Pornografia, prostituição ou morte: como é ser trans na província de Khyber Pakhtunkhwa, no Paquistão

Mulheres trans celebram o Eid, no Paquistão. Foto gentilmente cedida pelo grupo Trans Action Pakistan.

Em junho, três homens armados invadiram uma casa na cidade de Mansehra, no Paquistão, e tentaram estuprar sua moradora, em quem acabaram atirando várias vezes. A pessoa em questão era uma mulher transgênero chamada Kashi, apenas uma das muitas mulheres transgênero que foram agredidas nos últimos meses no Paquistão.

Em maio, Alesha, mulher transgênero e ativista do grupo Trans Action, morreu em um hospital depois de ser alvejada com seis tiros por agressores. Antes de falecer, Alesha vinha recebendo propostas para gravar vídeos pornográficos, todas recusadas por ela.

“Que culpa nós temos?”

A comunidade trans do Paquistão tem visto alguns avanços nos últimos tempos. Em 2012, a Suprema Corte do país permitiu que uma categorização para um “terceiro gênero” fosse adicionada às carteiras de registro dos seus cidadãos, o que acabou por favorecer os direitos jurídicos e o direito ao voto da comunidade trans. Além disso, ao menos cinco mulheres transgênero candidataram-se às eleições em 2013.

Entretanto, ataques contra a comunidade seguem disseminados e a violência vem aumentando nos últimos anos.  Desde o início de 2016, aproximadamente 45 mulheres transgênero sofreram agressões somente na província de Khyber Pakhtunkhwa.

O termo khwaaja sira é comumente utilizado pela comunidade trans no Sul da Ásia para nomear a si mesma, e a identidade de gênero inclui transexuais, isto é, khusra (pessoa transgênero), zenanans (crossdressers) e narnban (eunuco).

Os Khwaja Siras moram em comunidades próprias que são lideradas por um guru (professor), e adotam meninos que foram renegados por suas famílias ou que fugiram. A comunidade normalmente é autossuficiente, embora muitos de seus membros trabalhem como dançarinos profissionais ou estejam envolvidos com a prostituição.

Por conta das oportunidades limitadas de trabalho, são um grupo de risco alvo de violência quando se apresentam em casamentos e festas, bem como quando estão trabalhando com a prostituição.

O grupo Trans Action Khyber Pakhthunkhwa sempre compartilha detalhes das agressões contra a comunidade transgênero:

An armed person carrying heavy guns have attacked a transgender called sunny during a program and puncher her in face amd slaped. He was trying to kidnapp her and take her by force but the Tranagender friends responded back and saved her. Just happened in Peshawar.
Please Let Us Live

Um indivíduo portando armas pesadas agrediu uma transgênero chamada Sunny durante um programa, golpeando-a no rosto com socos e tapas. Ele queria sequestrá-la e levá-la à força, mas as amigas da vítima reagiram e salvaram ela. Acabou de acontecer em Peshawar. Por favor, nos deixem viver.

#‎EndTransPhobia
‪#‎TransAction

A prostituição é ilegal no Paquistão e membros da comunidade transgênero normalmente correm um grande risco. No entanto, até mesmo indivíduos trans que não trabalham com a prostituição relatam assédios e ameaças para manterem relações sexuais forçadas. Recentemente, mulheres trans em Peshawar começaram a denunciar por vídeos via Facebook o tratamento violento por parte da polícia local contra a comunidade trans.

Neste vídeo compartilhado no Facebook, uma mulher transgênero expõe o modo como a polícia prendeu seu guru durante uma festa:

We were at a party when the police came they took our guru so we went after them. We are already a laughing stock, people mock and chase us, so of course the police did not let us go inside the police station so we decided to protest and chanting “let us in, let us in”, some boys that were standing nearby threw a rock at the gate, so the police came in from behind us (..) they grabbed and beat us up severely. Look at their condition, they tore off their clothes (..) they tore off my clothes as well and beat me up badly. Six policemen were on top of me kicking me and I passed out. Even when I passed out they kept kicking me and said “get up, get up, stop acting” (..). They grabbed and pulled off their hair and beat up others with sticks. What is our fault? We just went after our guru? What could we have done to the police? They even take money from us (extortion) and even take money from our guru, so what is our fault?

Estávamos em uma festa quando a polícia chegou e levou o nosso guru, então nós fomos atrás deles. Nós já somos motivo de chacota, as pessoas zombam de nós e nos perseguem, então claro que a polícia não nos deixou entrar na delegacia, e por isso nós decidimos protestar e gritar ‘deixem-nos entrar, deixem-nos entrar’. Alguns meninos que estavam próximos dali jogaram uma pedra no portão, e então a polícia foi atrás da gente (…) nos pegou e nos espancou muito. Olhe para a situação delas, eles rasgaram as suas roupas (…) eles também rasgaram as minhas roupas e me bateram muito. Seis policiais ficaram em volta de mim me chutando e eu desmaiei. Até mesmo quando eu desmaiei eles continuaram me chutando e dizendo “levanta, levanta, para de fingir” (…). Eles pegaram elas e arrancaram seus cabelos e bateram nos outros com paus. Que culpa nós temos? Nós só fomos atrás do nosso guru. O que a gente poderia ter feito com a polícia? Eles chegaram a pegar dinheiro da gente (extorsão) e até mesmo do nosso guru, então que culpa nós temos?

Em outro vídeo, uma mulher trans da cidade de Nowshera relatou ter sido detida durante dez horas por policiais:

Seven Transgender women were kept in illegal confinement yesterday for 10 hours by Nowshera Cantt Police Station. There shirts were taken off and they were sexualy harrased. Police kept on touching thier diffrent body parts forcefully.

Sete mulheres transgêneras foram mantidas ilegalmente em cárcere privado ontem durante 10 horas pela Delegacia de Nowshera Cantt. Suas camisetas foram tiradas e elas foram abusadas sexualmente. A polícia encostou em seus corpos à força.

Não Apenas em Khyber Pakhtunkhwa

Mulheres trans moradoras da cidade de Faislabad, em Punjab, estão organizando uma campanha após três delas terem sido estupradas em grupo por dois homens na semana passada. Em uma série de vídeos impactantes, uma mulher trans chamada Julie descreve a agressão e as tentativas de exposição e silenciamento a que ela e as outras vítimas foram submetidas a partir de ameaças posteriores e outros tipos de violência.

Por conta desse contexto, em que as pessoas trans sentem que até mesmo a polícia não está agindo de forma séria contra os criminosos, as vítimas foram para as redes sociais com o intuito de chamar atenção para as crescentes discriminações e agressões contra a sua comunidade.

Vídeos compartilhados no Facebook mostram Julie e seus defensores realizando uma manifestação em um hospital local após um médico plantonista que deveria ter examinado os seus ferimentos simplesmente ter dito para que ela “deixasse isso para lá”.

Apesar de muitos protestos, um relatório policial e diversas entrevistas para a imprensa, muitos membros da comunidade trans estão sendo ridicularizados e silenciados enquanto a violência contra eles continua impune.

“Não vamos desistir”

As pessoas trans em todo o país estão se unindo para chamar atenção para a violência e para a marginalização sistêmicas. Apesar das ameaças, elas continuam se mobilizando para exigir que as autoridades locais tomem medidas para protegê-las. Em uma postagem no Facebook, o grupo Trans Action de Khyber Pakhthunkhwa lembrou aos seus seguidores que continuará a lutar pelos direitos das pessoas trans:

We know our rights and we are standing up to claim them.its just the begining. We are a movemnt, we are pink warriors. There is no going back. We are equal citizens of Pakistan. We refuse to sit back. Despite of all the challanges and obstacles we have managed to stage a protest out side the Bolton Block where Alisha died.
‪#‎EndTransPhobia‬
‪#‎TransAction‬

Nós conhecemos os nossos direitos e estamos lutando para reivindicá-los. Esse é apenas o começo. Somos um movimento, somos guerreiras cor-de-rosa. Não recuaremos. Nós somos cidadãs do Paquistão. Nós nos recusamos a nos calar. Apesar de todos os desafios e obstáculos que tivemos que lidar nós conseguimos organizar um protesto em Bolton Block, onde Alisha morreu.
‪#‎EndTransPhobia
‪#‎TransAction

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