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A rejeição do “voto de condenação” à prisão dos ativistas em Angola “envergonha a todos”, dizem manifestantes

Categorias: Angola, Portugal, Censorship, Direitos Humanos, Liberdade de Expressão, Política, Protesto
Protesto em frente ao Consulado Geral de Angola, na cidade do Porto, Portugal. Foto: Manuel Ribeiro / GlobalVoices

Protesto em frente ao Consulado Geral de Angola, na cidade do Porto, Portugal. Foto: Manuel Ribeiro/GV

Portugal tem posado mal para a fotografia [1] diplomática internacional no que diz respeito [2] à defesa da violação dos direitos humanos e da liberdade de expressão. Na semana passada (28.03), o Tribunal Provincial de Luanda, em Angola, condenou [3] os ativistas detidos desde junho de 2015 a penas de prisão efetiva, compreendidas entre os dois e os oito anos e meio, acusando-os de “rebelião contra o Estado”. Na quinta-feira (31.03), o Parlamento Português assistiu a um episódio pouco habitual ao ver o Partido Comunista Português (PCP) juntar-se à direita e rejeitar [4] um “voto de condenação” à prisão dos jovens angolanos proposto pelos partidos mais à esquerda, o Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda (BE). Mariana Mortágua, do BE, chamou-lhe de “estranha geometria”, na sua conta do Twitter:

Apesar da rejeição do “voto de condenação” pelo Parlamento, dezenas de cidadãos marcharam na sexta-feira (01.04), até ao Consulado Geral de Angola, na cidade do Porto, para mostrar o seu repúdio com as autoridades angolanas por condenar 17 ativistas a penas de prisão e também para demonstrar descontentamento pela rejeição do “voto de condenação” pelo Parlamento Português. O grupo reuniu-se, primeiramente, na rotunda da Boavista onde pintaram os cartazes e as faixas pedindo a “Liberdade para prisioneiros de pensamento” que o regime de José Eduardo dos Santos insiste em manter na prisão. Foram também levantadas tarjas a lembrar a greve de fome de Nuno Dala [6], que já vai no 25º dia e Nito Alves [7] que tem tido graves problemas de saúde.

Antes do protesto, preparam-se os cartazes e as faixas. Manuel Ribeiro/GV

Antes do protesto, preparam-se os cartazes e as faixas. Manuel Ribeiro/GV

O Global Voices esteve no protesto e conversou com José Leal, um dos organizadores do protesto, que considera a censura e a repressão pertencentes ao passado:

A repressão e a censura não rimam com o séc. XXI no mundo onde estamos e tendo em conta todas as ligações e amizades que eles têm com os governos da Europa, com empresários e dirigentes, é um pouco ridículo os governos democráticos, como o nosso e outros na Europa, que fazem negociações com o Governo Angolano e quase que fecham os olhos a essas coisas. Não conseguem dizer: vocês estão a desrespeitar os direitos humanos.

Outra das organizadoras, Leonor Figueiredo, diz estar “chocada” com o PCP por ter votado contra o “voto de condenação” face à prisão dos ativistas:

Já não é a primeira vez que estes votos de condenação são apresentados. Pessoalmente, choca-me mais o PCP votar contra porque, no dia 25 de abril, vão estar na rua a gritar “liberdade e fascismo nunca mais”. Mas agora estão a recusar-se, repudiar e a desmarcar-se de um ato que é ditatorial, de opressão. Um ato que é autoritário. Impedir que as pessoas se manifestem livremente, leiam o que queiram, falem o que queiram. A mim choca-me bastante e acho preocupante.

A eurodeputada pelo BE, Marisa Matias, esteve presente no protesto porque:

É mais um protesto, espero que se multipliquem, que não nos calemos porque o que se esta a passar em Angola é absolutamente inaceitável. É próprio de uma ditadura, não é próprio de uma democracia.

Questionada sobre a rejeição do “voto de condenação”, a eurodeputada diz:

Não compreendo, temos relações de cooperação com Angola e essas relações de cooperação no mínimo têm de ter exigências, exigências democráticas. Não compreendo que não se vote, a não ser que os negócios sejam postos à frente daquilo que são os direitos humanos e a liberdade de expressão. Esta condenação é claramente política e por isso devemos manifestarmo-nos contra ela. Por isso devia ter havido uma posição política no nosso parlamento no sentido de aquilo em que se diz defender: A liberdade de expressão e a democracia, o que não é o que se está a passar em Angola.

José Soeiro, também do BE, sublinha que a decisão parlamentar é “vergonhosa”:

O Parlamento envergonhou-nos a todos com a decisão que tomou ontem, com a votação que foi feita em que três partidos se juntaram para chumbar um voto de condenação destas prisões políticas e um voto de solidariedade com os presos políticos angolanos e de exigência da sua libertação. Essa decisão do Parlamento ao chumbar esses votos – havia um voto do Bloco que exigia a libertação e um do PS que lamentava a prisão – o facto desses votos terem sido chumbados, penso que nos envergonha a todos. Aos poucos, o país mostra que o silencio se sobrepõe à defesa dos direitos humanos, que os interesses económicos falam mais alto e que os lóbis que existem se manifestam também na assembleia e nesses partidos, uns por razões económicas e outros por razões ideológico politicas. Não tiveram a coragem de defender a liberdade pelo contrário, impediram que o parlamento tivesse uma posição, no fundo, que o próprio Estado Português tivesse uma posição dignando esta matéria, que era de solidariedade para quem está a ser perseguido.

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