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Prisioneiro de Guantánamo enviado para Cabo Verde

Categorias: Cabo Verde, Cuba, Estados Unidos, Portugal, Direitos Humanos, Guerra & Conflito, Mídia Cidadã, Política
Prisão de Guantánamo, Cuba. Foto: Kathleen T. Rhem - https://web.archive.org/web/20060222101151/http://www.defenselink.mil/home/features/gitmo/, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=74900

Prisão de Guantánamo, Cuba. Foto: Kathleen T. Rhem [1]Domínio Publico [2].

Shawqi Awad Balzuhair, de 34 anos e natural do Iémen, esteve preso durante 14 anos sem acusação formal na prisão de Guantánamo sob suspeita de ser militante da al-Qaeda. O suspeito foi transferido para Cabo Verde [3] segundo um comunicado [4] emitido no domingo (04.12) pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América garantindo que “Balzuhair já não constitui perigo para os EUA”:

A Periodic Review Board consisting of representatives from the Departments of Defense, Homeland Security, Justice, and State; the Joint Chiefs of Staff, and the Office of the Director of National Intelligence determined continued law of war detention of Balzuhair does not remain necessary to protect against a continuing significant threat to the security of the United States.

Um Conselho de Revisão Periódica representado pelo Departamento de Defesa, Segurança Interna, Justiça e Estado (…) determinou que a detenção de Balzuhair já não é necessária para proteção contra uma ameaça significativa e contínua à segurança dos Estados Unidos.

É a segunda vez que este arquipélago africano recebe prisioneiros de Guantánamo. Segundo a Voz da América [5], “em julho de 2010 Cabo Verde recebeu Abdul [Nasir Khan Tumani] cujo filho, também prisioneiro, foi transferido para Portugal.” A maior parte dos prisioneiros de Guantánamo nunca chegaram a ser formalmente acusados e julgados. A suspeita de serem terroristas nunca chegou a confirmar-se. Após anos de detenção e maus tratos, tem-se verificado que grande parte destes homens detidos são cidadãos inocentes que estavam no sítio errado quando foram capturados e consequentemente transportados para a baía de Guantánamo. Foi o que aconteceu com Mohamed Khan Tumani [6] — filho de Abdul Nasir Khan Tumani:

Tumani foi preso na prisão paquistanesa juntamente com o pai, acusado de ser um veterano de guerra que se juntou ao grupo da Al-Qaeda. O pai testemunhou a seu favor em tribunal. A meio do interrogatório, Tumani ainda pediu para rezar. Os juízes concordaram e interromperam a sessão.

Contudo, a transferência de Balzuhair está a preocupar os internautas cabo-verdianos. No Facebook, Jorge Eduardo Pires Monteiro [7] questiona:

Porquê que Cabo Verde aceitou essa transferência? Porque não enviar esse sujeito para a sua terra natal? Estamos a brincar com fogo e a queimadura pode ser desastrosa. A nossa fragilidade não nos permite estar a enfrentar certas coisas. Deixemos do politicamente correcto e enverguemos pelo real, pelo óbvio, pelo certo. NÃO CONCORDO, SEJA QUEM FOR ESTIVER NO PODER EM CABO VERDE, PARA ASSINAR ACORDOS DESSA NATUREZA. Há muitos anos, na década de 80, eram os terroristas da ETA, agora os terroristas da El Qaeda. Afinal, na minha modesta opinião, este assunto de receber terroristas no nosso solo deveria ser REFERENDADO para que o Povo seja de facto soberano na decisão.

Segundo a imprensa [8], as autoridades norte-americanas não devolveram Balzuhair ao Iémen por causa de uma guerra civil que fustiga o país. A advogada do ex-prisioneiro refere que [5] o seu cliente deseja apenas ter uma vida normal:

Ângela Viramontes, disse que o seu cliente deseja o anonimato e “quer casar, ter filhos e um emprego”.

Outra razão porque alguns dos ex-prisioneiros de Guantánamo não podem ser repatriados deve-se à insegurança. Indivíduos como Mohamed Tunami correm o risco de serem perseguidos e torturados se regressarem a países como a Síria:

No final da sessão, o recluso [Mohamed Tunami] pediu que ele e o pai fossem libertados. Mas alertou para não serem enviados para o seu país natal, a Síria. “Sei que vão pensar que somos terroristas e vão matar-nos”, disse. Tumani foi acolhido em Portugal, o pai foi levado para Cabo Verde.

Encerrar a prisão de Guantánamo, uma promessa falhada?

Prisioneiros aguardam para serem "processados" à chegada à prisão de Guantánamo em janeiro de 2002. Foto de Arquivo: Petty Officer 1st class Shane T. McCoy, U.S. Navy. - http://www.scoop.co.nz/stories/WO0201/S00047.htm, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3936190

Prisioneiros aguardam para serem “processados” na chegada à prisão de Guantánamo em janeiro de 2002. Foto de Arquivo: Petty Officer 1st class Shane T. McCoy, U.S. Navy [9]. Domínio Publico [10].

A prisão de Guantánamo foi criada em 2002 na base naval norte-americana, situada na parte sul da ilha de Cuba, para receber os suspeitos de terrorismo contra os EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001 e logo após a invasão das forças aliadas ao Afeganistão.

guantanamo_bay_mapA prisão foi, no entanto, alvo de inúmeras críticas por várias violações dos direitos humanos. As detenções arbitrárias repetiram-se ao longo dos anos. Muitos inocentes foram torturados em Guantánamo. Acusações que o governo norte-americano nunca reconheceu por defender que a prisão não estava sujeita à Convenção de Genebra. Por esta razão, Barack Obama prometeu encerrar o centro de detenção quando começou o seu primeiro mandato [11], como Presidente dos Estados Unidos da América, em 2008:

Logo quando assumiu a presidência, Obama assinou um decreto que ordenava o encerramento da prisão que chegou a ter 680 detidos em 2003, segundo a Associated Press (AP).

Mas a tarefa de encerrar Guantánamo não tem sido fácil:

O Congresso norte-americano impediu a sua concretização, principalmente porque presumia a transferência de prisioneiros para estabelecimentos prisionais nos EUA.

O republicano Ed Royce, responsável pelos Negócios Estrangeiros, reforça [12], num comunicado citado pela Agência Reuters, a posição do congresso:

Nesta corrida pelo encerramento de Guantánamo, a Administração Obama está a investir em políticas que colocam os norte-americanos em risco. Mais uma vez, grandes terroristas são libertados em países estrangeiros, onde serão uma ameaça.

A oposição que Obama tem enfrentado não vem somente da ala republicana. Dentro do seu próprio partido há, também, quem tema pela libertação destes indivíduos “potencialmente perigosos” em solo norte-americano.

Se não vão para os EUA, vão para onde?

O portal de informação cabo-verdiano, OceanPress, dizia em abril [13] que “57 antigos prisioneiros de Guantánamo foram transferidos para 13 países africanos, entre eles Cabo Verde”, em reação a esta notícia, o internauta Gilberto Correia [14] disse o seguinte:

Tem que ser sempre África a receber porque não a Europa ou América do Sul…ou os próprios EUA.

Rute Brito Keila [15] responde:

Porque África é tido como quintal do mundo.

Ao contrário do que se possa imaginar, os detidos de Guantánamo estão a ser, depois de “ilibados”, transferidos para várias partes do mundo e não apenas para o continente africano. Desde o Uruguai na América Latina à Albânia na Europa, são vários os países que têm anuído à transferência destes indivíduos. No entanto, a União Europeia tem vindo a “torcer o nariz [16]” aos EUA no que diz respeito a esta matéria por considerar que os norte-americanos devem permitir que estes reclusos vivam em liberdade no seu próprio país e não envia-los para países terceiros:

One of the major obstacles to European support, of course, has been the Bush administration’s unwillingness to accept responsibility for its own mistakes by working to secure the release of cleared prisoners into the United States. For several years, State Department officials have been touring the world, attempting to persuade third countries to accept some of these men, but without success. Their failure is partly because the administration refuses to concede that any prisoners seized in the “War on Terror” are innocent men captured by mistake — choosing instead to refer to them as “No Longer Enemy Combatants” or “enemy combatants” who have been “approved for transfer” — but it is also because the administration has taken a hectoring tone with other countries, chastising them for failing to help, rather than addressing them in a conciliatory manner.

Um dos maiores obstáculos ao apoio europeu foi claramente a falta de vontade do governo Bush de aceitar a responsabilidade dos seus próprios erros e garantir o envio dos prisioneiros “ilibados” para viverem em liberdade nos Estados Unidos. Durante vários anos, membros do Departamento de Estado têm visitado o mundo, tentando persuadir países terceiros a aceitar alguns desses homens, mas sem sucesso. O seu fracasso deve-se à recusa da administração em admitir que qualquer prisioneiro capturado na “Guerra ao Terror” seja um homem inocente, capturado por engano — escolhendo chamar-lhes “ex-combatentes inimigos” ou “combatentes inimigos que foram aprovados para a transferência” — mas também porque a administração tomou um tom recriminador com outros países, castigando-os por não ajudar, ao invés de abordá-los de forma conciliatória.

Entretanto, em 2008 o ministro dos negócios estrangeiros português, Luís Amado, numa tentativa de apaziguar o “azedume” entre os EUA e a UE sobre Guantánamo declarou, num comunicado [16], que Portugal estava preparado para receber os prisioneiros que estivessem “ilibados”:

As rumors continue to fly regarding Barack Obama’s plans to close [17] the notorious “War on Terror” prison at Guantánamo Bay, one country in the European Union, Portugal, took the opportunity offered last Wednesday by the 60th anniversary of the Universal Declaration of Human Rights [18] — one of whose Articles declares, “Everyone has the right to seek and to enjoy in other countries asylum from persecution” — to announce that it was prepared to accept prisoners cleared from Guantánamo who are unable to be repatriated, and to urge other EU countries to do the same.

Enquanto continuam os rumores sobre os planos de Barack Obama em fechar a prisão notória pela “Guerra ao Terror” em Guantánamo, um país da União Europeia, Portugal, aproveitou a oportunidade oferecida na última quarta-feira pelo 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos —cuja um dos artigos declara: “Toda a pessoa tem o direito de procurar e de gozar em outros países asilo de perseguição” — para anunciar que está preparado para aceitar os prisioneiros libertados de Guantánamo que não podem ser repatriados e para instar outros países da UE para que façam o mesmo.

Em 2009, chegam a Portugal [19] dois prisioneiros de Guantánamo, entre eles o jovem Mohamed Tunami, com um registo criminal limpo e a promessa de começar uma nova vida [6]. Ambos provenientes da Síria, os dois ex-reclusos estiveram 13 anos encarcerados por suspeita de pertencerem à organização de Bin Laden.

A Alemanha, Espanha e o Reino Unido também aceitaram o repatriamento de prisioneiros desde que fossem “residentes legais daqueles países.”

Passaram pelo centro de detenção de Guantánamo cerca de 780 prisioneiros, na sua maioria suspeitos de ligações terroristas. A Administração Obama tem conseguido reduzir [11] o número de detidos durante os últimos oitos anos. Atualmente, tem apenas 59 suspeitos encarcerados:

Fonte oficial disse, à AP, sob condição de anonimato, que a situação de 20 dos 60 detidos já foi analisada, e a sua transferência autorizada, e espera-se que um “número significativo” destes presos ainda deixe Guantánamo antes que Obama saia da Casa Branca.

Com o segundo mandato a chegar ao fim, tudo indica que Obama não vai ser capaz de cumprir com a promessa [11] de encerrar de vez a Prisão de Guantánamo. A 20 de janeiro de 2017, Donald Trump assume a presidência dos EUA, o novo Presidente eleito já avisou que não tem intenção de encerrar aquele centro de detenção:

Esqueçam o encerramento de Guantánamo, Trump vai torná-la ainda maior