Como memória e mídia digital podem abrir caminho para a paz na Colômbia

Red de Gestores Virtuales de Memoria. Fotografía usada con permiso.

Red de Gestores Virtuales de Memoria. Imagem usada com permissão.

A construção de uma memória histórica que seja tanto diversa quanto inclusiva tornou-se nos últimos anos uma das principais estratégias para pôr fim ao longo conflito armado na Colômbia. Esforços em nome da paz vêm tentado promover uma nova narrativa sobre o conflito que dê voz às vítimas da guerra, torne suas histórias conhecidas, dê dignidade a essas pessoas, além de ênfase aos seus direitos.

Um desses esforços é a iniciativa Alfabetizaciones Digitales do Centro Nacional de Memória Histórica, apoiada por organizações populares de todo o país no uso de ferramentas de mídia digital para relatar e publicar histórias na Internet.

Exemplos de textos midiáticos criados e publicados pela Internet por vítimas de conflitos armados apoiados pela Alfabetizaciones Digitales incluem entrevistas com as “alabaoras” (cantoras afro-colombianas) de Pogue, na região colombiana de Chocó. Eles explicam o significado de “alabaos” ou cantos fúnebres; breves ensaios escritos por mulheres da região de Caquetá que narram suas histórias de exclusão; fotografias de um museu comunitário construído pelos sobreviventes de um massacre em Granada e clipes de músicas de hip hop de jovens defendendo a participação e os direitos das crianças em Buenaventura.

Em entrevista a Global Voices, Lucely Rivas, uma mulher afro-colombiana refugiada e integrante do projeto Memorias del Rio Atrato, disse o seguinte:

I think the website and the content we publish on the Internet make memory. We have made memory with our videos and stories.

Eu acho que os sites e conteúdos que publicamos na Internet criam memórias. Nós criamos memórias com os nossos vídeos e as nossas histórias.

A guerra civil colombiana que perdura por mais de 50 anos é um dos conflitos mais antigos do planeta, e uma estimativa frequentemente citada contabiliza quase 250 mil mortos. Milhões foram forçadas a abandonar seus lares por conta do conflito, fazendo com que o governo e as forças paramilitares de direita unissem forças contra as FARC. Um acordo de paz foi apoiado pelo congresso em dezembro, aumentando as esperanças de um novo futuro para o país. Contudo, muitas pessoas temem por dificuldades na sua implementação.

Dando ouvidos às vítimas da guerra

Desde a década passada, paralelamente às negociações com as guerrilhas e com as forças paramilitares, o governo colombiano promoveu de forma ativa a construção de uma “memória histórica”, ao mesmo tempo que deu voz às vítimas da guerra. Isso faz parte de um esforço maior para implementar justiça, encorajar a reconciliação e criar um diálogo nacional sobre direitos à verdade.

Neste contexto específico, o trabalho de organizações populares regionais vem ganhando espaço, prestando assistência às vítimas através de atividades culturais e comunitárias. Essas organizações vêm ajudado há anos minorias e populações marginalizadas afetadas pela violência para que se fortaleçam, estabeleçam suas comunidades e expressem suas vozes.

Para citar um exemplo, segundo Mariana Posada Moreno, o projeto Salón del Nunca Más (Salão do Nunca Mais) encabeçado desde 2008 pela Asociación de Víctimas Unidad de Granada (ASOVIDA), tem ajudado a comunidade de Granada, na região de Antioquia, a buscar esperança e união.

Mariana explicou o propósito do projeto Salão do Nunca Mais:

The purpose of this place is to raise awareness and show to anyone who arrives there, by means of art works, photographs, personal logs, and stories, that the victims of this country are not just a number for the State.

O propósito desse local é conscientizar e mostrar a todos que cheguem lá, seja por obras de arte, fotografias, registros pessoais e histórias, que as vítimas deste país não são só números para o estado.

A criação da Lei Colombiana de Justiça e Paz em 2015 e da Lei de Vítimas e Restituição de Terra em 2011 tratava diretamente da necessidade de colocar os direitos das vítimas e suas histórias no cerne do processo de construção de paz, além de enfatizar o dever do estado de lembrar das violações cometidas durante o conflito armado.

Além de reconhecer os direitos das vítimas e dar ênfase à necessidade de reparações, a Lei de Vítimas e Restituição de Terra criou o Centro Nacional de Memória Histórica, uma instituição independente responsável pela formação de um relato histórico do conflito.

O Centro Nacional de Memória Histórica tornou-se então peça chave para promover a construção da memória histórica na Colômbia através de pesquisa e de atividades aplicadas em prol da reconstrução da extensa e complexa história do conflito armado no país.

O Centro criou algumas publicações baseadas em milhares de testemunhos e análises de vítimas das causas da guerra, inclusive o “¡Basta ya! Colombia: Memorias de guerra y dignidad (2013)” (Já basta! Colômbia: Memórias de Guerra e Dignidade), o relato mais completo sobre a situação da guerra na Colômbia até hoje.

Apoiando ativamente a participação das vítimas da guerra nos processos de paz e na construção de uma memória histórica diversificada e inclusiva, o Centro Nacional de Memória Histórica ajudou a trazer dignidade e visibilidade às experiências das vítimas da guerra, dando apoio ao direito à verdade, à justiça e à segurança para que esses direitos se tornem correntes. Alfabetizaciones Digitales é uma das iniciativas criadas pelo Centro em 2013, ajudando organizações comunitárias locais a divulgarem suas vozes através de ferramentas e de redes digitais.

A iniciativa Alfabetizaciones Digitales

Alfabetizaciones Digitales foi criada para responder à necessidade de ressaltar o trabalho de organizações populares que já estejam atuando na Colômbia. Preocupadas em dar mais divulgação às suas vozes através de audiências nacionais e participação na construção da memória histórica, os membros dessas organizações expressaram interesse em experimentar novas tecnologias de mídia e a Internet para contar histórias.

Segundo Salomón Echavarría, coordenador da iniciativa, em entrevista à Global Voices:

The initiative responds to the interest of community members in reaching a wider audience and circulating their stories broadly. We provide training and technical support for the development of digital languages, and facilitate workshops in digital storytelling that are adaptable to the needs and resources of local organizations and communities.

A iniciativa atende ao interesse dos membros da comunidade a fim de alcançar um público mais amplo e dar maior divulgação as suas histórias. Nós oferecemos treinamento e suporte técnico para o desenvolvimento de linguagens digitais, promovendo workshops sobre histórias digitais que sejam adaptáveis às necessidades e recursos de organizações e de comunidades locais.

No total, 16 projetos foram criados na Colômbia com apoio da Alfabetizaciones Digitales desde 2013. Eles são liderados por membros de organizações populares que realizam trabalhos de memória e comunitários como o Salão do Nunca Mais em Granada, a Asociación de Trabajadores Campesinos del Carare -ATCC- Vida y Paz em Carare, ou a Fundación Espacios de Convivencia y Desarrollo Social (FUNDESCODES) em Buenaventura.

Em outras ocasiões, os projetos são criados graças à colaboração entre algumas organizações populares de regiões específicas como a Memorias del Rio Atrato, que conta com oito conselhos comunitários e uma organização, o Consejo Comunitario Mayor de la Asociación Campesina Integral del Atrato (COCOMACIA), de Chocó e da Antioquia.

Da mesma forma, a Alfabetizaciones Digitales também fomentou a construção de uma rede de produtores de mídia digital local distribuídos por diferentes regiões do país. Jovens e adultos que participam dos workshops tornam-se parte de uma rede de “administradores virtuais de memória”, compartilhando conhecimento e apoio mútuo.

Esses administradores virtuais estão a cargo de vários projetos, coordenando a produção de conteúdos de multimídia e mantendo sites. Eles também têm acesso a uma plataforma virtual colaborativa onde compartilham tutoriais, dicas e discutem diferentes temas relacionados aos seus projetos locais e à produçao de mídias digitais.

O exemplo a seguir é de uma das histórias digitais criadas pelas jovens afro-colombianas da FUNDESCODES em Buenaventura. O vídeo se chama “Soy Capaz” e documenta como mais de 200 crianças e jovens participaram na reapropriação de um parque público em sua comunidade, compartilhando mensagens positivas (Do que sou capaz…) de paz e esperança.

Construindo uma nação visível e pacífica

Segundo um recente manifesto publicado pelos administradores virtuais de memórias no site do Centro Nacional de Memória Histórica, eles são “uma rede de vozes como também um grupo que tem olhos, ouvidos e microfones por todo o país. As vozes da memória em prol da construção de uma nova nação que seja visível e pacífica”.

Enquanto os administradores virtuais produzem e publicam histórias online, eles constroem identidades, cultivam vozes e dão visibilidade aos seus territórios e as suas populações. Estes processos de comunicação permitem que as comunidades marginalizadas e as vítimas de guerra descrevam o mundo com suas próprias palavras, documentem suas práticas culturais e participem ativamente na construção da memória histórica na Colômbia.

O conteúdo de multimídia produzido e publicado online pelos administradores virtuais revela o potencial de se utilizar ferramentas e redes digitais para gerar memória na Colômbia. A iniciativa Alfabetizaciones Digitales é uma oportunidade de conexão com as vozes e perspectivas dos cidadãos colombianos que, enquanto estavam cercados no meio de uma guerra entre exércitos, resistiram à violência e se conscientizaram. Suas histórias nos dão um olhar do dia-a-dia dessas pessoas, suas vizinhanças, seus dramas e suas comemorações. Suas narrativas ajudam na criação de consciências mais plurais do passado da Colômbia e contribuem na criação da paz no presente e no futuro.

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