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Policial agiu em legítima defesa, diz inquérito sobre assassinato de criança de 10 anos no Brasil

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Direitos Humanos, Mídia Cidadã
A violência pelas mãos do Estado. Charge by Carlos Latuff.

A violência pelas mãos do Estado. Cartoon Carlos Latuff, uso permitido

No dia 2 de abril de 2015, Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos foi executado [1] com um tiro de fuzil na cabeça, efetuado por um policial. Eduardo brincava na porta de sua casa, localizado na comunidade do Areal, no Complexo do Alemão, grande complexo de favelas do Rio de Janeiro. Segundo o laudo técnico realizado na época, o tiro partiu de cerca de cinco metros de distância [2].

Sete meses depois, o inquérito da polícia civil concluiu que o tiro que ceifou a vida do garoto foi acidental [3]e que os policiais agiram em legítima defesa durante confronto com traficantes na região — contrariando a versão da família e de diversas testemunhas do ocorrido. Dos oito policiais envolvidos na ação, dois admitiram ter efetuado disparos e se tornaram suspeitos de assassinar Eduardo, mas nenhum foi indiciado pelo inquérito da polícia civil.

O delegado diretor da Delegacia de Homicídios, Rivaldo Barbosa, que conduziu o inquérito, disse que os policiais atiraram “respondendo uma injusta agressão, e lamentavelmente acabaram atingindo a criança” [4].

A mãe de Eduardo, Terezinha Maria de Jesus, já havia refutado na época a versão de tiroteio com traficantes [5]. Ela disse ter ouvindo apenas um disparo, o que foi confirmado por outras testemunhas. Caberá agora ao Ministério Público aceitar ou não as conclusões desse inquérito.

Fábio Amado, defensor público representante da família de Eduardo, disse que os familiares foram previamente avisados do resultado do inquérito policial e ficaram completamente desapontados. Amado contestou [8] a versão do inquérito:

Em tese, a legítima defesa exclui a ilicitude do fato. Mas nesse inquérito há depoimentos divergentes. A narrativa sustentada desde o início pela família é a de que não havia traficantes na área.

Agora, o defensor espera que o Ministério Público denuncie o caso como homicídio doloso (quando há intenção de matar). Para Fábio, “o MP pode pedir novas diligências no local do crime e pode inclusive, ele mesmo, denunciar, por não estar restrito ao inquérito policial”.

Em entrevista à rádio Globo [9], a mãe de Eduardo discordou veementemente do resultado do inquérito e reafirma sua versão de que que não houve tiroteio algum naquele dia no Complexo do Alemão:

Nesse dia, não teve troca de tiros. O policial chegou, atravessou a mata, chegou na frente da minha casa e atirou no meu filho. Meu filho estava de costas para os policiais, com um celular na mão. Como eles atiraram em legítima defesa? É repugnante. Esta investigação tá toda errada. O doutor Rivaldo Barbosa, me garantiu que esses policiais iam ser punidos. E agora não vão ser mais. Por quê?

Inconformada com o resultado do inquérito e resoluta em sua missão de trazer à tona a verdade, dona Terezinha não irá desistir de ver a justiça ser feita:

“Só por que meu filho é filho de pobre, não vai ter punição? Eu vou pedir uma nova investigação, custe o que custar. O que eu puder fazer, eu vou fazer. Nem que eu tenha que dar a minha vida.

Moradores pressionaram por investigação

Na época, a ação corajosa de moradores levou o caso aos maiores meios de comunicação do Brasil. O jornalista Matias Maximiliano, que acompanhou a reconstituição da morte junto aos moradores, falou [10] sobre isso em seu Facebook:

Não fosse a coragem de vizinhos talvez tal investigação nunca tivesse sido levado a curso. Foram os vizinhos do Eduardo que fotografaram seu corpo, acionaram o Coletivo Papo Reto e enfrentaram os policiais da UPP, impossibilitando que conduzissem suas práticas de alteração de cena do crime já denunciadas pela Anistia Internacional e confirmadas num episódio recente no Morro da Providência.

Lembro que a realização dessa reconstituição foi celebrada pelos moradores, como algo que finalmente pudesse levar justiça, ao menos uma vez, à comunidade, e desmascarar essa farsa que é a tal Policia de Proximidade e Pacificação que dizem ser a UPP […].

Nesta semana, seis meses depois, a investigação chegou a Dantesca conclusão de que o policial agiu por legitima defesa. Ainda que a vitima estivesse de costas, sem camisa e portando apenas um celular (na cor branca), e não houvesse confronto no momento…

Vídeo captou gritos desesperados de moradores após assassinato de Eduardo de Jesus, de 10 anos, por policial do Rio

A morte de Eduardo deu combustível aos protestos contra a política de pacificação do Rio de Janeiro, em que UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são instaladas em comunidades classificadas como ‘dominadas pelo tráfico’. Considerado bem sucedido logo após sua implantação, em 2008, o projeto tem recebido críticas [11] de moradores nos últimos anos, que relatam abusos e violência por parte dos policiais. O Complexo do Alemão foi uma das primeiras comunidades a receber a UPP no Rio.

A Anistia Internacional publicou uma nota de repúdio [12] classificando a conclusão do inquérito da morte de Eduardo de Jesus uma aberração. Também lançou uma petição online [13] para dar um basta às execuções sumárias da Policia Militar do Rio de Janeiro.

#JustiçaParaEduardo [14] Terezinha Maria de Jesus não se calou diante de tamanha dor e injustiça. O caso de Eduardo, assim como tantos outros no estado do Rio de Janeiro, não pode ficar impune. Junte sua voz a esta luta! Assine a petição no site www.anistia.org.br#DigaNãoÀExecução#JustiçaParaEduardo

Posted by Anistia Internacional Brasil [15] on Wednesday, November 4, 2015