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Quantas vacas são necessárias para concluir uma carreira no Paraguai?

Categorias: América Latina, Paraguai, Educação, Etnia e Raça, Indígenas, Mídia Cidadã, Mulheres e Gênero
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Eudelia Franco. Imagens autorizadas para a exibição. Foto por Kurtural.

Abaixo é uma versão detalhada de uma reportagem escrita por Fátima Rodrigues para Kurtural e com permissão foi publicada pela Global Voices. O artigo faz parte da série ““Vacas que voam, escolas que caem” [1],” o qual será editado e publicado pela Global Voices da América Latina. A versão original inclui depoimentos sobre a vida nas cidades indígenas da área e também inclui um profundo antecedente histórico das diversas comunidades da área do Paraguai onde Cayin ô Clim pode ser encontrado.

Eudelia Franco finalizou o ensino médio no mesmo ano em que o Paraguai enviou vacas ao Equador através de aviões [2]. Em 2015 ela foi a primeira mulher a terminar o ensino médio na comunidade urbana indígena de Cayin ô Clim ou Hummingbird Branco na Língua Nivaclé [3], no Paraguayan Chaco [4], mas ela não sabe se irá terminar a universidade, depende da decisão da comunidade de vender ou não as vacas para ajudá-la a pagar os estudos.

Eudelia retorna à Cayin ô Clim numa manhã fria de julho após quatro meses estudando Administração na Universidade Autônoma de Asunción, uma das 54 universidades privadas existentes no país [5]. A comunidade foi fundada em 1954 por uma missão religiosa nos arredores de Mennonite, cidade de Neuland [6] no nordeste do país.

Neuland foi fundada numa terra onde a língua Nivaclé sempre existiu. O governo cedeu a terra para os refugiados Alemães para povoar o Chaco Paraguaio. Eles tomaram conta das vacas e industrializaram a produção leite. Também formaram uma cooperativa [7] que é a principal fornecedora de bife e leite industrializado no Paraguai.

Após uma viagem de sete horas vindo da capital, Eudelia foi recebida em Neuland por Juan Franco, seu pai. Iniciando as três horas da manhã ele prepara a massa para a padaria alemã onde ele trabalha. Seu salário é de 2.000.000 guaraníes (por volta de $360 por mês), um pouco mais de um salário mínimo legal cujo não é suficiente para cobrir as despesas de sua filha em Asunción.

Eudelia mora em Asunción, num apartamento mobiliado com um colchão emprestado e uma cadeira. De casa ela levou um pote, uma colher e um fogão emprestado de sua tia. Desde fevereiro de 2016 ela aprendeu muitas coisas morando na capital: como tomar ônibus, como falar uma frase completa em espanhol, nomes de ruas e como passar um dia inteiro sem comer.

Eudelia vai para a aula de Segunda à Quinta, das 08h00 às 10h50. Ela frequenta as aulas de manhã pois a taxa mensal é de 578.000 guaraníes e as aulas noturnas a taxa mensal é de 778.000 guaraníes (de $100 à $140).

De Quintas-feiras, ela sabe que tem almoço quase garantido pois Noelia, uma colega de sala do curso de quintas-feiras convida a ela para almoçar juntas no intervalo. Nos outros dias, seu outro colega de classe Diego também a oferece alguma refeição. Por vezes, até o final da semana ela apenas se alimenta do que a foi dado por seus colegas de sala.

Quando ela terminou o ensino-médio, muitas pessoas da comunidade celebraram e a parabenizaram. Ela se lembra da dedicação de música e saudações através da estação de rádio da comunidade. No dia da graduação, teve uma festa com dança e petiscos. Houve doze graduandos, apenas uma deles era indígena: Eudelia.

Retorno à Comunidade

Nélida Sandoval lembra de sua filha quando ela era uma menininha sorridente, rechonchudinha indo para escola de bicicleta com a irmã. A maior parte do tempo dedicada aos estudos, até que não sobrava tempo de fazer as tarefas de casa. E nas suas horas livres gostava de ir às montanhas para olhar as lenhas.

Enquanto isso, Eudelia passa pelo centro médico, campo de futebol, escola, estação de rádio. Ela precisa aproveitar o seu tempo porque ela só ficará na cidade por três dias. Enquanto ela caminha ela diz olá para sua amiga Sunny Lady, que quase chorou quando a viu. A Nivachei, mulheres da comunidade da língua Nivaclé não são muito acostumadas a abraçar. Eudelia e Sunny Lady dizem oi: “Lhom!”. “Olá!”.

Sunny Lady López tem 21 anos. Ela mostra afeição pela sua amiga mas aproveita a oportunidade para apontar que Eudelia é privilegiada porque seu pai é um padeiro e ele se mantém em silêncio. O pai de Sunny López trabalha numa comunicação e trabalhava como defensor porta-voz dos direitos indígenas. Ela também sonhava em ir para uma universidade.

No começo de 2015, Sunny López postou no seu Facebook que os professores do ensino médio discriminaram os estudantes indígenas. De acordo com ela, era necessário que eles fizessem reservas para utilizar algo da livraria ou computadores mas não era preciso para os outros fazer o mesmo. Esta crítica quase a comprometeu do colégio. Uma ONG se envolveu no caso e conseguiu com que a escola aceitasse Sunny de volta, mas depois disso nada era o mesmo.

“Eles jamais deixaram eu falar de novo”, Sunny López recorda. Durante as Olimpíadas escolar, eles disseram que era melhor ela se manter em silêncio. Eles a perguntaram sarcasticamente se era secretária dos povos indígenas. Meses depois, devido a falta de dinheiro, ela teve que desistir dos estudos.

“A situação de Eudelia é diferente, o pai dela é padeiro, ele tem um trabalho seguro”, aponta ela.

Os Nivaclés não se apresentam como Paraguaios, mesmo que o documento paraguaio deles dizem o contrário. Em Cayin ô Clim têm três grupos: Mennonites, colonizador alemão ou filhos de colonizador alemão; Paraguaios, não-indígenas e não alemães. E há os povos Indígenas.

Não há Mennonites que vão ao ensino médio de Nuevo Amanecer, e crianças latinas não vão para a escola Mennonite por causa do custo alto e requisitos exigentes. Por exemplo, Jorgelina, melhor amiga de Eudelia do ensino médio é paraguaia e filha de dois parentes latinos que se mudaram para Neuland vindo de Asunción. Foram inúmeros colegas de classe indígenas no seu grau no começo do ano, mas todos tiveram de abrir mão porque tiveram que ir trabalhar, pois era muito caro ou as garotas engravidavam.

As terras Nivaclé de Cayin ô Clim

Os 28 hectares onde Cayin ô Clim foi inicialmente plantados eram muito pequenos para os filhos e netos dos primeiros colonos. Como resultado disso, os colonos Mennonites ajudaram a encontrar outras comunidades afastadas da cidade como Campo Alegre, Nicha Toyish e Paraíso.

Quase todos que moravam em Cayin ô Clim eram empregados para as empresas Mennonitas, mas quando não pode mais sustentar economicamente as novas comunidades, o Estado se comprometeu a comprar novas terras e lá poderiam criar vacas para poderem remediar a situação. Esta é a terra onde a comunidade indígena construiu o rancho.

As primeiras vacas foram doadas para a cooperativa Mennonita. Hoje, eles têm 286 cabeças de gado que permite à eles aumentarem e venderem vitelos desmamados – vitelos prontos para o processo de engorda – Que ajudam a pagar os honorários da cuota do caminhão da comunidade e paga também por qualquer emergência. Qualquer desmamado é vendido em média de 1.400.000 até 1.800.000 guaraníes ($250 – $330). Também há 145 bodes, frangos e outros animais domésticos do rancho.

A comunidade está em perigo em perder o rancho. Este ano, o governo entregou ações sobre ações para a terra adquirida em 1997 por Instituto Indígena do Paraguai (INDI) [8]. O Estado pagou quase 3 bilhões guaraníes ($540.000) para 19.000 hectares ao latifundiário, Gregorio Presentado Benegas. Um membro ex-militar, Humberto Peralta e um rancheiro, Ramón Esteche, apareceram e reivindicaram e afirmaram que também tinham ações da mesma terra. Um expert da Suprema Corte precisa avaliar a validação dos documentos e quem “investiu na propriedade”. Por esta razão, os grupos indígenas foram obrigados a pegar um empréstimo e esvaziar a terra e plantar grama. De acordo com a lógica deles, a corte não teve dúvidas de que a terra pertence à comunidade, desde o dia que eles investiram na propriedade.

Quantas vacas custa a uma carreira?

Supondo que os gados desmamados são vendidos pelo melhor preço e a taxa universitárias não subam – como eles tendem a fazer universidades privadas – sem os custos do aluguel, Eudelia necessitaria 58 vacas para terminar seu curso de Administração com duração de 4 anos. Supondo que tudo vá de acordo com o esperado na sua aula de escrita e comunicação oral, as quais ela tem maior dificuldade.

Eudelia retorna para Asunción com promessas à sua comunidade que eles irão ajudá-la, mas nada determinado. A venda das vacas poderia ser a solução, mas de último caso. Mesmo com toda a assessoria que o governo poderia a oferecer, ela está no vermelho. o INDI requer a presença do líder da comunidade em Assunción para confirmar que ela é um membro da comunidade indígena. A viagem custa mais de três meses de benefícios: 350.000 guaraníes.  

Neste meio-tempo, ela está em busca de trabalho como faxineira.