Post publicado originalmente no Globalizado por Juan Arellano.
A imagem de Alan Kurdi, a criança síria que morreu afogada numa praia turca ressoou pelo mundo inteiro, incluindo Perú onde a fotografia foi partilhada nas redes sociais. Esta “superexposição” levou a que um website satírico peruano publicasse um artigo a troçar as pessoas que são comovidas pelas tragédias presenciadas nos países dos outros. As reações online deste ridículo variaram com muitos a criticar os satiristas por não entenderem a magnitude do sofrimento no coração dos refugiados da crise europeia e outras tragédias pelo mundo.
Publican foto de niños muriendo de frío pero a nadie le importa porque son de Puno http://t.co/PA4UzVRB5K pic.twitter.com/PATiWbFAqZ
— Deslenguados (@deslengua_2) 4 Setembro, 2015
Publicam fotos de crianças a morrer de frio, mas ninguém se importa porque são de Puno
los niños de Huancavelica, Puno y la Amazonía […] Se tomaron fotos en sus peores condiciones y las mandaron a los diferentes medios de comunicación, destacados bloggers y demás idiotas con internet. Sin embargo, nadie los publicó ni en su muro de Facebook por lo que no llegaron ni a un Like, y no conforme con ello hasta los calificaron como resentidos sociales.
“Nos dijeron que somos socialistas, antidesarrollos y antidemocráticos y que de seguro nuestros padres eran terrucos. Además agregaron que nuestro reclamo detenía las inversiones y que no debíamos hacer eso porque los empresarios se pueden molestar”, señaló uno de los niños mientras moría de frío en Mazocruz, Puno.
Às crianças em Huancavelica, Puno e a Amazónia […] foram tiradas fotografias nas piores condições e enviadas para diferentes redes sociais, bloggers notáveis, e a outros idiotas com Internet, mas ninguém as publicou. Nem sequer nos murais do Facebook, não tiveram sequer um Like, e ainda insatisfeitos acusaram-los de guardarem rancor. “Acusaram-nos de sermos socialistas, contra o desenvolvimento e a democracia, e que os nossos pais eram um bando de terroristas. E ainda disseram que o nosso apelo reprimiria o investimento e que não deveríamos queixar-nos porque poderia chatear os empresários,” de acordo com uma criança a morrer de frio em Mazocruz, Puno.
O lado trágico da sátira é que a ríspida frente fria submergiu os Andes e outras partes da Amazónia peruana com temperaturas a atingirem os vinte graus abaixo de zero Celsius e na primeira semana de Agosto o ar gélido já tinha tirado 129 vidas (maior parte crianças e idosos).
O jornalista Raúl Castro comentou numa coluna de opinião que este tipo de notícias chegam à capital peruana todos os anos por volta da mesma altura e são recebidas com o mesmo tipo de indiferença: “para os residentes de Lima […], o problema parece ser tão distante quanto os assassínios dos contemporâneos Quechua ou Aymara, eles não partilham de um senso de nacionalidade comum. Se são de Lamas ou de Huitotos e o frio extremo desce até às partes remotas da Amazónia, então isso é outro Perú, não é o meu.”
Muitos tweeters expressaram o seu descontentamento ao afirmar que a situação mostra uma insensibilidade geral e ainda uma dupla moral.
Sólo para recordarles que anualmente mueren 200 niños por el friaje en Puno, no necesitan irse hasta Siria para parecer solidarios
— Joseantonio Quiñones (@zonkabe) 4 Setembro, 2015
Só para que se lembrem 200 crianças morrem de frio todos os anos em Puno, não é preciso irem à Síria para mostrarem o vosso apoio.
Bien que #AylanKurdi sea TT en Perú. Solo me pregunto si algún día alguno de los cientos de niños que mueren de frío en Puno será TT en Perú
— beto ortiz (@malditaternura) 3 Setembro, 2015
Alan Kurdi parece ser um tema popular no Perú. Pergunto-me a mim se alguma vez as centenas de crianças que morrem de frio em Puno irão ser um dia um tema popular.
¿Recibir #refugiados Sirios en Perú?, ¿Es en serio?, ¿Con tantos niños que mueren por el friaje, trabajan y no tienen que comer?.
— Eduarmono (@DuchoDepe) 4 Setembro, 2015
Aceitar refugiados sírios no Perú? A sério? Com tantas crianças a morrerem de frio, a trabalhar sem ter nada para comer?
Isabel Guerra, jornalista e colaboradora da Global Voices, reflecte sobre o problema numa perspectiva diferente:
Ahora que veo a tantísimo europeo dispuesto a abrirle su casa a los desplazados sirios, no puedo evitar preguntarme por qué razón no hicieron lo mismo con los peruanos que en los 80s y 90s huían despavoridos del país en busca de un lugar donde no los matara o Sendero Luminoso, o MRTA, o el Grupo COLINA, o la hiperinflación, o el hambre por desempleo. A nosotros, que fuimos colonia de país europeo y que compartimos cultura con los españoles, los europeos nos plantaron la visa Schengen para impedirnos la entrada, y nos decìan que íbamos a vivir a costillas de su Estado del Bienestar y a quitarles el trabajo :S Nos llamaron SUDACAS…
Agora que vejo tantos europeus dispostos a abrir as suas portas para os sírios deslocados, não consigo deixar de pensar sobre a razão pela qual não fizeram o mesmo com os peruanos nos anos 80 e 90, que fugiram do país aterrorizados à procura de um lugar onde não fossem assassinados pelo Sendero Luminoso, pelo Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA), pelo Grupo Colina, ou pela hiperinflação, ou pelo desemprego e fome. A nós, que somos uma colónia de um país europeu e partilhamos a nossa cultura com Espanha, deram-nos o visto de Schengen da Europa de forma a prevenir que entrássemos e disseram-nos que iríamos viver do seu Estado e roubar-lhes os empregos. E ainda no chamam de forma pejorativa de SUDACAS…
Isabel criou também um meme que justapõe a foto original de Alan com o flagelo que sofrem os indígenas do Perú, argumentando que em ambos os casos a indiferença é mortal.
Aylan no merecía morir ahogado. Nuestros niños no merecen morir de frío. Muchos niños nos necesitan. Mira alrededor. pic.twitter.com/yhQ88uM9A4
— misabelg (@misabelg) 5 Setembro, 2015
Alan não merecia morrer afogado. As nossas crianças não merecem morrer de frio. A necessidade é grande. Ollha à tua volta.
Não significa que não se esteja a fazer nada para ajudar as crianças de Puno e ainda outras vítimas do frio, mas que existe mais que pode ser feito. Infelizmente, as comunidades das zonas alto-andinas necessitam de muita ajuda e têm pouco apoio do estado, apesar das boas intenções de muitos funcionários públicos.
Ministro Velásquez anunció llegada de más médicos especialistas ante #heladas y #friaje. http://t.co/2igj7sTT6K pic.twitter.com/MmbtnupfvQ
— Ministerio de Salud (@Minsa_Peru) 14 Agosto, 2015
O Ministro da Saúde, Velasquez, anunciou a chegada de mais médicos especializados para ajudarem a combater o frio.
Nuestro hermanos de #Puno necesitan de nuestra ayuda. Donando ropa gruesa y frazadas podemos combatir el friaje. pic.twitter.com/3gRMcsW5bl
— EsSalud (@EsSaludPeru) 9 Julho, 2015
Os nossos irmãos em Puno precisam da nossa ajuda. Podemos combater o frio ao doar roupas quentes e cobertores.
Ajuda humanitária tem ganho força e os ativistas estão a criar pequenas campanhas, mas inspiradoras, como a de um grupo de estudantes no colégio Ricardo Bentín em Lima que, com a ajuda da professora, entregaram cascóis que tricotaram eles próprios às comunidades da região Ayacucho. A universidade ESAN também está a dirigir uma campanha bem financiada que tem como alvo a situação ocorrente em Puno. E ainda, outros como @JuntosPorElPeru estão a ser operados a nível internacional:
Colecta de frazadas y ropa en Av Arequipa 3570 y al lado del palacio municipal #JUNTOSporelPeru #PERU ❤️ http://t.co/CtjoUb0zIn
— JUNTOS por el Perú (@JUNTOSporelPeru) 12 Agosto, 2015
Recolha de cobertores e roupas na Av Arequipa 3570 ao lado da câmara municipal.
Ainda existe muito a fazer. Enquanto muitos ainda não se juntaram à causa e outros continuam a ignorar a situação, as crianças nos Andes estão a morrer de frio.
— Francisco Rosas C (@franroca20) 5 Setembro, 2015
15 crianças morrem na onda de frio peruana. As temperaturas extremas na região sul do país causou infeções respiratórias severas e pneumonia.