‘No nosso mundo, ou se nasce com o passaporte certo ou não’

French police evicting Calais residents in March 2016. CC BY-SA 4.0

A polícia francesa a expulsar os residentes de Calais em março de 2016. CC BY-SA 4.0

Há algumas semanas atrás, o presidente francês François Hollande anunciou que o campo de refugiados “Selva de Calais” seria desmantelado, deixando milhares de refugiados indigentes, incluindo menores não acompanhados, no norte de França sem terem para onde ir. Embora muitos deles tenham, desde aí, sido capazes de submeter pedidos de asilo, a verdade continua a ser que, durante meses a fio, estes refugiados de países como a Síria, Afeganistão e Eritreia dependiam da ajuda de ONGs de pequena escala e do público, sem qualquer assistência por parte do governo francês.

Amélie Jacques, uma famosa blogger francesa que cresceu em Paris e Roma, viveu em Ouagadougou, Burkina Faso e mora agora em Soweto, África do Sul. No rescaldo da tensa situação dos refugiados em Calais, num pequeno ensaio no seu blog “Ubuntu“, ela expressou a sua preocupação sobre as políticas severas do governo francês que limitam a entrada de refugiados no país. Também contrastou o quão fácil é, para ela, viajar com um passaporte francês comparativamente com o quão difícil isso é para pessoas de outros países:

Qu’ils soient réfugiés, demandeurs d’asile, migrants économiques, fuyant la guerre, les persécutions ou cherchant un avenir… tous les migrants devraient pouvoir entrer et s’installer en Europe, en France. Aucun argument ne tient d’un point de vue moral pour refuser à des hommes d’entrer et de rester dans un pays.

Mon pays refuse visa et asile à des hommes, des femmes, des familles qui viennent y chercher la paix, un emploi, etc. A moi pourtant, on ne m’a jamais refusé de traverser une frontière. Pour des vacances en famille, pour étudier ou même pour travailler, à chaque fois c’est une formalité : quelques documents à fournir parfois, quelques dizaines d’euros, éventuellement un vaccin, et hop ! J’ai pu entrer et rester de quelques semaines à plusieurs années en Angleterre, aux États-Unis, en Italie, au Burkina Faso, en Iran, aujourd’hui en Afrique du Sud…

Sur quoi se fonde cette inégalité ? Les Français ne valent pourtant pas mieux que d’autres hommes et femmes pour avoir plus de droits. Plus de droits, ce sont des privilèges ; et en l’occurrence, des privilèges basés sur la naissance car dans notre monde, on naît avec le bon passeport… ou pas. Cette situation d’inégalité de droits est moralement intenable. Soit on nivèle par le bas en cantonnant tous les hommes au territoire où ils sont nés, soit on reconnaît pour tous un droit à migrer.

Independentemente de eles serem refugiados, requerentes de asilo, migrantes económicos, de estarem a fugir de uma guerra, de perseguição ou simplesmente à procura de um futuro melhor … todos os migrantes deveriam ser capazes de vir para França e para outros locais da Europa. Não há qualquer justificação moral para não permitir às pessoas que venham e vivam noutro país.

O meu país nega pedidos de visto e asilo que são submetidos por homens, mulheres e famílias que vêm à procura de paz, trabalho e por aí em diante, porém nunca ninguém me proibiu de atravessar a fronteira para ir de férias com a minha família, estudar no estrangeiro ou mesmo para trabalhar. De cada vez que viajo, há algumas formalidades — um pouco de burocracia, fazer câmbio ou pagar alguns euros e, por último, tomar vacinas — e depois é só ir embora! Consegui ir e ficar durante várias semanas — até vários anos — em Inglaterra, nos Estados Unidos, Itália, Burkina Faso, Irão e agora África do Sul.

Em que se baseia este preconceito e desigualdade? O povo francês não é mais merecedor de direitos do que outros homens e mulheres. Mais do que direitos, são privilégios. Além do mais, tais privilégios baseiam-se no local em que se nasce porque no nosso mundo, ou se nasce com o passaporte certo ou não. Tal desigualdade de direitos está desprovida de toda a moralidade. Ou descemos um degrau na escada do privilégio e limitamos cada pessoa ao país em que nasceram ou permitimos que todos os seres humanos tenham o direito a migrar e sair da sua própria terra.

Já há muito que a França é uma nação de imigração com debates em torno da assimilação e identidade secular, particularmente no que diz respeito a migrantes de antigas nações coloniais como a região do Magrebe da Argélia, Marrocos e norte de África. No entanto, à luz da recente crise dos refugiados, a resposta da França tem sido bastante pobre, ao contrário da sua vizinha europeia Alemanha.

Inicialmente, o governo francês comprometeu-se a receber refugiados da Síria, mas, na prática, não é um recetor prinicipal de refugiados provenientes da Síria. O Reino Unido e a França têm, na realidade, estado bloqueados num duelo de vontades numa tentativa de passar a responsabilidade de receber refugiados. A França afirma que estes refugiados querem chegar ao Reino Unido, enquanto que o governo britânico nem quer abrir completamente as suas portas.

Em geral, a Europa continua dividida sobre o assunto de reinstalar refugiados de países devastados pela guerra e alguns membros da União Europeia continuam a expressar hostilidade em relação à ideia.

 

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