O nome José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos pode não lhe dizer muito mas em Portugal ficou conhecido por Zeca Afonso, o autor da música Grândola Vila Morena. A canção tornou-se célebre na revolução de Abril quando tocou na rádio servindo como um dos sinais para dar inicio à revolta dos militares que ditou a queda do regime ditatorial que se vivia em Portugal até 1974. Curiosamente, a família do cantor tem uma ligação histórica com Timor.
No início da Segunda Guerra Mundial, o pai de Zeca Afonso, que era juiz em Moçambique, pediu para ser colocado em Dili. A família separou-se, o casal e a irmã mais nova, Mariazinha, partiram para Timor enquanto o cantor e o seu irmão, João, foram para Portugal estudar. A família passaria a corresponder-se por carta, até que um dia as cartas pararam. José e João deixaram de saber notícias dos pais e de Maria das Dores – Mariazinha:
Em 1939 os seus pais foram viver para Timor, onde seriam cativos dos ocupantes japoneses durante três anos, entre 1942 e 1945. Durante esse período, Zeca Afonso não teve notícias dos pais.
Os japoneses invadiram a ilha de Timor sob o pretexto de estarem a defender-se das tropas aliadas que também estavam no território tendo violado a neutralidade de Portugal face ao conflito:
Tudo aconteceu durante a segunda Grande Guerra Mundial. Portugal declarou-se neutral perante o conflito. Primeiro entraram os aliados dizendo que o faziam como forma de impedir o desembarque dos japoneses. Depois entraram estes últimos com o argumento de que queriam expulsar os aliados. No meio de tudo isso mais de quarenta mil timorenses faleceram durante a ocupação e os portugueses ficaram reféns dos invasores.
Setenta anos depois, “Mariazinha” voltou a Timor acompanhada pelo cineasta Luís Filipe Rocha. Em outubro de 2015, a irmã de Zeca Afonso revisitou os locais por onde viveu e estudou incluindo onde permaneceu cativa dos japoneses durante três anos. Antes de partirem para Timor, o realizador dizia à imprensa que:
Acompanharemos Maria das Dores na dilacerante separação dos irmãos e na viagem com os pais, pelos Mares do Sul, em três barcos diferentes, até Timor. Procuraremos a Casa em Lahane, a escola e a vida ao ar livre, no mato e nos ribeiros, com os amigos Liquiçá, o cavalo que montava em pelo, e Bonita, a cabrinha preta.
A história destes portugueses, que estiveram presos durante a Segunda Guerra Mundial numa longínqua ilha do sudeste asiático, permaneceu em segredo na família Afonso dos Santos durante décadas.
Os portugueses que viviam em Timor durante a II Guerra Mundial foram colocados em campos de concentração japoneses. Entre eles estavam os pais e a irmã do cantautor Zeca Afonso.
Nas memórias de Mariazinha ainda reside o cheiro das rosas de Ermera, um distrito do interior de Timor-Leste rico em café.
Maria das Dores, que recorda até hoje o cheiro a rosas em Ermera, o coração da região do café timorense, a sudoeste de Díli e onde passou férias com os pais – só se reencontra com os irmãos seis anos depois, em fevereiro de 1946.
A história deu origem ao livro “O último dos colonos: entre um e outro mar” escrito pelo irmão, João Afonso dos Santos, e vai resultar num documentário. A saga da família Afonso dos Santos, cujas gravações ficaram concluídas em 2015, deverá ser apresentada ao público em 2017: