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Quando um político francês e uma miss congolesa são criticados na internet por declarações sobre a colonização

Categorias: África Subsaariana, Europa Ocidental, França, República Democrática do Congo, Arte e Cultura, Direitos Humanos, Educação, Eleições, História, Indígenas, Mídia Cidadã, Relações Internacionais
Dorcas Dienda et François Fillon

Dorcas Dienda e François Fillon

François Fillon e Dorcas Dienda têm pouca coisa em comum. Mas o ex-primeiro-ministro francês e possível candidato às eleições presidenciais de 2017 e a candidata à miss República Democrática do Congo tiveram que enfrentar as críticas dos internautas africanos após as suas declarações sobre a colonização de uma parte do continente africano pela França.

Fillon, pré-candidato de direita, declarou no dia 30 de agosto que a França não era “culpada de ter compartilhado sua cultura com os povos africanos [1]“, referindo-se à colonização. A declaração de Fillon ocorreu durante a apresentação de seu projeto de reorganização dos programas escolares em que destaca a importância de reaprender, na escola, o orgulho de ser francês.

A frase não passou despercebida nas redes sociais.  A hashtag #partagedecultureinFrench [2] (“compartilhar cultura em francês”) foi bastante utilizada no Twitter e no Facebook para reunir as declarações do pré-candidato e lembrá-lo do que significa o período colonial para os países africanos:

Teste nuclear em Reggane: 150 prisioneiros argelinos utilizados como cobaias humanas

Isso é dividir! Pequena excursão entre amigos

“Missão civilizadora”, 1911. Percebam o seio coberto para não chocar os não-civilizados

Vocês não sabem nada de cultura, bando de selvagens. Mesmo assim, vamos guardar suas obras para os nossos museus.

A opinião de Fillon remete à lei de 2005 que havia instaurado a noção de “papel positivo” da colonização. O historiador martinicano Gilbert Pago explica [12] como a elite francesa pode tão facilmente ocultar toda uma parte de sua história [13]:

Nous sommes dans un moment pénible des montées des chauvinismes nationalistes, des poussées populistes du rejet de l’autre, des affirmations de sectarisme racialiste, des replis identitaires ; tout ceci accompagnant la crise mondiale. Mais nous devons nous interroger sur l’esprit de fermeture de dirigeants politiques qui voudraient électoralement surfer sur ce qui est une régression du vivre ensemble. Pour que la France avance, pour que l’Europe aille de l’avant, pour que l’humanité entière se propulse et pour que nous Antillais nous progressions, il faut refuser le « négationnisme » de l’histoire du monde, c’est à dire de notre histoire à toutes et à tous. Il faut tant du côté des descendants des vainqueurs que du côté des descendants des vaincus. [Il ajoute [12]] Ce n'était pas un partage de culture, c'était un choc, un trauma quant à la conquête de richesses, de marchés et de main d’œuvre et de destruction d'êtres humains, de civilisations et de biens matériels.

Estamos passando por um momento complicado de aumento do chauvinismo nacionalista, de arrancada populista da rejeição do outro, das afirmações de sectarismo racial, dos isolamentos identitários; tudo isso acompanhando a crise mundial. Mas devemos nos questionar sobre o espírito fechado de dirigentes políticos que querem surfar eleitoralmente numa onda de regressão da vida em sociedade. Para que a França avance, para que a Europa siga em frente, para que a humanidade inteira se desenvolva e para que nós, antilhanos, progridamos, é preciso recusar o “negacionismo” da história mundial, quer dizer, da história de cada um de nós. Isso cabe tanto aos descendentes dos vencedores quanto aos descendentes dos vencidos. [Ele acrescenta [12]] Não foi uma partilha de cultura, foi um choque, um trauma quanto à conquista de riquezas, de mercados e de mão de obra e quanto à destruição de seres humanos, de civilizações e de bens materiais.

Alain Manbackou já havia declarado em 2007 [14] que, de qualquer forma:

Após meio século de descolonização formal, as jovens gerações aprenderam que, da França, assim como das outras potências mundiais, não se pode esperar muita coisa. Os africanos se salvarão a si mesmo ou sucumbirão. Por enquanto, e no que se refere à África, falta simplesmente à França o crédito moral que a permitiria falar com razão e autoridade.

Para Dorcas Dienda, a jovem candidata à miss, a questão sobre o período colonial ocorreu de forma diferente.  Durante o programa de televisão Miss Répública do Congo de 30 de agosto, a questão do “made in Congo” versus indústria ocidental foi colocada. Dienda explica então que “o homem branco é mais inteligente que o homem negro [15]“. Abaixo, um trecho do programa, em francês:

 

As reações não demoraram e provocaram a indignação dos internautas congoleses. Vários deles criticaram Dienda e exigiram explicações, o que ela acabou fazendo através de um vídeo no YouTube:

Mas já era tarde demais. Abaixo, algumas das reações, como a do rapper congolês Alesh:

#ForaDorcasDienda #TudoMenosMissRacista#SouNegroEMuitoInteligente

É um escândalo afirmar isso: “o homem branco é mais inteligente que o homem negro”.

Quando o complexo de inferioridade toma conta da gente.

Não é a primeira vez que a história da África coloca personalidades públicas em maus lençóis. O famoso discurso de Dakar, de Nicolas Sarkozy em 2007, afirmando que o homem africano “não entrou na história [14]“, continua na memória de muitos [23].

A solução se encontra, sem dúvida, em um melhor conhecimento desta história, da resistência dos povos contra toda forma de opressão nos quatro cantos do mundo.