Sem água, mesquita em São Paulo sobrevive e acolhe migrantes na base da solidariedade

Na mesquita, água vem somente por meio de doações. Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Na mesquita, água vem somente por meio de doações.
Foto: Rodrigo Borges Delfim

Este post foi publicado originalmente em março de 2015 no blog Migramundo e é republicado pelo Global Voices via parceria de conteúdo. 

De dia, recebe pessoas que rezam em direção à Meca. À noite, vira dormitório improvisado para dezenas de migrantes e refugiados muçulmanos. Mas a Mesquita Associação Al Bayt Annabawi, na região central da cidade de São Paulo, no Brasil, precisa lidar com dificuldades diárias para manter esse duplo apoio, que vão do corte no abastecimento de água à situação precária do prédio e a escassez de recursos.

Localizada na sobreloja de um antigo prédio da rua Guaianazes, a mesquita foi instalada em setembro de 2011 e é frequentada especialmente por migrantes muçulmanos de países africanos como Nigéria, Senegal, Gana, Tanzânia, Benin, Somália, Quênia, Argélia e Tunísia, mas também por sírios e libaneses. O nome, que significa “A Casa de Deus” em tradução livre, é uma mistura do árabe com yoruba, uma língua africana fala em países como Nigéria, Togo e Serra Leoa.

Com a falta de vagas em abrigos, a mesquita passou a acolher durante a noite dezenas de migrantes. Em torno de 25 pessoas costumam pernoitar no chão da mesquita, mas o número já alcançou 40 em certas ocasiões. “De noite praticamente não há como andar aqui”, diz o francês Irwin Henry, que já atuou como voluntário em outras instituições que lidam com migrantes, como a Missão Paz, e agora ajuda na manutenção e administração da mesquita.

As condições do prédio, no entanto, estão bem distantes do ideal. O teto, por exemplo, tem infiltrações devido a problemas no telhado e fica com várias goteiras em dias de chuva, enquanto as paredes apresentam umidade.

Sem água e com situação precária, mesquita se vira como pode. Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Sem água e com situação precária, mesquita se vira como pode.
Foto: Rodrigo Borges Delfim

Mesmo com esses problemas, o aluguel do local custa R$ 6.000 por mês à Associação Al Bayt Annabawi. A maior parte do valor é bancado pela comunidade senegalesa e completado com dinheiro arrecadado junto aos fiéis que frequentam a mesquita. “Por isso a gente nunca consegue pagar em dia. Sempre atrasa um pouco”, diz o sheik responsável pela Al Bayt, o nigeriano Moruf Olanrewaju Lawal. No entanto, ele descarta uma possível troca de local no momento porque crê que dificilmente encontraria outro imóvel na região pelo mesmo preço.

O drama da falta de água

Outro drama vivido pela mesquita é o fornecimento de água. Até julho de 2013, a conta girava em torno de R$ 60 a R$ 80, mas saltou para cerca de R$ 5.000 nos meses seguintes após a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a empresa responsável pelo abastecimento de água na cidade) ter trocado o hidrômetro do imóvel, que era de modelo residencial, para um industrial. Depois da troca, a mesquita não conseguiu mais honrar os pagamentos e acumulou dívidas até setembro de 2014, quando o fornecimento foi cortado. Um extrato pedido pela associação verificou que o total de débitos junto à Sabesp após a troca já ultrapassava R$ 60 mil.

A mesquita já entrou com ação na Justiça contra a Sabesp por meio da Defensoria Pública Estadual. No entanto, o juiz responsável pelo caso indeferiu o pedido de liminar para retomar o abastecimento, alegando que o modelo anterior de hidrômetro era irregular. A Defensoria já recorreu da decisão para levar o caso para segunda instância.

“Ninguém disse que não queremos pagar, mas queremos pagar o valor justo”, afirmou o sheik em vídeo publicado na internet sobre a situação da mesquita. “Religar a água é o primordial, até por uma questão humanitária”, reforça Henry.

São Paulo sofre com a escassez de água desde o início de 2014 e a Sabesp vem sendo acusada por parte da sociedade civil de má gestão dos recursos hídricos utilizados para abastecer a cidade. A empresa vem acumulando diversos processos judiciais por conta de cortes no fornecimento de água aos usuários.

Sem água, a mesquita se vira como pode. Quando não consegue comprar água mineral, depende da ajuda da vizinhança – seja por doações ou mesmo dando uma ajuda de custo a algum vizinho solícito que topa dividir a própria água com a associação quando necessário. “Quando pegamos água da casa de um morador, ajudamos ele a pagar a conta”, conta o comerciante nigeriano Mukandaz Ade, que vive há dez anos no Brasil e frequenta a mesquita desde a abertura.

Os cursos de português, antes promovidos pela mesquita, estão suspensos até segunda ordem devido à situação, já que sala de aula também virou dormitório improvisado, onde ficam basicamente as mulheres, separadas dos homens (mais numerosos e que ficam no salão principal). “Primeiro decidimos focar em resolver a questão da água para depois retomarmos os cursos de português”, afirma Henry.

Sala de orações vira dormitório à noite. Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Sala de orações vira dormitório à noite.
Foto: Rodrigo Borges Delfim

Busca por apoio esbarra em preconceito e desinformação

A mesquita tem usado com frequência as redes sociais com fotos e vídeos para dar visibilidade à situação do local e conseguir apoio. No entanto, estereótipos e desinformação deixam essa tarefa mais árdua.

“Quando ligo em emissoras e jornais para falar dos migrantes e refugiados aqui, ainda tem gente que a confunde com a Missão Paz [ligada à Igreja Católica e que fica no Glicério], ou pessoas que acham que refugiado é igual a fugitivo”, exemplifica Henry. O voluntário crê ainda que o fato de ser uma mesquita e abrigar africanos e muçulmanos em sua maioria também dificulta na busca por apoio, devido aos preconceitos que em geral recaem sobre essas pessoas.

O senegalês Massar Saar, que trabalha como eletricista e frequenta a mesquita, também crê que existe preconceito em relação aos migrantes e ao local, especialmente por conta da desinformação da sociedade sobre o tema. “É complicado, fica uma coisa escondida. A pessoa pode ficar falando com você, mas sem querer te ajudar de fato. O imigrante está sofrendo porque falta uma política de informação sobre a imigração e o refúgio no Brasil. A população tem que saber o que é a imigração, o que os migrantes estão fazendo aqui, por que vieram para cá”, analisa.

Outras mesquitas de São Paulo e da região metropolitana dão certo apoio, em especial com fornecimento de material sobre o Islã em diferentes idiomas – do árabe ao português. Já mantimentos em geral e roupas vêm especialmente de doações de comerciantes e moradores da região (migrantes e brasileiros), além de eventuais contribuições de frequentadores da Al Bayt.

“Água, comida e roupa feminina é o que precisamos mais no momento”, pede Henry.

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