Este texto foi publicado originalmente no site do Instituto Socioambiental (ISA), com quem o Global Voices mantém uma parceria de republicação.
O Congresso brasileiro retomou suas atividades no início de agosto. E as ameaças aos direitos socioambientais continuam. Dividida em frentes distintas, a atuação da bancada ruralista, do lobby de grandes mineradoras e empreiteiras segue na Câmara e no Senado.
Veja abaixo e entenda quais são as principais ameaças ao meio ambiente e às populações indígenas e tradicionais — e porque precisamos seguir acompanhando cada uma delas.
O fim do licenciamento ambiental
A PEC 65/2012 simplesmente acaba com o licenciamento ambiental, o principal instrumento de controle e prevenção de danos socioambientais previsto na lei. Prevê que a mera apresentação dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-Rima) de um empreendimento implicará sua autorização e que, daí em diante, ele não poderá ser suspenso ou cancelado.
Caso aprovado o projeto, não haverá análise aprofundada da viabilidade socioambiental de qualquer obra. Populações e ecossistemas afetados ficarão à mercê da boa vontade dos empresários.
A PEC voltou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, que deve apreciar parecer contrário do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em breve. Na sequência, o projeto vai a plenário e, se aprovado, à Câmara. Ele foi incluído na “Agenda Brasil”, conjunto de propostas prioritárias do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
É possível opinar sobre o projeto no Portal do Senado. Também há duas petições contra ele, da Avaaz e do Change.org.
Licenciamento ambiental a jato
Esse Projeto de Lei do Senado (PLS) pretende enfraquecer o licenciamento ambiental, reduzindo para cerca de oito meses o prazo para o licenciamento de grandes obras consideradas estratégicas pelo governo – um “licenciamento a jato”.
O projeto interessa grandes empresas, como empreiteiras, várias envolvidas nos recentes escândalos de corrupção. Se for aprovado, aumentam os riscos de desastres, como o de Mariana em novembro de 2015, quando o rompimento de uma barragem despejou toneladas de rejeitos de minérios sobre a bacia do Rio Doce. Também aumentam as dificuldades para evitar e atenuar os danos socioambientais de empreendimentos.
A proposta não prevê a realização de audiências públicas e elimina uma série de etapas do licenciamento, inclusive o sistema trifásico (licenças Prévia, de Instalação e de Operação).
O projeto pode ser votado a qualquer momento no plenário do Senado. Se for aprovado, segue para a Câmara. A proposta é do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e relatada pelo senador Blairo Maggi (PR-MT), hoje ministro da Agricultura e um dos maiores produtores de soja do mundo.
Jucá é um dos principais adversários dos direitos indígenas, alvo de quatro inquéritos no STF e duas ações na Justiça Federal. Maggi é alvo de um inquérito no STF, acusado de lavagem de dinheiro, e uma ação na Justiça Federal por improbidade administrativa.
Além do canal no Portal do Senado, também circula a petição contra o projeto da Petição Pública. É possível enviar mensagens pela Panela de Pressão contra a proposta.
Biodiversidade em perigo
Outro PLS visa autorizar a implantação de parques e áreas de aquicultura em até 0,5% da superfície de lagos de hidrelétricas, açudes e barragens de domínio da União. Sob esse pretexto, fragiliza ou acaba com os dispositivos que visam exercer algum controle sobre as atividades do setor.
Por exemplo, permite a atividade pesqueira sem licença, concessão, autorização ou registro expedido pelo órgão competente. A proposta abre caminho para a introdução de espécies não nativas nessas áreas, uma das maiores ameaças à biodiversidade, à pesca e aquicultura com peixes nativos.
O projeto pode ser votado a qualquer momento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Se aprovado em outras comissões da casa, pode seguir direto para a Câmara, sem passar pelo plenário.
O projeto é de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), candidato à prefeitura do Rio de Janeiro e ministro da Pesca no governo Dilma Rousseff, e atende grandes empresas do setor. É possível votar contra o PLS no Portal do Senado.
PEC 215: A grande ameaça aos direitos indígenas
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 é uma das mais graves ameaças aos direitos indígenas garantidos na Constituição e uma das principais bandeiras ruralistas. Pretende transferir do governo federal ao Congresso a última palavra sobre as terras indígenas. Pelas regras atuais, cabe à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Ministério da Justiça e à Presidência da República a decisão sobre a demarcação das terras.
Caso aprovado o projeto, o reconhecimento de Terras Indígenas deverá ser paralisado de vez. O projeto pode ser votado no plenário da Câmara. Se aprovado, segue ao Senado. Circulam três petições contra a PEC: da Avaaz, Petição Pública e Ipetitions.
Escancarando as portas das terras indígenas
Também de autoria do senador Blairo Maggi (PR-MT), a PEC 76/2011 pretende abrir as terras indígenas à instalação de hidrelétricas, empreendimentos com alto potencial de destruição do meio ambiente e dos modos de vida das populações tradicionais. Aguarda votação no plenário do Senado. Se aprovada, segue para a Câmara.
Junto com líderes indígenas, o ISA denunciou o projeto na Conferência do Clima de Paris (COP-21), em dezembro de 2015, um dos maiores encontros sobre Meio Ambiente da História. É possível votar contra a proposta no Portal do Senado.
Mais demora e dificuldades para as demarcações
Dois projetos de lei (PLs 1.216/2015 e 1.218/2015) pretendem, na prática, dificultar ao máximo as demarcações de terras indígenas ao instituir, por exemplo, o “marco temporal” para comprovar o direito à terra: se aprovadas, só seriam reconhecidos os territórios que estivessem ocupados pelos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988.
Os projetos estão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, de lá, seguem para o plenário. Se aprovados, vão ao Senado. Autor do PL 1216, o deputado ruralista Covatti Filho (PP-RS) é financiado por empresas do agronegócio.
Mineração em terra indígena
Mais um projeto de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), objetiva permitir a mineração em terras indígenas. A proposta ameaça povos indígenas e o meio ambiente, uma vez que a mineração é uma atividade com alto grau de impacto socioambiental. As comunidades indígenas não foram consultadas sobre a proposta, contrariando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Se aprovado na Comissão Especial, o PL segue ao plenário. Há vários anos, o ISA monitora a tramitação do projeto e os pedidos de pesquisa e lavra sobrepostos às Terras Indígenas na Amazônia para chamar a atenção para essa ameaça.
Novo Código de Mineração
O Novo Código de Mineração pretende simplificar os procedimentos necessários para a execução de atividades minerárias, que têm, em geral, grandes impactos socioambientais. Traz poucas salvaguardas ambientais, sociais e trabalhistas para as populações e áreas afetadas. A proposição é de interesse das grandes mineradoras, pois enfraquece o poder do Estado de regular o acesso do setor privado aos recursos minerais.
O atual relator do projeto, deputado Laudívio Carvalho (SD-MG), está finalizando uma nova proposta, mas ainda não se sabe qual texto final será votado, em que instância (se numa comissão ou no plenário) nem quando. A mineradora Vale está entre as doadoras de campanha do deputado.
Circula petição da Petição Pública contra o Novo Código de Mineração.
É transgênico?
O Projeto de Lei da Câmara nº 34 de 2015 acaba com a obrigatoriedade do símbolo “T” nas embalagens, que avisa quando um produto é transgênico. A proposta foi aprovada na Câmara e depois rejeitada na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, após divulgação de parecer e manifestação contrária do ISA e de organizações parceiras em audiência pública.
A proposta tramita hoje na Comissão de Agricultura do Senado e, depois dela, segue para as comissões de Assuntos Sociais e de Meio Ambiente. O autor do PL, deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS), é um dos parlamentares ruralistas mais radicais e um dos principais articuladores de projetos anti-indígenas e antiambientais na Câmara. Em 2013, em discurso em Vicente Dutra, no Rio Grande do SUl, disse que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo que não presta”. Ele é alvo de um dos inquéritos da Operação Lava Jato no STF.
Circulam petições da Avazz e Petição Pública contra o projeto.