Angola: Jornalista Premiado Enfrenta Tribunal por Investigar “Diamantes de Sangue”

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Escrito com a colaboração de Jonathan McCully

No mês passado, Rafael Marques de Morais foi galardoado com o prémio de jornalismo Index Liberdade de Expressão, pelo “jornalismo de investigação impactante, original e corajoso” que tem feito na sua terra natal de Angola. Amanhã [23 de Abril], enfrenta o tribunal sob acusação de denúncia caluniosa por causa do seu trabalho como jornalista.

No seu discurso da entrega do prémio, Rafael Marques disse acreditar no “poder da solidariedade” e dedicou o galardão a Eskinder Nega e Reeyot Alemu, seus colegas Etíopes que estão na prisão por exercerem o seu direito à liberdade de expressão.

Rafael Marques é um destacado jornalista de investigação em Angola com vinte anos de experiência. Trabalhou para meios de comunicação nacionais e internacionais. É o fundador do site de noticias Maka Angola, onde publica parte do jornalismo de investigação que é autor. A razão que o levou a tribunal foi a publicação do seu livro Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola, livro que foi proclamado não só pela qualidade da investigação mas também pela sua importância na denúncia de sérios casos de violação dos direitos humanos alegadamente cometidos por generais angolanos envolvidos na industria diamantífera do país. Denúncia, muitas vezes, negligenciada pela opinião pública devido à falta de noticias nesta matéria. Como resultado, Rafael Marques enfrenta um pedido de indemnização por calúnia que ascende a 1.6 milhões de dólares americanos e nove anos de prisão. Uma pena pesada por informar o público sobre alegadas violações dos direitos humanos.

[actualizado, 25/04/2015] A audiência, que foi adiada em Março último, teria lugar no dia 23 de Abril, no Tribunal Provincial de Luanda. Voltou a ser adiada para o dia 14 de Maio.[actualizado, 25/04/2015]

Outras condenações

Esta forma de opressão não é nova para Rafael Marques. Por três ocasiões, em 1999, escreveu artigos críticos do Presidente José Eduardo dos Santos no jornal angolano Agora. Marques afirmou que o Presidente era responsável pela “destruição do país”, e acusou-o de promover a incompetência e a corrupção na vida política. O activista, foi preso por 43 dias sem acusação formal e, posteriormente, foi processado pelo “crime de calúnia”, seis meses de pena suspensa e condenado a pagar uma indemnização.

A Comissão de Direitos Humanos da ONU, argumentou que a gravidade dessas sanções penais “não pode ser considerada como uma medida proporcional seja para proteger a ordem pública ou a honra e a reputação do Presidente, que é uma figura pública e, como tal, deverá estar sujeito ao escrutínio público e a oposição.”

2015 Index on Censorship award winners. Rafael Marques de Morais, Safa Al Ahmad, Amran Abdundi, Mouad “El Haqed” Belghouat (GV Advox member) and Tamas Bodoky of Atlatszo. Photo by Alex Brenner for Index on Censorship.

Vencedores do prémio 2015 Index-Liberdade de Expressão. Rafael Marques, Safa Al Ahmad, Amran Abdundi, Mouad “El Haqed” Belghouat (Membro GV Advox) e Tamas Bodoky da Atlatszo. Photo de Alex Brenner para Index on Censorship.

Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola

Durante o início da década de 2000, Rafael Marques investigou sobre o comércio de “diamantes de conflito” em Angola e descobriu abusos dos direitos humanos na região da Lunda. Em 2011, publicou Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola, em Portugal. O livro relata homicídios, tortura, intimidação e possessão de terras contra os habitantes das áreas de mineração de diamantes da região de Lunda ao longo de um período de 18 meses. No livro constam relatórios inéditos de 500 casos de tortura e 100 mortes. O mesmo refere um caso onde guardas de uma empresa de segurança privada e de uma série de generais das Forças Armadas Angolanas foram cúmplices de tais abusos.

Em Novembro de 2011, Rafael Marques entrou com uma queixa-crime, em Luanda, acusando nove generais angolanos de crimes contra a humanidade e corrupção em conexão com as actividades de mineração de diamantes que haviam ocorrido na região da Lunda. Mas o gabinete do Procurador-Geral recusou-se a dar seguimento à queixa, argumentando que as informações fornecidas pelas vítimas eram “irrelevantes”, pois “não forneciam nenhuma informação nova” além das que eles tinham dado ao jornalista para o seu livro.

Processos judiciais em Portugal e Angola

Em 2012, um grupo de generais angolanos apresentou uma queixa por difamação contra Rafael Marques em Portugal por causa do livro publicado. No dia 11 de fevereiro de 2013, para a insatisfação dos generais, o Ministério Público Português optou por não levar o assunto adiante, afirmando que a intenção de Marques “é claramente informar e não para ofender”. Em março de 2013 , os generais levantaram uma acção civil no Tribunal de Lisboa exigindo uma indemnização de 400 mil dólares para as supostas declarações difamatórias feitas no livro.

Enquanto decorria o processo em Portugal, no dia 3 de Abril de 2013, Rafael Marques de Morais foi chamado para interrogatório pela Unidade de Crime Organizado da Polícia Nacional em Luanda, Angola. O activista foi detido sem um mandato, interrogado na ausência do seu advogado, e não foi informado sobre a natureza das provas que tinham sido recolhidas contra ele. Após uma série de convocatórias irregulares e encontros com a procuradoria, Marques foi finalmente informado de que o seu julgamento teria lugar em Dezembro de 2014. Esta audiência foi adiada pelas autoridades angolanas, numa aparente tentativa de dissuadir os observadores internacionais e membros do público de assistirem à audiência.

Angola deve respeitar a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

No final de 2014, o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos decretou que penas de privação da liberdade só poderiam ser usadas como uma interferência legítima com a liberdade de expressão em circunstâncias muito limitadas tais como o incitamento ao ódio ou à violência. O mesmo tribunal decretou também que todas as sanções que são de natureza criminal, incluindo multas civis, devem ser necessárias e proporcionais ao crime em questão.

As autoridades angolanas estão a tentar punir Rafael Marques sob leis de difamação criminal que apresentam uma clara afronta ao direito à liberdade de expressão. Este direito é reconhecido pelo artigo 9 da Carta Africana, que é obrigatória para Angola, tal como interpretado pelo Tribunal Africano. O jornalista está a enfrentar uma sentença de nove meses de prisão por informar sobre questões de interesse público, quando não existe nenhuma razão legítima que levam as autoridades a aplicar uma pena tão dura.

Este caso é um claro exemplo da constante perseguição, adoptada pelo governo de Angola, sobre aqueles que exercem o seu direito de liberdade de expressão para fins jornalísticos legítimos. A história do jornalista e activista Rafael Marques destaca as sanções penais, muitas vezes desproporcionais, que podem ser efectuadas por aqueles que procuram falar contra a corrupção e abusos dos direitos humanos em Angola. Esperamos que o tribunal angolano tenha em conta os compromissos assumidos nos termos do artigo 9 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos quando se realizar a audiência no Tribunal. Sabemos que a posição de Rafael Marques de Morais, em relação a este caso, continua precária.

Jonathan McCully é assistente de projecto do Mídia Legal Defence (MLDI), uma organização de apoio jurídico global que ajuda jornalistas, blogueiros e meios de comunicação independentes a defender os seus direitos. A MLDI oferece ajuda financeira e apoio jurídico/contencioso. Nani Jansen é Directora Jurídica da MLDI.

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