Esta reportagem foi produzida pela repórter Marina Amaral e publicada originalmente pela Agência Pública. Será reproduzida pelo Global Voices em três partes, via parceria de conteúdo. Leia também a parte 1 e a parte 2.
Students For Liberty e o Movimento Brasil Livre
![O “herói” do Fórum , Kim Kataguiri, fundador do Movimento Brasil Livre, encontra o patrocinador da festa, Jorge Gerdau [da siderúrgica Grupo Gerdau]. Foto: Fernando Conrado](https://pt.globalvoices.org/wp-content/uploads/2015/11/kimkataguiri-800x533.jpg)
O “herói” do Fórum , Kim Kataguiri, fundador do Movimento Brasil Livre, encontra o patrocinador da festa, Jorge Gerdau [da siderúrgica Grupo Gerdau]. Foto: Fernando Conrado
Remunerado por seu cargo na EPL, Juliano conta que tem duas reuniões online por semana com a sede americana e que ele e outros brasileiros participam anualmente de uma conferência internacional, com as despesas pagas, e de um encontro de lideranças em Washington. O budget do Estudantes pela Liberdade no Brasil deve alcançar R$ 300 mil este ano. “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil, o segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas, junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas para a gente. Então houve um encontro no Sul e no Sudeste, em Porto Alegre e Belo Horizonte. Eles alugaram o hotel, a hospedagem, pagaram a sala do evento, o almoço e o jantar. E tem alguns doadores individuais que fazem doação para a gente.”
A fundação da EPL no Brasil veio depois de Juliano ter participado de um seminário de verão para trinta estudantes patrocinado pela Atlas em Petrópolis, em 2012. “Ali mesmo a gente fez um rascunho, um planejamento e daí, depois, a gente entrou em contato com a Students for Liberty para oficialmente fazer parte da rede”, diz.
Depois disso, ele passou por quase todo tipo de treinamento na Atlas. “Tem um que eles chamam de MBA, tem um treinamento em Nova York também, treinamentos online. A gente recomenda para todas as pessoas que trabalham em posições de mais responsabilidade que passem pelos treinamentos da Atlas também.”
Os resultados obtidos pelos brasileiros têm impressionado a sede nos Estados Unidos. “Em 2004, 2005 tinha uma dez pessoas no Brasil que se identificavam com o movimento libertário. Hoje, dentro da rede global do Students for Liberty, os resultados que a gente tem são muito bons. Uma das maneiras de medir o desempenho das regiões é o número de coordenadores locais. Em todas as regiões, contando a América do Norte, a África, a Europa, a gente tem mais coordenadores que qualquer região separadamente. Nos Estados Unidos, a organização existe há oito anos; na Europa, há quatro; aqui, há três anos. Então, a gente está tendo mais resultado em muito pouco tempo que acaba traduzindo em maior influência na organização.”
Há dois brasileiros no International Board do Students for Liberty (entre dez membros), e o relatório deste ano dedica uma página especialmente às manifestações do MBL no Brasil. A brasileira Elisa Martins, formada em Economia na Universidade de Santa Maria (RS), é a responsável pelos programas internacionais de bolsas de estudo e treinamento de lideranças jovens na Atlas Network.
Os programas são realizados em parceria com outras fundações, principalmente o Cato Institute, a Charles G. Koch Charitable Foundation e o Institute of Human Studies – fundações ligadas à família Koch, uma das mais ricas do mundo. Juntas, as 11 fundações dos Koch despejaram 800 milhões de dólares nas duas últimas décadas na rede americana de fundações conservadoras. Outra parceira importante é a John Templeton Foundation, de outro bilionário americano. Essas fundações têm orçamentos bem maiores do que a Atlas e desenvolvem programas de fellowships em que entram com recursos e a Atlas, com a execução. Um exemplo desses projetos é o financiamento da expansão da Rede Students for Liberty com recursos da John Templeton, fechado em 2014 com mais de US$ 1 milhão de orçamento.

Infográfico: Marcelo Grava/Agência Pública
Por isso, embora apareça em terceiro lugar entre as financiadoras do Students for Liberty, a Atlas levanta um volume bem maior de recursos para a organização através de suas parceiras. Todos os maiores doadores do Students for Liberty também são doadores da Atlas. Nem sempre é possível saber a origem do dinheiro, apesar da obrigação legal de publicar os formulários 990 – entregues ao IRS (Receita). As fundações conservadoras americanas escoam dinheiro por uma grande multiplicidade de canais, o que torna impossível, ao final, saber qual a origem inicial do dinheiro que chega a cada um dos receptores.
Além disso, preocupadas com a vigilância que exercem sobre elas projetos como o Transparency Conservative e órgãos de imprensa, que já revelaram uma série de escândalos envolvendo o uso desses recursos para lobbies no Congresso e nos governos estaduais, bem como para causas controversas como a negação do aquecimento global, em 1999 as fundações criaram dois fundos de investimento filantrópico – Donors Trust e Donors Capital Management – que dispensam os doadores de ter o nome exposto em formulários 990. O Donors Trust é o maior doador do Donors Capital Management (e vice-versa). Como se vê no quadro, o primeiro está entre os maiores doadores da Atlas, e o segundo é o maior doador do Students for Liberty. As fundações Koch são as maiores suspeitas de despejar dinheiro nesses fundos.
O relatório 2014-2015 da Students for Liberty mostra uma arrecadação de fundos impressionante: US$ 3,1 milhões comparados a apenas US$ 35,768 mil dólares obtidos em 2008, quando a organização foi fundada. Desses, US$ 1,7 milhão veio de fundações, segundo o relatório que não detalha o volume doado por cada instituição. O Charles Koch Institute consta no relatório da Students for Liberty, mas,segundo o formulário, doa bolsas apenas para estudantes americanos, enquanto a Charles Koch Foundation, que doa bolsas para estudantes em uma série de fundações, não é citada no relatório. O Institute of Human Studies (IHS) – outra fundação da família Koch – é um dos principais responsáveis pelos programas de Fellowship para estudantes. Só em 2012 foram distribuídos 900 mil dólares em doações de acordo com o formulário entregue ao IRS.
A Atlas é uma das principais parceiras do IHS. O currículo de Fábio Ostermann, por exemplo, coordenador do MBL, diz que ele foi Koch Summer Fellow na Atlas Economic Research Foundation. Ostermann é assessor do deputado Marcel van Hattem (PP-RS), apontado por Kim Kataguiri como o único político a abraçar totalmente as convicções do MBL. O jovem deputado, que foi eleito com doações da Gerdau e do grupo Évora – do pai de Anthony Ling, fundador do EPL –, também participou de cursos na Acton Institute University, a mais religiosa das fundações libertaristas que compõem a rede de fellowship da Atlas e da Koch Foundation. Entre os seus princípios consta o “pecado”, por exemplo, relacionado de maneira singular com a necessidade de reduzir o Estado.
A festa do mate
O Fórum da Liberdade, afinal, se encerrou como as manifestações de rua que o antecederam: aos gritos de “Fora Dilma”, “Fora PT”. O deputado Marcel van Hattem fez uma apresentação exaltada, depois de ter agradecido ao fórum o cargo – “Se eu sou deputado hoje, devo também ao Fórum da Liberdade” – e fez uma interessante distinção entre as manifestações de 2013 – pluripartidária e desorganizada – e as deste ano – “quando tínhamos pauta”.

Marcel Van Hattem, deputado do PP-RS, apresenta sua teoria sobre o governo brasileiro. Foto: Fernando Conrado
O programa foi modificado com a chegada de Kim Kataguiri, que não constava como palestrante. Foi abraçado pelos patrocinadores, como Jorge Gerdau e Hélio Beltrão, posou para fotos com diversos fãs e, com o amigo Bene Barbosa, que lançava um livro pela liberação das armas de fogo para qualquer cidadão, foi para o auditório, novamente lotado de estudantes.
Sentadinho no sofá, Kim esperou Van Hattem desfiar as acusações de praxe – contra o Foro de São Paulo, o poder totalitário do PT e “o maior escândalo de corrupção do universo” –, arrancando aplausos a cada frase de efeito. Também despertou entusiasmo mostrando sua identificação com a plateia: “A vanguarda, hoje, não é esquerdista, é liberal. O jovem bem informado vai para as ruas e pede menos Marx, mais Mises. Curte Hayek, não Lênin. Levanta cartazes hashtag ‘Olavo tem razão’”.
Então, Van Hattem saiu do púlpito e, caminhando pelo palco, foi em direção a Kim. “O próximo passo depende de vocês, mas é difícil. O sistema brasileiro é refratário a novas ideias. Hoje mesmo, Kim, o deputado comunista Juliano Roso te chamou de fascista”, disse. E por fim: “Eu só quero concluir dizendo aquilo que as ruas estão dizendo: ‘Fora PT’. Aplausos, gritos. A plateia canta em coro: “Olê, olê, olê, olê, estamos na rua só pra derrubar o PT”.
Foi a deixa para a entrada de Kim. De tênis, andando pelo palco, Kim conclamou “os institutos liberais “a sair da nossa bolha liberal, da nossa bolha libertária, da nossa bolha conservadora e tomar o país.” E afirmou: “Chegou a hora da gente tirar o monopólio da esquerda da juventude. A gente tem que acabar com essa imagem de que quem defende o livre mercado é aquele tiozão de coturno que defende o regime militar. A oposição é a gente. A gente quer privatizar a Petrobras. A gente quer o Estado mínimo. Brasília não vai pautar o povo. É o povo que vai pautar Brasília”.
Três dias depois do Fórum, Kim Kataguiri partia para sua Marcha pela Liberdade em direção a Brasília, com minguada adesão, enquanto Gloria Álvarez empreendia um périplo que a levaria da Argentina a Venezuela noticiado efusivamente em suas redes sociais. Na Argentina, passou por Buenos Aires e pela cidade de Azul, convidada pela Sociedade Rural de Argentina. Em Tucumán, suas palestras na Universidade Nacional foram organizadas pela Fundación Federalismo y Libertad, que tem em seu conselho internacional a Atlas Foundation, a Heritage Foundation, Cato Institute, o Hispanic American Center for Economic Research, o CEDICE Libertad (Venezuela) e o Instituto Ecuatoriano de Economía Política (Equador).

À esquerda, a blogueira cubana, Yaoni Sanchez; ao centro o ex-presidente do Chile Sebastián Piñera, à direita Gloria Alvarez. Foto: Reprodução/Twitter
Todas essas organizações fazem parte da Atlas Network, assim como as outras fundações que encomendaram o passeio de Glorita: Estudiantes pela Libertad (Bolívia e do Equador), o Cedice, na Venezuela, e a Fundación Para El Progresso, no Chile.
O episódio mais interessante de sua viagem, porém, não foi registrado em suas redes sociais, nem mesmo nos jornais do Chile. No dia 23 de abril, ela e a blogueira cubana Yaoni Sanchez, encontraram-se com o ex-presidente conservador Sebastián Piñera depois de terem realizado palestras na Universidade Adolfo Ibañez em Viña del Mar.
O encontro com o ex-presidente – que também é a única foto em que aparecem juntas – foi noticiado pelo twitter do economista Cristián Larroulet, ex-ministro de Piñera com a legenda “O Presidente Piñera com Yoani Sánchez e Gloria Álvarez, dois exemplos de mulheres latino-americanas que lutam pela liberdade”. Larroulet, é fundador do think tank Libertad y Desarrollo, obviamente parceiro da Atlas Network.