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Menino sírio afogado acorda o povo peruano para as suas próprias crianças moribundas

Categorias: América Latina, Peru, Ativismo Digital, Desastre, Esforços Humanitários, Indígenas, Juventude, Meio Ambiente, Mídia Cidadã, Primeira Mão, Saúde
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Criança da comunidade de Uro em Puno, Lago Titicaca, Peru.  Fotografia [2] de Jay Joslin [3] no Flickr. CC 2.0.

Post publicado originalmente [4] no Globalizado por Juan Arellano.

A imagem [5] de Alan Kurdi, a criança síria que morreu afogada numa praia turca ressoou pelo mundo inteiro, incluindo Perú onde a fotografia foi partilhada nas redes sociais. Esta “superexposição” levou a que um website satírico peruano publicasse um artigo a troçar as pessoas que são comovidas pelas tragédias presenciadas nos países dos outros. As reações online deste ridículo variaram com muitos a criticar os satiristas por não entenderem a magnitude do sofrimento no coração dos refugiados da crise europeia e outras tragédias pelo mundo.

Publicam fotos de crianças a morrer de frio, mas ninguém se importa porque são de Puno

los niños de Huancavelica, Puno y la Amazonía […] Se tomaron fotos en sus peores condiciones y las mandaron a los diferentes medios de comunicación, destacados bloggers y demás idiotas con internet. Sin embargo, nadie los publicó ni en su muro de Facebook por lo que no llegaron ni a un Like, y no conforme con ello hasta los calificaron como resentidos sociales.

“Nos dijeron que somos socialistas, antidesarrollos y antidemocráticos y que de seguro nuestros padres eran terrucos. Además agregaron que nuestro reclamo detenía las inversiones y que no debíamos hacer eso porque los empresarios se pueden molestar”, señaló uno de los niños mientras moría de frío en Mazocruz, Puno.

Às crianças em Huancavelica, Puno e a Amazónia […] foram tiradas fotografias nas piores condições e enviadas para diferentes redes sociais, bloggers notáveis, e a outros idiotas com Internet, mas ninguém as publicou. Nem sequer nos murais do Facebook, não tiveram sequer um Like, e ainda insatisfeitos acusaram-los de guardarem rancor. “Acusaram-nos de sermos socialistas, contra o desenvolvimento e a democracia, e que os nossos pais eram um bando de terroristas. E ainda disseram que o nosso apelo reprimiria o investimento e que não deveríamos queixar-nos porque poderia chatear os empresários,” de acordo com uma criança a morrer de frio em Mazocruz, Puno.

O lado trágico da sátira é que a ríspida frente fria [9] submergiu os Andes e outras partes da Amazónia peruana com temperaturas a atingirem os vinte graus abaixo de zero Celsius e na  primeira semana de Agosto o ar gélido já tinha tirado 129 vidas [10] (maior parte crianças e idosos).

O jornalista Raúl Castro comentou numa coluna de opinião [11] que este tipo de notícias chegam à capital peruana todos os anos por volta da mesma altura e são recebidas com o mesmo tipo de indiferença: “para os residentes de Lima […], o problema parece ser tão distante quanto os assassínios dos contemporâneos Quechua ou Aymara, eles não partilham de um senso de nacionalidade comum. Se são de Lamas ou de Huitotos e o frio extremo desce até às partes remotas da Amazónia, então isso é outro Perú, não é o meu.”

Muitos tweeters expressaram o seu descontentamento ao afirmar que a situação mostra uma insensibilidade geral e ainda uma dupla moral.

Só para que se lembrem 200 crianças morrem de frio todos os anos em Puno, não é preciso irem à Síria para mostrarem o vosso apoio.

Alan Kurdi parece ser um tema popular no Perú. Pergunto-me a mim se alguma vez as centenas de crianças que morrem de frio em Puno irão ser um dia um tema popular.

Aceitar refugiados sírios no Perú? A sério? Com tantas crianças a morrerem de frio, a trabalhar sem ter nada para comer?

Isabel Guerra, jornalista e colaboradora da Global Voices, reflecte sobre o problema numa perspectiva diferente:

Ahora que veo a tantísimo europeo dispuesto a abrirle su casa a los desplazados sirios, no puedo evitar preguntarme por qué razón no hicieron lo mismo con los peruanos que en los 80s y 90s huían despavoridos del país en busca de un lugar donde no los matara o Sendero Luminoso, o MRTA, o el Grupo COLINA, o la hiperinflación, o el hambre por desempleo. A nosotros, que fuimos colonia de país europeo y que compartimos cultura con los españoles, los europeos nos plantaron la visa Schengen para impedirnos la entrada, y nos decìan que íbamos a vivir a costillas de su Estado del Bienestar y a quitarles el trabajo :S Nos llamaron SUDACAS…

Agora que vejo tantos europeus dispostos a abrir as suas portas para os sírios deslocados, não consigo deixar de pensar sobre a razão pela qual não fizeram o mesmo com os peruanos nos anos 80 e 90, que fugiram do país aterrorizados à procura de um lugar onde não fossem assassinados pelo Sendero Luminoso, pelo Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA), pelo Grupo Colina, ou pela hiperinflação, ou pelo desemprego e fome. A nós, que somos uma colónia de um país europeu e partilhamos a nossa cultura com Espanha, deram-nos o visto de Schengen da Europa de forma a prevenir que entrássemos e disseram-nos que iríamos viver do seu Estado e roubar-lhes os empregos. E ainda no chamam de forma pejorativa de SUDACAS… 

Isabel criou também um meme que justapõe a foto original de Alan com o flagelo que sofrem os indígenas do Perú, argumentando que em ambos os casos a indiferença é mortal.

Alan não merecia morrer afogado. As nossas crianças não merecem morrer de frio. A necessidade é grande. Ollha à tua volta.

Não significa que não se esteja a fazer nada para ajudar as crianças de Puno e ainda outras vítimas do frio, mas que existe mais que pode ser feito. Infelizmente, as comunidades das zonas alto-andinas necessitam de muita ajuda e têm pouco apoio do estado, apesar das boas intenções de muitos funcionários públicos.

O Ministro da Saúde, Velasquez, anunciou a chegada de mais médicos especializados para ajudarem a combater o frio.

Os nossos irmãos em Puno precisam da nossa ajuda. Podemos combater o frio ao doar roupas quentes e cobertores.

Ajuda humanitária tem ganho força e os ativistas estão a criar pequenas campanhas, mas inspiradoras, como a de um grupo de estudantes [27] no colégio Ricardo Bentín em Lima que, com a ajuda da professora, entregaram cascóis que tricotaram eles próprios às comunidades da região Ayacucho. A universidade ESAN também está a dirigir uma campanha [28] bem financiada que tem como alvo a situação ocorrente em Puno. E ainda, outros como @JuntosPorElPeru estão a ser operados a nível internacional:

Recolha de cobertores e roupas na Av Arequipa 3570 ao lado da câmara municipal.

Ainda existe muito a fazer. Enquanto muitos ainda não se juntaram à causa e outros continuam a ignorar a situação, as crianças nos Andes estão a morrer de frio.

15 crianças morrem na onda de frio peruana. As temperaturas extremas na região sul do país causou infeções respiratórias severas e pneumonia.