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Está a sociedade portuguesa preparada para a lei de adoção de crianças por casais homossexuais?

Categorias: Portugal, Boas Notícias, Direitos Humanos, Direitos LGBT, Educação, Lei, Mulheres e Gênero, Política
Porto, Portugal. 10th July 2010 -- The LGBT Pride Demonstration was held in Porto, with more than 2000 people on the main streets celebrating the day. Porto, Portugal. 10/07/2010

Porto, Portugal. 10 Julho 2010 — Marcha Orgulho LGBT no Porto. Portugal. Pedro Ferreira /Demotix [1]

Portugal junta-se a 16 países europeus [2] (24 em todo o mundo) que autorizam a adoção de crianças por casais homossexuais. A adopção homoparental [3] foi aprovada pela Assembleia da República, a 18 de dezembro 2015, com os votos favoráveis da maioria da esquerda e de 17 deputados da direita – do Partido Social Democrata (PSD) [4] – tendo o seu líder votado contra.

Desde junho de 2010 que é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal mas não estavam autorizadas a adotar. Depois de ter sido rejeitada em janeiro de 2014, por um Governo de direita, a adoção por casais homossexuais voltou a ser discutida na Assembleia da República, a 19 de novembro de 2015 – já com nova maioria parlamentar de esquerda – e votada a 20 de novembro. Recorde-se que o país estava em gestão depois da moção de rejeição [5] do Partido Socialista (PS) [6] ao programa do Governo de direita que tomou posse por ter vencido as últimas eleições mas que não obteve maioria para governar.

Para a organização Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero (ILGA – Portugal [7]):

Tem sido um longo caminho que na ILGA existiu desde o primeiro momento – há portanto duas décadas. Aqui deixamos alguns passos fundamentais dados [8] até 2010 – sendo que depois desta data, e em ritmo mais acelerado, demos outros tantos.

Mudam-se os tempos, é preciso mudar as mentalidades

De um modo geral, Portugal continua a ser um país conservador que recrimina as relações entre pessoas do mesmo sexo e discrimina gays e lésbicas [9]. A política e a religião têm grande influência nas atitudes sobre a homossexualidade em vários países [10]. No islamismo, a homossexualidade é reprovada e muitas vezes punível com a pena de morte. O contexto social [11] também influencia o modo como a homossexualidade é encarada:

O contexto social é preponderante na sua formação, quer pelas influências sociais, experiências pessoais e a forma como cada indivíduo as analisa e avalia. Os pais que se assumem como modelos na infância dos indivíduos, os pares na adolescência e vida adulta e os mass media, transmitem um conjunto de crenças, valores e atitudes que induzem a sua adoção (Coimbra & Castro). Tal como defendeu Oliveira (2007), as origens das atitudes são culturais, familiares e pessoais, isto é, tendemos a assumir as atitudes que prevalecem na cultura em que crescemos, a sua maioria adquirida dentro da estrutura familiar.

Esta atitude tem vindo a alterar-se nos últimos 30 anos. Cada vez mais os portugueses começam a encarar a homossexualidade com outros olhos. Um “sinal inequívoco de que a sociedade portuguesa é indiscutivelmente mais empática, solidária e aberta [12].”

A discussão sobre a adoção homoparental tem merecido destaque nas redes sociais. Em 2014, uma página de apoio [13], criada no Facebook, questionava os internautas se “concordam com adoção de crianças por casais do mesmo sexo?” O “Sim” vence por esmagadora maioria. Desde então os comentários [14] não têm parado:

Sempre disse: [preferia] mil vezes que os meus filhos fossem adotados por um casal homossexual, do que serem institucionalizadas ou adotados por um casal heterossexual desestruturado. O que me preocupa é a falta de amor e de atenção.

Os especialistas concordam. O pediatra Mário Cordeiro diz que não há diferença para a criança quando adotada por um casal homossexual ou heterossexual e sublinha que a “discriminação é o que causa mossa”:

Para além da posição da igreja católica [15], a ala da direita conservadora portuguesa também se opõe à lei recentemente aprovada. Atualmente, existem casais homossexuais que adotam uma criança mas “pela lei, a criança só tem um pai ou uma mãe [16]“, isso vai mudar.

“Projetos-lei considerados fraturantes”

O novo diploma terá agora de passar pelo crivo do Presidente da República, talvez um dos últimos atos para o conservador Aníbal Cavaco Silva, enquanto Presidente. As eleições presidenciais estão à porta (24.01) e segundo a imprensa portuguesa, esta é considerada uma das “leis fraturantes” [17] pelo centro-direita:

Até ao fim do mandato, o Presidente da República, Cavaco Silva, pode deixar em ‘banho maria’ o pacote de projetos-lei considerados fraturantes, que a Esquerda apresenta amanhã e depois ao Parlamento.

O novo Governo socialista de António Costa, coligado com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, apressou-se a aprovar legislação sobre assuntos que não reuniam o apoio da direita.

Da adoção gay à lei do aborto, foi tudo aprovado [18] no Parlamento na reta final do ano, chegando agora à mesa do Presidente.

Cavaco Silva tem até 23 de janeiro [19]para promulgar o diploma que “permite pôr fim à discriminação que até agora ocorria”, refere em comunicado a Amnistia Internacional Portugal (AI) [20]:

A Amnistia Internacional Portugal (AI Portugal) considera positiva a aprovação, esta sexta-feira, 20 de novembro, na Assembleia da República, da adoção por casais do mesmo sexo, uma vez que permite harmonizar a lei portuguesa com a lei internacional e europeia e pôr fim à discriminação que até agora ocorria.

No caso de Portugal, a própria Constituição já proibia no artigo 13º qualquer discriminação com base na orientação sexual. Nesse sentido estatui também a decisão de fevereiro de 2013 doTribunal Europeu dos Direitos Humanos, no Caso X e outros v. Áustria, que expressamente referia Portugal como um dos países do Conselho da Europa – ao lado da Roménia, Rússia e Ucrânia – que até agora violava o princípio da não-discriminação e o direito ao respeito pela vida familiar.

Direitos sexuais e reprodutivos das mulheres

Outro projeto-lei “sensível” para Cavaco Silva é a lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). As bancadas parlamentares de esquerda aprovaram a eliminação das taxas moderadoras e de outras alterações à lei da IVG. A introdução de taxas moderadoras para as mulheres que recorrem à IVG e a obrigação de terem acompanhamento psicológico foram as principais alterações aprovadas pelo PSD e CDS em julho de 2015.

O Parlamento português votou também esta sexta-feira a eliminação das restrições aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Os deputados votaram maioritariamente pela reversão das alterações à lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) aprovadas em julho. A Amnistia Internacional considerava essas modificações regressivas dos direitos das mulheres, dado que obrigavam, por exemplo, ao pagamento de taxas moderadoras ou a uma consulta de aconselhamento psicológico e social prévia à decisão da mulher.

* Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico