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Com a Presidente sujeita a Impeachment, a ‘Família Real’ quer fazer um ‘Game of Thrones’ pra valer

Categorias: América Latina, Brasil, Mídia Cidadã, Política, Protesto
independencia brasil

A Independência do Brasil retratada na pintura do artista francês François-René Moreau, de meados do século 19. Ao centro está Dom Pedro I, o primeiro monarca do Brasil e filho do então rei português D. João VI. Domínio Público.

Há 127 anos que o Brasil deixou de ser uma monarquia, mas o possível impeachment da Presidente Dilma Rousseff ofereceu aos herdeiros da última família real do Brasil a oportunidade de apelar ao apoio daqueles que desejam o retorno do império. As mídias sociais podem desempenhar um importante papel nessa empreitada.

Na semana passada, o príncipe Don Rafael (que seria o quarto na linha sucessória, caso Brasil ainda uma fosse uma monarquia) compartilhou um vídeo [1] em sua página oficial do Facebook que logo ganhou popularidade viral. No vídeo, Rafael saúda “monarquistas” do país e afirma que “o retorno da monarquia é apenas uma questão de tempo.” Com mais de 400.000 visualizações, o vídeo ajudou a triplicar o número de seguidores [2] do Facebook de Rafael;  de 6.000 para cerca de 20.000, em questão de dias.

O Brasil foi uma colônia portuguesa [3] entre 1500 e 1815, elevada ao status de reino após a transferência da Corte portuguesa à sua maior colônia, durante as invasões napoleônicas em Portugal. Em 1822, depois que a família real retornou a Portugal, o Brasil finalmente se tornou independente, mas curiosamente o seu maior herói nacional foi Dom Pedro, filho do próprio rei português, que foi deixado para trás para governar o país como príncipe regente.

Dom Pedro contou com o apoio da aristocracia rural escravocrata do país, que se sentia ameaçada tanto pelo rigoroso controle da coroa portuguesa quanto pelos movimentos republicanos e revolucionários que se alastravam por toda a América espanhola. A aristocracia apoiava a monarquia constitucional como melhor sistema para manutenção dos seus próprios interesses, enquanto, ao mesmo tempo, aproveitava a onda de nacionalismo desencadeada pela Revolução Francesa. Foi somente em 1889, após a nação ter assistido ao crescimento da classe empresarial urbana e ao aumento nas tensões entre os militares e a aristocracia real, que o Brasil finalmente se tornou uma república e depôs o então governante Dom Pedro II.

Nos comentários feitos ao vídeo de Dom Rafael, muitos usuários do Facebook debocham do pretenso príncipe, criando várias piadas com base no programa de televisão “Game of Thrones”, como sugestões de que dragões ou o exército Dothraki deveriam ajudá-lo a retomar o trono brasileiro. Mas muitos outros internautas parecem estar genuinamente a favor da restauração da monarquia. Esses brasileiros parecem acreditar que os regimes monárquicos na Suécia, Dinamarca e Reino Unido são a razão de estes países gozarem de prosperidade e igualdade social. Ainda mais surpreendente é o fato de a grande maioria dos novos entusiastas da monarquia serem jovens.

Em maio, a jornalista e apresentadora de talk-show Mariana Godoy publicou uma enquete em sua conta no Twitter pedindo aos leitores para votarem na melhor forma de governo para o Brasil. Embora a pesquisa fosse completamente não-oficial, surpreendentes 41 por cento dos entrevistados escolheram monarquia.

Mariana Godoy estava prestes a acolher Dom Bertrand de Orleans e Bragança em seu programa, que, junto com seu irmão Dom Luís – ambos descendentes de Dom Pedro II, o segundo e o primeiro na linha para o hipotético trono – parece estar aprendendo a capitalizar o impulso conservador do país para vender a sua causa. No the talk show [4], D. Bertrand defendeu o golpe militar de 1964 que subjugou o Brasil a 21 anos de ditadura, o direito à propriedade privada acima de qualquer coisa e, sob a obediência “às leis de Deus” condena a homossexualidade e quaisquer “privilégios” da classe LGBT.

Brazil's last emperor, Dom Pedro II. Public Domain.

O último imperador do Brasil, Dom Pedro II, deposto em 1889. Domínio Público.

O Império (Tenta) Contra-Atacar

Embora a ideia de restauração da monarquia soe estranha a muita gente, a antiga bandeira imperial do país está se tornando uma visão cada vez mais comum nos protestos de rua [5] contra o Partido dos Trabalhadores que começaram no final de 2014. Dom Bertrand (que, de acordo com o ramo Vassouras da família real, é o primeiro na linha de sucessão ao trono brasileiro extinto) afirmou orgulhosamente que aqueles que o apoiam estão se organizando de forma espontânea. “As pessoas estão cansadas da república,” ele insiste [4].

Durante o ano passado, vários príncipes da família real do Brasil apareceram com frequência entre as “pessoas comuns” nos protestos contra Dilma Rousseff, posando para fotos com a antiga bandeira imperial. Esta abordagem é diferente da postura anterior. Durante os protestos de massa [6] em junho de 2013, que levou milhões de brasileiros às ruas para protestar contra o aumento das tarifas de ônibus e contra a corrupção, a recomendação oficial da “Casa Imperial” foi de que seus apoiadores ficassem em casa. De acordo com a BBC Brasil [7], os monarquistas acharam necessário “abster-se” de participar de manifestações de massa, na época.

Antes das eleições presidenciais no Brasil em 2014, uma nota escrita por D. Luís, publicada no site monarchy.com [8], discutiu “direitos naturais”, citando Cícero, Aristóteles, e a Bíblia, pedindo a monarquistas que não votassem em “candidatos que contradissessem a tais ensinamentos [sobre os direitos naturais]” ou em “partidos cujas plataformas insultassem à Lei de Deus.”

Numa entrevista ao jornal Folha de São Paulo [9],Bertrand explicou por que sua família decidiu abraçar, agora, aos protestos políticos:

O Brasil está com saudade de um regime que faça à nação o que uma nação deve ser: uma grande família com destino comum a realizar.

Quando brasileiros bradam ‘Quero meu Brasil de volta’, bradam ‘Eu quero o Brasil do Cristo Redentor e de Nossa Senhora Aparecida’.

Os cerca de 10% 

Quando D. Pedro II, o tataravô dos dois príncipes que agora defendem a restauração da monarquia no Brasil, foi deposto pelos republicanos em 1889, ele não ofereceu resistência. Em vez disso, a família real fez suas trouxas e voltou para a Europa.

Em 1993, na onda de outro processo de impeachment presidencial, um plebiscito  [10]perguntou aos brasileiros qual seria seu sistema preferido de governo. Com tempo na TV [11] para defender a sua ideia, os monarquistas receberam apenas 10,2 por cento do apoio do público. Hoje, esse cenário não parece ter mudado. Uma campanha de crowdfunding [12] para financiar a “publicidade da monarquia na Internet” conseguiu apenas 33 por cento de sua meta de R $ 5.000 ($ 1.470). 

Os monarquistas do Brasil, entretanto, podem apenas estar começando. Em maio do ano passado, o Senado do país recebeu uma proposta [13] para a restauração de uma monarquia parlamentar como solução para acabar com o “presidencialismo corrupto e corruptor” no Brasil. O Senado publicou a proposta em seu site, onde as pessoas têm até setembro de 2017 para se subscreverem. Até o momento, ele tem um colossal número de 18 assinantes.