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Brasil: Ativistas são processados por fazer pequenas doações a partidos de esquerda

Categorias: América Latina, Brasil, Ativismo Digital, Eleições, Mídia Cidadã, Política
Manifestação de ativistas do PSOL e do PSTU. Foto: PSOL/Facebook [1]

Manifestação de ativistas do PSOL e do PSTU. Foto: PSOL/Facebook

Um número ainda desconhecido de apoiadores, militantes e simpatizantes de dois partidos brasileiros de esquerda, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), está sendo processado pelos Ministérios Públicos do Rio de Janeiro e de São Paulo por realizar pequenas doações a estes dois partidos durante as eleições de 2014.

O ativista ligado ao PSOL, Lucas Mourão, que está sendo processado pelo Ministério Público Eleitoral do Rio de Janeiro, explicou o caso [2] no dia 15 de outubro em sua página do Facebook. Ele conta que em 2014 doou R$ 60 para as campanhas de Jean Willys e Tarcísio Mota, candidatos, respectivamente, à Deputado Federal e Governador do Rio de Janeiro, ambos pelo PSOL.

Fiz campanha de maneira voluntária, com o tempo que tinha, sempre com um punhado de panfletos e adesivos na bolsa e no peito e, obviamente, sem receber nenhum real.

Muito pelo contrário, sabedor no “modus operandi” do PSOL de fazer campanha – sem receber dinheiro de empresas – fiz questão de contribuir financeiramente com essas duas campanhas. Doei 40 reais para a campanha do Jean e 20 reais para a campanha do Tarcísio. Era o que eu podia dispor naquele momento.

(…)

 

Agora é que vem a parte bizarra da história: o Ministério Público Eleitoral está me processando (e a muitos outros!) por ter doado esses benditos 60 reais! Isso porque a lei eleitoral só permite doações de pessoas físicas até o limite de 10% dos rendimentos no ano anterior à doação…

Fazendo as contas, o MP chegou à genial conclusão de que eu, no ano anterior à doação (2013), tive rendimento bruto menor a 50 reais por mês! hahaha

Os caras, grandes pensadores juristas brasileiros, chegaram a essa conclusão porque, ao quebrarem meu sigilo fiscal (!) perceberam que eu era isento do Imposto de Renda, logo, concluíram que eu não havia tido rendimento NENHUM em 2013 e, portanto, não poderia doar nada pra nenhuma campanha eleitoral…

No Brasil, quem ganha até R$ 22.499,13 por ano é isento de pagar Imposto de Renda. A lei eleitoral permite doação para campanhas de até 10% dos rendimentos da pessoa física no ano anterior à eleição, mas, por serem isentos do pagamento de IR, o Ministério Público considerou que os ativistas não teriam nenhuma renda, logo, estariam cometendo crime eleitoral ao realizar as doações.

Lucas Mourão, que também é advogado, explicou [3] que pessoas isentas podem doar até 10% do valor do limite da isenção, logo, não há nenhuma ilegalidade.

Lucas diz já ter contabilizado cerca de 100 casos apenas no Rio de Janeiro. De fato, nos comentários em sua postagem, diversas pessoas relataram estarem sendo processadas pelo Ministério Público pelas mesmas razões.

Uma delas é Sabrina (que pediu para não ter seu sobrenome divulgado) que doou R$ 15 para a campanha de Marcelo Freixo, candidato a Deputado Estadual no Rio de Janeiro pelo PSOL em 2014. Segundo ela, seu processo já foi julgado em seu favor:

Eu doei 15 reais e também fui representada! (…) No meu caso, o MP pediu o indeferimento da representação e o juiz julgou no mesmo sentido, numa sentença que tinha pouco mais de 2 parágrafos… E agora tô fazendo a defesa de um cara que também foi representado por doar 50 reais. Muito surreal movimentar a máquina do judiciário desse jeito por causa dessas doações!

(…)

Todas as doações de pessoas físicas isentas de IR ao PSOL estão sendo investigadas, ao que tudo indica.

Antônio Bastos comentou que os processos aparentam ter vindo de “uma ordem de cima para baixo”, o que caracterizaria uma perseguição aos partidos de esquerda e seus apoiadores.

Em alguns processos existe até uma cópia do comunicado da chefia do MPE RJ para os promotores eleitorais pedindo “empenho” no ajuizamento das Representações, falando que foi difícil conseguir os documentos que foram passados às promotorias (me parece que apenas uma listagem dos doadores junto ao TSE cruzada com dados de entrega de declarações à Receita ou não). Ou seja, é uma diretriz que veio de cima para “processar geral” enquadrado naqueles quesitos, e talvez alguns promotores fizeram questão de juntar aos processos para demonstrar…

Para Sabrina, isso é uma “clara violação do princípio democrático”:

[Ao] presumir que o isento nada pode doar proíbe o cidadão isento de IR de contribuir com o partido com que guarda maior afinidade (e, portanto, mitiga sua cidadania) e, por consequência, tira os partidos de menor porte da disputa eleitoral.

O ativista Matheus Lara disse [4] ter sido absolvido, mas não aceitou a invasão de sua privacidade:

Eu fui processado tb. Eu era isento, mas tinha como comprovar renda. Fui absolvido. Mas meu sigilo fiscal E bancário foram quebrados.

Creio que nossa bancada deveria agir.

A ativista Cristiane Talhiaferro [5] também está sendo processada:

O meu processo ainda tá rolando tb, o juiz pediu provas e tive que enviar meu extrato bancário do ano de 2013. Quebra de sigilo bancário pra alguém que doa 50 reais tudo bem né, mas pra quem desvia milhões não pode…

No Twitter, o ativista Pablo Mattoso comentou:

Militantes do PSTU também relataram estarem sendo processados — como a ativista Clara Saraiva, que deu uma entrevista à rádio Band News no dia 15/10. Ela postou o áudio de sua entrevista no Soundcloud [11], desabafando:

Hoje de manhã participei do programa do Boechat, na rádio Band News. Ele me entrevistou por telefone sobre o processo que eu recebi por ter doado 30 reais pra campanha do Zé Maria no ano passado, e ser isenta de imposto de renda. Minha mãe Isabel Gomide, que ouvia o seu programa ontem, viu um menino que fez uma doação de 50 reais pro PSOL e sofreu o mesmo processo. Tomou a iniciativa de ligar na rádio pra denunciar também a minha situação e eles entraram em contato comigo. Logo depois, a TV Band me ligou também chamando pra gravar, e pode ser que saia no Jornal da Band de hoje a noite. Se tiverem interesse, escutem o áudio!

Parece que o Ministério Público não tem mais o que fazer… Me acusam de “abuso de poder econômico” (!!!). Realmente, deve ser eu e mais esses 36 mil que também sofreram o mesmo processo que corrompem a política brasileira… Convenhamos que se o Ministério Público estivesse realmente interessado em pegar laranjas ou falcatruas, que estipulasse um mínimo de doação… 100 mil reais, sei lá… Mas não! Quem doou seus suados 30, 50, 100 reais numa campanha independente, que como a do Zé Maria é financiada apenas por doações de trabalhadores e estudantes, agora é constrangido pela justiça. Um escândalo!

Doações de grandes empresas

Ilustração: Bira [12]

Ilustração: Bira

O PSOL, o PSTU e outros pequenos partidos de esquerda são os únicos do Brasil que se recusam a receber doações de empresas em suas campanhas. Eles contam apenas com doações de pessoas físicas, em geral militantes e simpatizantes das causas por eles defendidas.

Segundo relatório publicado no ano passado pela ONG Transparência Brasil [13], os três maiores partidos do Brasil (PT, PMDB e PSDB) receberam, juntos, mais de R$ 350 milhões em doações de grandes empresas [14], como bancos e empreiteiras. O PSDB, que perdeu o segundo turno presidencial para o PT, lidera o ranking com mais de R$ 162 milhões recebidos.

No início de 2015, uma campanha liderada por ativistas de esquerda pela proibição de doações de empresas à campanhas eleitorais acabou saindo pela culatra: o Congresso acabou aprovando a Lei da Reforma da Política, que sancionava, justamente, o financiamento empresarial (este ponto da Lei acabou sendo vetado posteriormente pela presidente Dilma Rousseff [15]).

No entanto, a batalha jurídica e legislativa quanto às doações de empresas a políticos ainda não terminou. Outros projetos de lei [16] que determinam o seu re-estabelecimento ainda tramitam no Congresso, mas, em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que essa prática é inconstitucional [17]. Por enquanto, as eleições para prefeitos e vereadores em 2016 [16] não devem contar com doações de empresas.

Perseguição?

O jornalista Gabriel Brito (@gabrimafaldino) ligou o caso à perseguição sofrida por ativistas que participaram das manifestações que sacudiram o Brasil em 2013 [18].

Nesta mesma semana, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu a condenação de 18 ativistas [21] por “formação de quadrilha e corrupção de menores”. Dentre eles estão a professora Camila Jourdan, a ativista Eliza Quadros, conhecida como Sininho, e o ativista Igor Mendes. Os 23 ativistas [22], como ficaram conhecidos, estavam sendo processados pelo MP desde que participaram de protestos no Rio de Janeiro em 2013. Eles são considerados presos políticos por diversas organizações Latinoamericanas de defesa dos direitos humanos [23].