Vida Sem Dignidade nas Prisões Femininas da Tailândia

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Fonte: Prachatai

Esse artigo foi editado por Kritsada Supawatanakul para o Prachatai, um site de notícias independente da Tailândia e foi publicado como parte do acordo de conteúdo compartilhado da Global Voices. O texto em inglês foi  traduzido  por Suluck Lamubol.

As prisões tailandesas continuam a falhar em reconhecer os direitos básicos das prisioneiras, privando as mulheres de serviços de saúde essenciais e até produtos que vão desde os absorventes aos sutiãs. São prisões superlotadas e por causa das rigorosas leis antidrogas da Tailândia, a situação atual se agrava. Essa reportagem revela as condições devastadoras das prisões femininas na Tailândia, em lugares onde as detentas vivem sem qualquer dignidade.

Sutiãs infestados de fungos e comida intragável

Durante as minhas visitas na prisão, as detentas me relataram receber sutiãs doados por pessoas de fora. Enormes e tão velhos, a ponto de não ter mais elásticos, esses sutiãs abrigavam diferentes tipos de fungos. Tick, uma detenta, conta a experiência dela:

Whenever they give out bras, we will all go crazy. Bras are usually distributed by room but [what bra you get] also depends on whether you have any connection to the room leader. If you don’t get along well with the room leader, you will get the leftover bras without a chance to choose. Often I always get bras and pants that are too large, so I have to give them away.

The same goes for sanitary pads. We have to sign a form before getting a pack. They are bad quality and barely have any glue. When we wear them, sometimes we have to use rubber bands to hold them against our underwear. One time, a prisoner was running and the pad just dropped out onto the middle of the exercise field.

Sempre que nos dão sutiãs, a gente fica doida. Eles são distribuídos por celas, mas (qual sutiã vai conseguir) também depende se você tiver uma conexão com a líder da cela. Se você não se dá bem com a líder, acaba ficando com os restos que ninguém quer, sem chance de escolha. Muitas vezes, pego sutiãs e calças largos demais, então passo para frente.

A mesma coisa com os absorventes. A gente tem que preencher um formulário antes de receber o pacote. Mas são de péssima qualidade e quase não tem cola. Algumas vezes temos que usar elásticos para prendê-los contra a nossa calcinha. Uma vez, uma prisioneira estava correndo e o absorvente caiu no meio do pátio de exercício.

Visto que o dinheiro é necessário para se ter acesso aos produtos básicos, o cárcere pode gerar brigas para as detentas que dependem dos empréstimos. Pla, outra prisioneira, compartilha a própria experiência:

We can withdraw a maximum of 300 baht per day (8 US dollars), an increase from the previous 200 baht maximum. I cannot live on that small amount so I have to take loans ‘from the inside’. But the interest rate is 20 per cent per four days. There are so many creditors-cum-prisoners who have gotten quite rich. Even though the authorities are aware of this, they don’t really want to intervene. If the borrowers do not have the money to pay back, the foodstuffs sent by their relatives are confiscated.

As for work, sometimes we have to do jobs like rolling cigarettes or folding gold leaf used in temples. Each worker needs to produce 400–600 pieces per day to earn about 100 baht every 3-4 months. Who said one doesn’t need money in prison? You do need money to survive.

Podemos sacar até o limite de 300 Bates por dia, (algo em torno de 8,00 dólares americanos) e isso ainda é um aumento da cota anterior de 200 Bates. Não consigo viver com tão pouco, então pego empréstimos dos “de dentro”. Mas a taxa de juros é de 20%, por quatro dias. Muitos dos credores das prisioneiras acabaram ficando ricos. Embora as autoridades tenham ciência disso, eles não querem mesmo intervir. Se quem pegou o empréstimo não tem como pagar de volta, todas as comidas enviadas pelos parentes são confiscadas.

Como ocupação, às vezes podemos trabalhar enrolando cigarros ou dobrando folhas de ouro usadas nos templos. Cada trabalhadora precisa produzir entre 400-600 peças por dia, para ganhar 100 Bates a cada 3 ou 4 meses. Quem disse que não precisa de dinheiro na prisão? A gente precisa dele para sobreviver.

Para comer, ela me perguntou se já usei o “mama” com água fria: é um macarrão instantâneo feito com água fria, já que a prisão não disponibiliza água quente. A comida da prisão é repetitiva e de baixa qualidade. Uma vez ela comeu um mingau de aveia que tinha pés de galinha e de porco e era tão grudento que nem conseguia mastigar.

Essa era a situação antes da Junta Militar chegar ao poder em 2016. Depois disso, as detentas foram proibidas até de cozinhar.

Junta Militar faz reforma para pior

Depois que o Conselho Nacional para a Paz e a Ordem (NCPO, na sigla em inglês) tomou o poder em maio de 2014, o Departamento de Correção, que administra as prisões tailandesas, foi profundamente afetado. O resultado foram novas restrições na vida das prisioneiras.

Auyphon Suthonsanyakor, promotor do programa “De coração para coração” (“From Heart to Heart”, em inglês), que trabalha com a reabilitação a longo prazo das prisioneiras, contou ao Prachatai que as mulheres têm encarado muitos novos desafios desde que o NCPO chegou ao poder.

They have ordered female prisoners not to take anything up to the sleeping hall. They are only allowed to take three pieces of tissue paper with them. But women have specific needs: some are on their period, some wear glasses. They are also barred from taking books. Some women like to write in their diaries and some read prayer books before going to bed. But the NCPO gave a sweeping order to prevent any of that. Prison guards told me they are afraid of being found guilty if they don’t follow the orders.

Eles mandaram que as prisioneiras não levassem nada para os salões de descanso. Só foram autorizadas a levar três lenços umedecidos com elas. Mas as mulheres têm necessidades específicas: algumas estão menstruadas, outras usam óculos. Também foram proibidas de levar livros. Algumas das mulheres gostam de escrever em seus diários e outras de ler as orações antes de ir para cama. Mas o NCPO mandou passar revista para evitar essas coisas. Os guardas da prisão me disseram que têm medo de serem considerados culpados se não obedecerem às ordens.

Sem assistência à saúde, só paracetamol

As prisioneiras têm direito à assistência médica provida pelo Estado. Têm direito ao acesso à saúde pública sob o programa da seguridade nacional de saúde, como qualquer outro cidadão. Mas como as prisões estão superlotadas e sem recursos, a solução para as prisioneiras é, na verdade, bem simples “não ficar doente”.

“Lá dentro, é sempre dito para que não fiquem doente, pois irão receber paracetamol para curar qualquer coisa”, diz Auyphon Suthonsanyakorn.

Há casos de abusos verbais, sofridos pelas prisioneiras, pelos profissionais de saúde. É o que aconteceu com Tick, que voltou para prisão depois de dar à luz, e teve que ir ver o médico lá de dentro.

The stitch that I had got infected. I told a male doctor that but he didn’t even bother to look at it. He said it’d be fine and gave me paracetamol.

He is the in-house doctor there and couldn’t be more rude. When he examined my record, he asked me, ‘How did you get pregnant when you’re so ugly?’. He also asked if the child has a father, or if I was sleeping around. I was so pissed off I cursed back at him. I got punished for that.

Minha cicatriz estava infeccionada. Eu disse isso ao médico (homem), mas ele sequer quis olhá-la. Disse que estava tudo bem e me deu um paracetamol.

Ele é um dos médicos permanentes e não poderia ter sido mais grosso. Ao examinar meu histórico, me perguntou, “como você foi ficar grávida se é tão horrorosa?” Também perguntou se a criança tinha um pai ou se eu estava dormindo com qualquer um. Fiquei com tanta raiva que amaldiçoei ele. Fui punida por isso

As prisioneiras que vivem em pequenos complexos dentro das prisões masculinas enfrentam ainda mais problemas do que as que vivem nos institutos de correção femininos ou daquelas que vivem em alas femininas dentro das grandes prisões centrais. Isso acontece porque as prisioneiras dentro da prisão masculina não têm uma unidade hospitalar própria, mas precisam dividir os cuidados com os detentos. E elas só têm acesso aos cuidados médicos depois que acabaram (os atendimentos) aos internos, devido ao fato do regulamento prisional não permitir que homens e mulheres se misturem.

Auyphon Suthonsanyakorn relata um incidente que reflete a situação dos serviços de saúde nessas prisões:

I’ve seen a case where a woman inmate got really sick and could not get up. She was lying there for many days. When I got in that day, she also had a high fever. When I touched her knee, it was really hot and swollen and badly infected. Yet she wasn’t taken to hospital. Some officers agreed it was a serious case, but they didn’t have enough authority.

Eu já presenciei um caso em que uma interna estava muito doente e não conseguia se levantar. Ela ficou lá, deitada, por dias a fio. Justo quando eu estava lá, ela teve febre alta. Quando toquei no joelho dela, vi que estava muito quente e com infecção. E mesmo assim não a levaram para o hospital. Alguns dos guardas concordaram que era um caso grave, mas não tinham autoridade suficiente.

Por sorte, quando ela não conseguiu encontrar-se com os parentes, eles solicitaram que ela fosse transferida para o hospital. O médico depois disse, que se ela tivesse demorado um pouco mais para ir ao hospital, iria acabar indo era para o próprio funeral.

A situação é igual nas prisões centrais, onde as mulheres dividem as acomodações com os homens e não são levadas ao hospital até que a situação esteja deplorável. Em uma dessas prisões, uma detenta torceu o pé após cair das escadas. Ela foi levada para a unidade de saúde interna e lhe deram uma pomada de uso tópico. A enfermeira diagnosticou que não era grave e, por isso, não foi para o hospital.

Ela manca até hoje. Provavelmente fraturou o osso, mas como nunca recebeu o tratamento apropriado, não consegue andar direito.

De alguma forma os institutos de correção femininos são melhores. Os médicos costumam visitar pelo menos uma vez por semana e as mulheres têm acesso a uma gama maior de remédios.

Quando o inverno chega, as detentas das prisões do norte e nordeste sofrem com as baixas temperaturas. Geralmente é dado três cobertores para cada pessoa, que são usados como travesseiro, cobertor e colchão, respectivamente. Porém, no inverno, não é o suficiente.

Chartchai Suthiklom, ex-diretor do Departamento de Correção, hoje Comissário Nacional dos Direitos Humanos, alega que, por princípio, as prisões são obrigadas a prover as necessidades básicas das prisioneiras.

Porque as prisões estão transbordando de prisioneiras? Isso quer dizer que a sociedade tailandesa tem mais criminosos ou pessoas ruins do que outras? Ou tem alguma coisa errada com o sistema judiciário da Tailândia?

As condições atrozes das prisões são culpa do Departamento de Correção ou das prisões? Na verdade, ambos dividem as responsabilidades. Embora as prisões sejam apenas uma pequena parte dentro do contexto de um judiciário ineficiente. Os problemas enfrentados pelas prisioneiras não advêm somente das arraigadas hierarquias dentro das prisões, como também são causados, no fundo, pelo parco orçamento do departamento de correções.

Um total de 84,58% das detentas foram sentenciadas por causa de drogas. Até 1º de junho de 2016, dos 35.768 condenados, 30.821 foram sentenciados por crimes envolvendo drogas. As rigorosas leis tailandesas estão colocando mais e mais pessoas em prisões de má condições.

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