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Guerra entre Espanha e Reino Unido por Gibraltar? Nem pensar, Édgar!

Categorias: Europa Ocidental, Espanha, Reino Unido, Guerra & Conflito, Humor, Mídia Cidadã, Migração e Imigração, Política, Relações Internacionais
El peñón de Gibraltar visto desde la localidad española de la Línea de la Concepción. Foto de Mihael Grmek para Wikimedia Commons, con licencia CC BY-SA 3.0 [1]

Vista do Rochedo de Gibraltar a partir da cidade espanhola de La Línea de la Concepción. Foto de Mihael Grmek para Wikimedia Commons, com licença CC BY-SA 3.0.

35 years ago this week, another woman PM sent a task force half way across the world to defend the freedom of another small group of British people against another Spanish-speaking country. And I'm absolutely certain that our current PM would show the same resolve in standing by the people of Gibraltar.

Faz esta semana 35 anos que outra mulher [primeira-ministra] enviou uma unidade militar para o outro lado do mundo de forma a defender a liberdade de outro pequeno grupo de cidadãos britânicos contra outro país de língua espanhola. E tenho a certeza absoluta de que a nossa atual primeira-ministra mostraria a mesma determinação no apoio aos gibraltinos.

Com estas palavras, o antigo líder do Partido Conservador Michael Howard gerou uma das controvérsias mais intensas dos últimos anos entre a Espanha e o Reino Unido por causa de Gibraltar [2].

O que é Gibraltar? É uma pequena área situada estrategicamente na extremidade do Mediterrâneo que foi ocupada pelos britânicos durante a Guerra da Sucessão Espanhola [3] e que, posteriormente, se juntou à Grã-Bretanha no Tratado de Utrecht de 1713 [4].

Gibraltar tem pouco mais de 33.000 residentes, com uma população de várias origens mas predominantemente espanhola e britânica, e que têm sido tradicionalmente muito hostis face a qualquer tentativa de negociação por parte das autoridades espanholas [5] para recuperar algum ou todo o controlo sobre o território.

Como território ultramarino britânico, Gibraltar tem, até agora, gozado de uma posição privilegiada na União Europeia, estando isento de certos impostos, responsabilidades e leis. No entanto, apesar de os gibraltinos terem votado de forma significativa no referendo pela permanência na União Europeia e contra o “Brexit”, Gibraltar tem poucas opções: dado que os residentes rejeitaram abertamente juntar-se a Espanha ou mesmo a soberania partilhada entre os dois países, a única opção que resta é sair da UE com o Reino Unido.

No início de abril, o Conselho Europeu distribuiu diretrizes por entre os Estados membros para serem seguidas no decurso das negociações do Brexit. Estas afirmam de forma explícita que futuros acordos entre a UE e o Reino Unido não serão aplicados a Gibraltar sem o consentimento da Espanha, dando o direito de veto [6] a este último.

Esta concessão enfureceu certos políticos conservadores britânicos. Outros juntaram-se ao já referido Howard, como Boris Johnson, o Ministro britânico dos Negócios Estrangeiros , que acusou a Espanha [7] de exercer “pressão inaceitável sobre o futuro envolvimento de Gibraltar nas negociações do Brexit”, e o Ministro da Defesa, Michael Fallon, que expressou [8]sua intenção de proteger Gibraltar “a todo o custo”. O ministro-chefe de Gibraltar, Fabián Picardo, também declarou que “pagar [pelo Brexit] com Gibraltar é permitir à Espanha agir como um bandido […] Isto é claramente um caso de assédio por parte da Espanha”. O contra-almirante Chris Parry, um antigo diretor de capacidade operacional do Ministério da Defesa chegou a dizer [9]:

Spain should learn from history that it is never worth taking us on and that we could still singe the King of Spain’s beard.

A Espanha deveria aprender com a história que nunca vale a pena lutar contra nós e que ainda conseguiríamos chamuscar a barba do Rei de Espanha.

Os tabloides [10] ainda foram mais longe. O jornal The Sun publicou uma capa memorável que foi motivo de troça para alguns internautas:

Tomem lá, señores! grita o Sun na sua campanha por um Gibraltar verdadeiramente britânico.
*P.S. – férias por £15 em Espanha no “jornal” de hoje.

O colunista do The Sun Kelvin Mackenzie publicou um artigo [13] no qual se referia aos espanhóis como “bêbados” e “amantes de burros”, lançando várias ameaças ridículas, que incluíam boicotar a Espanha como destino turístico, fechar o espaço aéreo a voos espanhóis (ignorando o facto de que a Iberia e a British Airways pertencem à mesma companhia) ou extraditar os 125.000 espanhóis que trabalham no Reino Unido (também ignorando os quase 240.000 britânicos que vivem em Espanha [14]). Mackenzie terminou, fazendo referência ao malogrado presidente norte-americano Ronald Reagan:

Reagan used to have a sign on his desk saying: “If you’ve got them by the balls, their hearts and minds will follow.”
For balls, read cojones.

Reagan costumava ter um letreiro na sua mesa a dizer: “Se vocês os agarrarem pelos tomates, os seus corações e mentes seguirão.”
Substituam tomates por cojones.

As autoridades espanholas, que costumam utilizar Gibraltar como cortina de fumo para desviar a atenção de assuntos mais importantes, ainda não assumiram uma posição nesta escalada quase bélica, e a primeira-ministra britânica Theresa May tem tratado o assunto com certa frivolidade [15].
Internautas de ambos os países viram a situação com ainda mais humor, aumentando a divisão que existe entre certos políticos e o público. Por exemplo, um inquérito conduzido pela edição espanhola do Huffington Post [16] que pergunta “Alistar-se-ia no exército para lutar por Gibraltar?” conta atualmente com 74% de respostas negativas (há, até agora, 13.1 mil votos).

Salvo algumas exceções [17], utilizadores do Twitter de ambos os países também têm visto o assunto com certo humor:

Porque haveríamos de querer Gibraltar, se não conseguimos sair de uma rotunda conduzindo pela direita imaginem como seria pelo lado contrário!!!

Temos que juntar os melhores para a batalha naval de Gibraltar.

-E agora como é que vamos chegar a Gibraltar?
-Eu disse-te que isto ia acontecer se fosse a cabra a conduzir.
-E também não há rede.

Espanha e Reino Unido podem entrar em guerra por Gibraltar com a condição de que todas as batalhas sejam travadas usando veleiros do século XVII

Se eu vivesse em Gibraltar e me fosse dada a opção de me juntar a Espanha ou continuar a fazer parte do Reino Unido, eu escolheria a Espanha pelo clima.

Estou em Espanha há 24 horas e ainda ninguém me tentou tirar Gibraltar. Ponto. Vencedor.

Mas talvez seja o tweet de Francois Smith que ponha tudo isto na perspectiva que realmente merece:

Síria: o Reino Unido descarta a possibilidade de ação militar depois do ataque químico: mas vamos bombardear a Espanha por causa de Gibraltar.