No aniversário de 463 anos de São Paulo, moradores da periferia pedem diálogo ao novo prefeito

Zona norte de São Paulo, bairro da Brasilândia (Foto: Jéssica Costa/Agência Mural)

Zona norte de São Paulo, bairro da Brasilândia (Foto: Jéssica Costa/Agência Mural)

Este post foi publicado originalmente no medium da Agência Mural e é republicado aqui via parceria de conteúdo. Alguns depoimentos foram retirados desta versão para adequar o texto ao nosso limite de tamanho. Você pode conferir todos os depoimentos no link original.

De um lado, a esperança de que João Dória, o novo prefeito de São Paulo, eleito no ano passado, consiga cumprir os avanços que prometeu. Do outro, a desconfiança de como os bairros periféricos serão olhados nos próximos quatro anos, diante do polêmico início de gestão com os grafites sendo apagados pela cidade. A palavra de ordem foi: “Diálogo”.

São Paulo comemora hoje 463 anos e a Agência Mural ouviu o que os moradores esperam daqui para frente na cidade. Entre as demandas que dominam a vida de vários moradores, estão temas como saúde, segurança, enchentes, trânsito, a situação vivida pelos moradores de rua, a cultura e a diversidade.

Ingrid Reis, 21, desempregada, do bairro de Guaianases, na zona leste, gostaria de ver a prefeitura priorizar transporte e saúde em vez de muros:

Eu queria muito que o transporte público melhorasse, a superlotação dos trens e ônibus em horário de pico é insuportável. A segurança também, porque o medo tira até a vontade de sair e conhecer as coisas boas que a cidade oferece. Se tudo isso melhorasse, não só no meu bairro, mas na cidade toda, ficaria feliz. O prefeito deveria se atentar mais às questões da educação, oferecer vagas nas creches e escolas, se preocupar em oferecer ensino de qualidade e boas condições aos professores e demais funcionários das escolas. Hoje fui ao hospital [Júlio Tupy] e a recepcionista me disse que o tempo estimado para atendimento era de quatro horas, fora muitas outras situações precárias que também vi em vinte minutos que permaneci ali. O prefeito deve se atentar a isso, ao invés de pintar muros na avenida 23 de maio. Em quatro anos, ele pode melhorar muita coisa, já que entende tão bem de gestão.

Samuel de Paula, morador do bairro da Vila Guarani, na zona sul, espera que a cidade seja cada vez mais tolerante às diferenças. “Espero que o ódio e a polaridade fiquem de lado, que sejamos mais pacientes e mais humanos”. Designer e autor do livro “Guardei no Armário” — em que narra a sua trajetória como homossexual, negro e morador de periferia –,  Samuel diz acreditar que houve pequenos avanços na saúde nos primeiros dias, como diminuição nas filas de atendimento.

Sobre a periferia, o jovem avalia que o novo governo, a exemplo de outros, não trará grandes benefícios para a população mais afastada do centro. “É ilusório achar que ele pensará na periferia. Se pensasse, não iria propor junto com o Governo Estadual, o aumento das passagens e a cobrança na integração em terminais [de ônibus]”.

Já Leocádio Teixeira Santos, 73, ativista e líder comunitário da Vila Zilda, na zona norte, quer prioridade para o fim das enchentes no bairro:

De acordo com as campanhas eleitorais dos novos políticos, eu espero, claro, sempre o melhor, tenho esperança que nossa cidade pode ficar melhor. Acredito que quando o governador e prefeito andam na mesma direção, nós só temos a ganhar. Nós esperamos que cumpra, principalmente o que prometeram referente às obras para conter as enchentes, sofremos muito e isso é urgente. Quanto ao novo prefeito João Doria, ainda é cedo pra cobrar alguma coisa, mas acredito no que ele falou, que não é político e sim servidor, então espero que ele sirva bem a cidade.

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Vista da região da Mooca, zona leste de São Paulo (Foto: Alexandre Ofélio/Agência Mural)

Moradora do bairro Chácara Santana, na zona sul da cidade, Evelyn Dayse, 33, é criadora da marca de roupas plus size “Preta Empoderada”. Ela espera que o transporte público melhore em Chácara Santana neste ano, e também pede que a nova gestão respeite a cultura periférica e urbana que já existe na cidade.

Gostaria também de levar para o meu bairro o sentido da economia solidária, queria que os comerciantes se unissem e houvesse um cooperativismo sem cooperativa. [O prefeito] está preocupado em tirar grafite para ‘limpar’ a cidade. Ele acabou de entrar, não sei se vai cumprir o que prometeu. Tenho que esperar mais tempo, mas não tenho boas expectativas.

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Represa de Guarapiranga, na zona sul de São Paulo, próximo da Ilha do Bororé (Foto: Priscila Pacheco/Agência Mural)

Andre Pazracial França, da Vila Curaçá, enfatiza a importância do diálogo:

Uma Cidade administrada por um empresario: é o mesmo que dizer que ele vai tratar SP como uma empresa. Só que ele se esquece que numa empresa um patrão manda e desmanda ou quem ele não quer manda embora e uma cidade não é bem assim. Tem que ter mais diálogo e que tudo que ele tem que fazer é somente uma gestão para todos. Muito cedo pra se dizer daqui pro futuro mas posso afirmar que em relação a cultura está faltando mais diálogo em geral com quem faz a movimentação artística periférica de São Paulo.

E há quem esteja confiante na gestão do prefeito João Dória, como Tuany Cesar de Lima, empresário de São Miguel Paulista, na Zona Leste:

Estou muito confiante com a nova administração do prefeito João Dória, pois além de ser um excelente administrador está demonstrando ser um ótimo político, mostrando muita atitude neste início de governo. Gostei também das escolhas dos Prefeitos Regionais dos distritos de nossa região, principalmente São Miguel em que o Edson Marques já estava trabalhando antes de assumir, está ouvindo toda a população e tentando apagar alguns incêndios provocados pela má gestão anterior e por causa das chuvas. Confio muito na equipe da nova gestão da prefeitura.

Como muitos outros grafiteiros da cidade, Robson Bó, do Jardim Helena, está preocupado com a falta de diálogo diante das últimas medidas do prefeito, que incluíram o apagamento de grafites da Avenida 23 de Maio.

Sou grafiteiro há 17 anos, no bairro de São Miguel Paulista, sobre essa nova gestão, não esperava muito pois eles estão seguindo a linha de raciocínio do Kassab que implantou a lei Cidade Limpa em 2006/2007. Está sendo um retrocesso a parte, pois o grafite, assim como a pichação, são estéticas urbanas que resistem em SP desde o final dos anos 70 a início dos anos 80. Espero que criem diálogo com os artistas e não essa demagogia que vem acontecendo. Espero que mudem essa desconstrução, trazendo alternativas. Porém que sejam dialogadas, pois os mesmos não sabem distinguir o que é grafite e o que é pichação. Temos belos eventos e murais pelas quebradas. que ele incentivem e vejam de fatos os trabalhos já existentes nas periferias.

Sylvio Sena Bimba, líder comunitário e professor, morador da Vila Jacui, na zona leste, quer mais parques e canalização no bairro.

Vejo muita disposição, não só no prefeito, como nos regionais. Disposição e trabalho, juntos. Espero que resolvam as demandas há muito tempo engavetadas, por ineficiência ou falta de vontade política. Como exemplo, o Parque Primavera, há 38 anos de espera. Parte final da canalização do Córrego Limoeiro, há 2 décadas de espera, depois da maior parte já canalizada. Essas demandas aqui na Vila Jacuí, regionalmente, falando. Claro, que torço para que esses tipos de obras sejam realizadas, em vários outros bairros que dependem de saneamento básico e outras necessidades. 

Eric Silva, 22, estudante de Geografia na USP e morador da Ilha do Bororé, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul, pede que, além do grafite, o novo prefeito não apague a memória.

Eu não esperava que esse debate todo sobre o grafite, sobre a arte urbana, pichação voltasse à tona. E num certo sentido só mobilizasse uma reflexão nas pessoas quando gerasse polêmica assim. Eu espero que nesse ano muita memória, uma memória que não quer ser mostrada, não seja apagada. E eu não tô falando só do grafite. Tempos difíceis. Tem que se manter firme.

Texto: Alexandre Ofélio, Aline Kátia Melo, Lucas Veloso, Diogo Marcondes, Priscila Gomes, Priscila Pacheco, Vander Ramos e Vagner Vital. Organização: Paulo Talarico.

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