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Blogueiro é condenado à morte na Mauritânia por denunciar a discriminação contra os ferreiros

Categorias: África Subsaariana, Mauritânia, Etnia e Raça, Governança, Liberdade de Expressão, Mídia Cidadã, Religião
Source site d'ibnkafkasobiterdicta.wordpress.com, Divagations d'un juriste marocain en liberté surveillée, qui affirme

Do site Ibn Kafka, em que o jurista afirma [1] que “se a história da Mauritânia é feita de sofrimentos e de injustiças, ela também é feita de resistência e de dignidade exemplar”.

O blogueiro Mohamed Ould Cheikh M’kheitir foi condenado à morte pela Corte Criminal de Nouadhibou, na Mauritânia, por ter publicado na internet um texto em que critica a utilização do islamismo para justificar  [2]o fenômeno medieval do sistema de castas.

Filho do prefeito desta cidade, capital econômica regional, Mohamed Ould Cheikh M’kheitir é formado em contabilidade, tem 29 anos e pertence à casta dos ferreiros. Ele havia entrado com um recurso contra a condenação. Em um texto publicado pelo site chezvlane.com, ele escreveu [3] em 25 de dezembro de 2014:

Ceux qui osent inventer de faux hadiths et les attribuent au prophète (paix et salut d’Allah sur lui), aucune morale ni religion ne peut l’empêcher d’interpréter à leur guise un article écrit par un simple jeune, novice de surcroît. Ils ne ménageront aucun effort afin de mobiliser la passion du musulman commun au service de leurs intérêts. C’est ainsi qu’ils ont prétendu que les forgerons ont Blasphémé à l’encontre du prophète (paix et salut d’Allah sur lui)  à travers un article écrit par un des leurs, tout comme ils avaient prétendu que celui qui avait fait tomber les dents du prophète lors de la bataille du mont Ouhoud était un forgeron.

C’est dans ce cadre que je voudrais confirmer ici ce qui suit :

1. Je n’ai pas, consciemment ou inconsciemment, blasphémé à l’encontre du prophète (Paix et Salut d’Allah sur lui) et je ne le ferai jamais. Je ne crois d’ailleurs pas qu’il y ait dans ce monde plus respectueux envers lui (paix et salut d’Allah sur lui) que moi.

2. Tous les faits et récits que j’ai cité dans mon précédent article revêtent un caractère historique et véridique. Ces récits ont naturellement leurs interprétations littérales et superficielles et leurs sens visés et profonds

Aqueles que ousam inventar falsos hádices atribuindo-os ao profeta (que a paz e as bênçãos de Alá estejam sobre ele), nenhuma moral nem religião pode impedi-los de interpretar a seu modo um artigo escrito por um simples jovem, noviço ainda por cima. Eles farão o que for possível para mobilizar a paixão do muçulmano comum a serviço de seus interesses. Foi assim que eles declararam que os ferreiros blasfemaram contra o profeta, (que a paz e as bênçãos de Alá estejam sobre ele) por meio de um artigo escrito por um deles, assim como eles afirmaram que aquele que havia feito cair os dentes do profeta durante a batalha do monte Uhud era um ferreiro.

É nesse contexto que eu gostaria de confirmar aqui o que segue:

1. Eu não blasfemei, consciente ou inconscientemente, contra o profeta (paz e bênçãos de Alá sobre ele) e jamais o farei. Aliás, eu não acredito que exista no mundo alguém mais respeituoso com relação a ele (paz e bênçãos de Alá sobre ele) do que eu.

2. Todos os fatos e relatos que citei no meu artigo precedente têm um caráter histórico e verídico. Esses relatos têm, naturalmente, suas interpretações literais e superficiais e seus sentidos intencionais e profundos.

Mohamed Cheikh Ould Mohamed, publié sur ODH Mauritanie [4]

Mohamed Ould Cheikh M'kheitir, publicado em ODH Mauritanie

 

Em 21 de abril de 2016, a pena capital foi confirmada [5] em segunda instância, mas com uma requalificação dos fatos. Com efeito, ele não é mais considerado como apóstata, mas unicamente como infiel.

Com essa requalificação das acusações contra ele, os militantes pelos direitos humanos da Mauritânia ainda têm esperança de que a Suprema Corte, acionada pela defesa, pronuncie uma sentença mais clemente.

O site senegalês relembra os fatos [6]:

Ce jeudi, la cour d'appel n'a pas suivi l'accusation qui demandait la confirmation de la peine. Les avocats s'en félicitent même si évidemment pour eux cela ne suffit pas. Cela fait maintenant deux ans et trois mois que Mohamed Cheikh ould Mkheitir a été arrêté pour un simple article posté sur internet. Cet article a été jugé blasphématoire envers le prophète et l'islam, il a choqué la partie la plus conservatrice de l'opinion mauritanienne qui a salué à l'époque sa condamnation à mort.

Nesta quinta-feira, a decisão de segunda instância não seguiu a acusação, que pedia a confirmação da pena. Os advogados comemoram mesmo se, evidentemente, para eles isso não é suficiente. Há dois anos e três meses, Mohamed Ould Cheikh M’kheitir foi detido por um simples artigo postado na internet. Esse artigo foi considerado uma blasfêmia contra o profeta e contra o islamismo, ele chocou a parte mais conservadora da opinião da Mauritânia, que aclamou na época sua condenação à morte.

Não se pode negar que é possível que o blogueiro receba uma pena severa principalmente por razões de política interna. Com efeito, em um artigo publicado no site da Anistia Internacional, no dia 26 de abril deste ano, a jornalista e militante pelos direitos humanos Sabine Cessou escreve, citando um colega de forma anônima [7]:

toute l’affaire relève « de la politique intérieure, avec un tribunal qui veut donner des gages aux salafistes – une tendance en plein essor dans notre pays, comme dans tout le monde arabo-musulman ».

Todo o processo depende “da política interna, com um tribunal que quer dar provas aos salafistas – uma tendência cada vez mais comum no nosso país como em todo o mundo árabe muçulmano”.

Em um comunicado sobre o assunto, a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) cita Fatimata Mbaye [8], presidente da Associação mauritaniana de direitos humanos [9] (AMDH), ex-vice-presidente da FIDH e advogada dos militantes anti-escravismo:

Cette condamnation, la première pour “apostasie” en Mauritanie depuis l’indépendance, constitue un recul de la tolérance et démontre à quel point les questions de caste, de religion, d’esclavage et donc de démocratie sont tabous en Mauritanie. Nous observons un durcissement du pouvoir et de la société contre toutes les voix contestataires sur ces sujets.

Esta condenação, a primeira por “apostasia” na Mauritânia desde a independência, constitui um recuo da tolerância e demonstra a que ponto as questões das castas, da religião, da escravidão e, logo, da democracia são tabus na Mauritânia. Observamos um endurecimento do poder e da sociedade contra todas as vozes contestadoras sobre esses assuntos.

Após a publicação da postagem, extremistas religiosos haviam incitado a opinição pública a pedir o enforcamento do blogueiro. O site senegalês Leral  descreve a atmosfera [10] criada no país contra o acusado:

Des milliers de mauritaniens dont certains ont lu, d'autres pas du tout, l'article incriminé avaient battu le pavé, à Nouakchott, Nouadhibou et ailleurs pour exiger sa pendaison pure et simple, il y a un an de cela…. [Le] président de la République, devant la foule de manifestants amassée devant le portail de son palais avait déclaré : ” Je vous remercie de tout cœur pour votre présence massive en ce lieu pour condamner le crime commis par un individu contre l'Islam, la religion de notre peuple, de notre pays, la République Islamique de Mauritanie, comme j'ai eu à le préciser par le passé et le réaffirme aujourd'hui, n'est pas laïque et ne le sera jamais…. je vous assure en conséquence que le Gouvernement et moi-même ne ménagerons aucun effort pour protéger et défendre cette religion et ses symboles sacrés… ». Cette déclaration du président, celle des différents partis politiques conjugués avec les manifestations et fatwas ont eu raison de lui.

Milhares de mauritanianos – dos quais alguns leram, outros não, o artigo incriminado – perambulavam em Nouakchott, em Nouadhibou ou em outras cidades para exigir seu enforcamento puro e simples, um ano atrás… [O] presidente da República, diante da multidão de manifestantes reunida em frente ao portão do palácio, havia declarado: “Eu agradeço de todo coração sua presença massiva aqui para condenar o crime cometido por um indivíduo contra o Islam, a religião de nosso povo, de nosso país; a República Islâmica da Mauritânia, como eu já precisei no passado e reafirmo hoje, não é e nunca será laica… Eu garanto, então, que o governo e eu mesmo faremos de tudo para proteger e defender essa religião e seus símbolos sagrados…”. Essa declaração do presidente e aquelas de diferentes partidos políticos, associadas às manifestações e fátuas triunfaram sobre o blogueiro.

O apoio ao blogueiro atraiu a ira dos extremistas contra Aminetou Mint Moctar, ganhadora em 2006 do prêmio de direitos humanos da França e, em 2010, da medalha de Cavaleiro da Legião de Honra francesa. Uma fátua foi emitida contra esta personalidade, que, como revelou [11] o site Africa News, foi a primeira mulher mauritaniana a ser indicada ao Nobel da Paz por seu engajamento na luta pelos direitos humanos .

Yehdhih Ould Dahi, chefe da corrente islamita radical “Ahbab Errassoul” (os amigos do Profeta) proclamou [12], de acordo com o site w41k.com:

«Cette méchante qui défend Mkheitir et disant qu’il s’agit d’un prisonnier d’opinion, et qui a demandé sa libération pour qu’il soit rendu à sa femme, cette femme qui décrit les amis du Prophète comme des Boko Haram et des Takfiris seulement parce qu’ils demandent le respect de l’honneur du Prophète, qu’elle soit damnée par Allah, les anges et tous les gens. Aujourd’hui, je vous annonce avec la bénédiction d’Allah, son apostasie pour avoir minimisé l’outrage à l’honneur du Prophète. C’est une infidèle, dont il est légitime de s’emparer de son sang et de ses biens. Celui qui la tuera ou lui crèvera les yeux sera récompensé par Allah».

“Essa maldosa, que defende Mkheitir dizendo que ele é um prisioneiro de consciência e que pediu sua liberação para que ele volte para sua mulher; essa mulher que compara os amigos do Profeta ao Boko Haram e aos Takfiris somente porque eles pedem o respeito à honra do Profeta, que ela seja condenada por Alá, pelos anjos e por todo mundo. Hoje, eu anuncio com a bênção de Alá, sua apostasia por ter minimizado o ultraje à honra do Profeta. É uma infiel, de quem é legítimo tirar o sangue e os bens. Aquele que a matar ou furar seus olhos será recompensando por Alá”.

A atmosfera que envolve este caso parece se tornar mais serena, mas o que é certo, é que a condenação à morte do blogueiro Mohamed Ould Cheikh M’kheitir continua em vigor e que ele continua na prisão.