A Agência Reguladora de Telecomunicações da Índia (TRAI) proibiu os provedores de internet de cobrarem uso de dados de maneira diferenciada — tornando o aplicativo do Facebook ‘Free Basics’, que oferece acesso gratuito a sites previamente selecionados para usuários sem plano de dados, ilegal no país.
Os esforços do Facebook para lançar e promover na Índia o Free Basics — até ano passado chamado de Internet.org – como solução para a ‘desigualdade digital’ do país vinham encontrando resistência por parte de ativistas e reguladores.
Homologada no dia 8 de fevereiro, a decisão da TRAI proíbe operadoras de cobrarem tarifas de dados diferentes de acordo com o conteúdo do que é acessado na internet, prevendo punições para quem descumprir a ordem. Também as proíbe de firmar contratos com outras empresas cujo efeito seja justamente o acesso discriminatório.
Em resumo, significa que o acesso à Internet na Índia permanecerá aberto e usuários terão acesso igualitário garantido a qualquer página da internet, independentemente da maneira com a qual eles estejam conectados.
Como justificativa da decisão — que será revisada em dois anos –, a TRAI afirmou:
In India, given that a majority of the population are yet to be connected to the internet, allowing service providers to define the nature of access would be equivalent of letting TSPs shape the users’ internet experience.
Na Índia, uma vez que a maioria da população segue sem acesso à internet, permitir que prestadores de serviço definam a natureza do acesso seria equivalente a deixar as teles moldarem a experiência de internet do usuário.
O programa do Facebook Free Basics, destinado a países subdesenvolvidos cuja população conectada à internet é proporcionalmente baixa, oferece acesso gratuito a alguns sites e aplicativos por meio de parcerias com provedores de internet locais. Não há subsídio por parte do Facebook: o provedor oferece o acesso gratuitamente com a esperança de que o usuário, após ‘experimentar’ a internet, migre para um plano de dados pago.
Atualmente, o Free Basics está disponível em 38 países, como Bangladesh, Filipinas e Zâmbia.
Quem sofre as consequências mais nefastas desta estratégia são startups e produtores de conteúdo pequenos, que não conseguiriam, individualmente, pagar altas taxas às operadoras para que elas também não cobrassem do usuário o acesso ao seus serviços. Inevitavelmente eles teriam que fazer parcerias com gigantes como o Facebook, que monopolizariam o mercado.
No caso da Índia, os ganhos para o Facebook com o Free Basics não seriam nada pequenos: o país representa o maior mercado de usuários de internet depois dos Estados Unidos e da China — neste último, a rede social permanece bloqueada.
Adeus, Free Basics
No ano passado, quando a TRAI solicitou ao Facebook que informasse o público o que significa cobrança diferenciada de dados, a rede social respondeu com uma campanha publicitária agressiva em outdoors e comerciais de televisão. Também fez campanha pedindo que usuários escrevessem para a TRAI apoiando o Free Basics.
A TRAI criticou o Facebook pelo que considerou ‘manipulação do público’. Muitos grupos de defesa de direitos digitais, como a Free Software Movement of India e Savetheinternet.in, também questionaram a estratégia da empresa. Este último criou uma contra-campanha incentivando usuários a escrever para a TRAI apoiando, em vez do Free Basics, a proibição de cobrança diferenciada de dados — a agência recebeu quase 2,4 milhões de emails.
Além dessas campanhas, 500 startups indianas, incluindo nomes famosos no país como Cleartrip, Zomato, Practo, Paytm and Cleartax, escreveram ao Primeiro Ministro Narendra Modi pedindo que este apoiasse a neutralidade da rede.
Vídeos humorísticos explicando o debate regulatório e o princípio da neutralidade de rede também viralizaram na internet indiana, como aqueles feitos pelo comediante stand-up Abish Mathew e os grupos All India Bakchod e East India Comedy.
A decisão do governo indiano tem sido bem recebida no país e fora dele. Apoiando a decisão, Renata Ávila, Gerente de Campanha da World Wide Web Foundation e membra do Global Voices, escreveu:
As the country with the second largest number of Internet users worldwide, this decision will resonate around the world. It follows a precedent set by Chile, the United States, and others which have adopted similar net neutrality safeguards. The message is clear: We can’t create a two-tier Internet – one for the haves, and one for the have-nots. We must connect everyone to the full potential of the open Web.
Vinda do país com o segundo maior número de usuários de internet no mundo, essa decisão vai ressoar por todo o planeta. Segue o precedente aberto pelo Chile, Estados Unidos e outros que adotaram posições parecidas com relação à neutralidade da rede. A mensagem é clara: não podemos criar uma internet dividida: a dos que têm e a dos que não têm. Temos que conectar todos ao potencial completo da Web aberta.
Reações nas redes sociais
A decisão gerou reações mistas nas redes sociais, de críticas a elogios. Entre os defensores da internet livre, tanto na Índia quanto nos Estados Unidos, o momento foi de comemoração:
This order shows the power of citizen involvement in policymaking. Policymakers are forced to listen if citizens engage. #NetNeutrality
— Pranesh Prakash (@pranesh) February 8, 2016
A decisão mostra o poder do envolvimento cidadão na política. Legisladores são obrigados a ouvir se as pessoas se mobilizarem. #NetNeutrality
I think this is not just a good day for the Internet in India. It's a good day for the Internet everywhere #TRAI #savetheinternet
— Anja Kovacs (@anjakovacs) February 8, 2016
Não acho que é um dia feliz apenas para a Índia. É um dia feliz para a internet em toda parte. #TRAI #savetheinternet
India is now the global leader on #NetNeutrality. New rules are stronger than those in EU and US. https://t.co/D6g68k2xaI
— Josh Levy (@levjoy) February 8, 2016
A Índia agora é o líder global da #NeutralidadeDeRede. Novas regras são mais fortes do que as Europa ou dos EUA.
Também houve aqueles como Panuganti Rajkiran que se opuseram à decisão:
A terrible decision.. The worst part here is the haves deciding for the have nots what they can have and what they cannot.
Decisão terrível… a pior parte é que os que têm decidem pelos que não têm o que eles podem e não podem ter.
When you buy a car, it's fulfilment of aspiration. After that, the next guy who buys a car is just traffic. Let's regulate. #NetNeutrality
— Ramesh Srivats (@rameshsrivats) February 8, 2016
Quando você compra um carro, é a realização de um desejo. Depois disso, todo mundo que compra um carro é só mais trânsito, vamos regular. #NetNeutrality
Soumya Manikkath disse:
So all is not lost in the world, for the next two years at least. Do come back with a better plan, dear Facebook, and we'll rethink, of course.
Nem tudo está perdido, ao menos pelos próximos dois anos. Voltem, sim, com um plano melhor, querido Facebook, e nós repensaremos, é claro.
O especialista em políticas digitais de Bangalore Pranesh Prakash frisou que o trabalho deve continuar até que a Índia esteja de fato — e igualmente — conectada:
The pro-#NetNeutrality campaign shouldn't rest until every poor family in India has full and free access to the Internet. #ZeroRating
— Pranesh Prakash (@pranesh) February 8, 2016
A campanha pró-neutralidade da rede não deve descansar até que cada família pobre da índia tenha acesso livre e total à Internet. #ZeroRating