/5AujATUVEZ

Jongo Asiimwe brincou:

Até o Google sabe: #PairOfButtocks. #FreeStellaNyanzipic.twitter.com/iB3qijt1JM

Ao comentar a situação de Nyanzi's, Bwesigye bwa Mwesigire declarou:

Nyanzi is not the only victim of this brute attack on academic freedom. Contributors and editors of the anthology, Controlling Consent, whose copies were confiscated by authorities recently are also victims. The anthology contained academic analyses of the 2016 Ugandan presidential and parliamentary election. The message is loud and clear. Academics are only allowed to be critical in spaces that are inaccessible to the public. When they engage publicly, the state clamps down on them. Even Facebook and other social media platforms are not immune from this repression!

Nyanzi não é a única vítima desse bruto ataque à liberdade de expressão no meio acadêmico. Também são vítimas os colaboradores e editores da antologia Controlling Consent [Dossiê acadêmico sobre as eleições de 2016 em Uganda], cujos exemplares foram confiscados pelas autoridades recentemente. A antologia contém uma análise acadêmica das eleições parlamentares e presidencial de 2016 em Uganda. A mensagem é clara e evidente. Acadêmicos só estão autorizados a serem críticos em espaços inacessíveis para a maioria da população. Quando se engajam publicamente são reprimidos pelo governo. Mesmo o Facebook e outras plataformas sociais não estão imunes a essa repressão!

Para contribuir online para a campanha de arrecadação de compra de absorventes íntimos, visite a página oficial GoFundMe.

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