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Moçambique: Nyusi assume a presidência do partido Frelimo depois da renúncia de Guebuza

Categorias: Moçambique, Mídia Cidadã, Política
Filipe Nyusi durante o Comité Central da Frelimo. Foto: Imagem de tela da tv por Dércio Tsandzana.

Filipe Nyusi durante o Comité Central da Frelimo. Foto: Imagem de tela da tv por Dércio Tsandzana.

Moçambique viveu, desde o dia 26 de Março, momentos de grande agitamento político. Tudo pelo facto do maior partido do país e actualmente no poder, Frelimo [1], se ter reunido numa sessão ordinária do Comité Central. Agitação que se justifica pela recente polémica, que o Global Voices deu destaque [2], à qual se falava da “existência de dois poderes dentro e fora da Frelimo” onde, de um lado, tínhamos o presidente da República [Filipe Nyusi [3]] e do outro, o Presidente do Partido [Armando Guebuza [4]].

O evento decorreu na província de Maputo, concretamente na cidade de Matola [5]. A agenda da reunião, inicialmente colocada à disposição pela Frelimo, incidia sobre questões relativas à situação económica e política do país, como consta na página oficial do Comité Central da Frelimo [6]:

(…)Compatriotas,

Sob orientação do camarada Presidente Armando Guebuza, a sessão do Comité Central irá analisar a situação política, econômica e social da FRELIMO, irá analisar os relatórios de desempenho das várias direcçōes do Partido, o processo eleitoral, o plano de actividades e orçamento para 2015. Estamos convencidos que no final desta rica, triunfante e oportuna sessão, a FRELIMO sairá reforçada a todos os níveis. Estamos convictos igualmente que os respeitados membros deste órgão saberão traduzir as bases todas orientações e recomendações que resultarão de amplos debates no mais alto sentido democrático que nos é habitual. As agendas estranhas a nossa natureza e origem não devem nos roubar tempo e muito menos merecer a nossa atenção. (…)

Na abertura da reunião, o então Presidente do Partido, Armando Guebuza, lançou um discurso [7] que foi visto dentro e fora do Frelimo como “intimidatório e de falta de abertura para o diálogo”:

Armando Gebuza na reunião do Comité Central da Frelimo. Foto: Imagem de tela da tv por Dércio Tsandzana

Armando Guebuza na reunião do Comité Central da Frelimo. Foto: Imagem de tela da tv por Dércio Tsandzana

(…)Caros Camaradas,
A FRELIMO saiu mais coesa e reforçada do seu processo democrático interno de Março de 2014 e das eleições de 15 de Outubro passado. Preocupa-nos, todavia, a postura e comportamento de alguns camaradas, que, publicamente engendram acções que concorrem para perturbar o normal funcionamento dos órgãos e das instituições e para gerar divisões e confusão no nosso seio.
Recordemo-nos, por outro lado, caros camaradas, que hoje, como ontem, quando os nossos adversários nos elogiam é porque descobriram ou porque pressentem que estamos no caminho errado, pois eles não nos querem e nunca vão-nos querer por bem:
Não querem uma FRELIMO forte, omnipresente e popular;
Não querem ver o seu Governo forte e a implementar, com celeridade e impacto, o nosso manifesto eleitoral;
Não querem ver o nosso Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, forte, firme, dando o seu melhor na direcção do Estado porque sabem que isso beneficia não só a ele como à nossa gloriosa FRELIMO.
Os nossos adversários batalham, dia e noite, para que o seu sonho seja materializado. (…)

Umas das vozes mais sonantes e críticas a esse discurso foi a de Jorge Rebelo(en) [8], um veterano do partido:

Jorge Rebelo, veterano do partido Frelimo. Foto: Imagem de tela da tv por Dércio Tsandzana

Jorge Rebelo, veterano do partido Frelimo. Foto: Imagem de tela da tv por Dércio Tsandzana

Qual é o mal do presidente Guebuza? É que ele não está aberto as discussões e trava, reprime. Neste seu discurso, por exemplo, ele já lançou essa ideia e agora toda gente fica com medo de ir dizer (na sessão em curso) qualquer coisa.
Por exemplo agora nas sessões seguintes os convidados estão excluídos.
Eu não tenho direito de participar mais.(Se fosse membro do Comité Central), claro que diria (A necessidade de passar as pastas para Nyusi). Não só porque isso é útil para democracia e para a democracia do partido, mas porque é meu dever. O meu dever não é vir aqui bater palmas.
O dever do membro do Comité Central é levantar as questões que cada um considera pertinentes e que contribuem para a estabilidade no país. E estabilidade só pode existir com uma discussão aberta.” (Jorge Rebelo, in MediaFax 27.03.2015)

Ivone Soares [9], deputada da Renamo [10] (maior partido da oposição) também comentou sobre o ”divisionismo” e liberdade de expressão na Frelimo:

A reunião do Comitê Central da Frelimo começou de forma interessante: históricos daquele partido exigindo que se respeite o costume e se dê à presidência a Nyusi. Outro(s) diz(em) estar na era do “cinema mudo” evitando assim falar antes do “tempo.”
Há muita sede de se fazer uso da liberdade de expressão. Fruto da Democracia.

Alguns cidadãos advogavam que “Guebuza não iria deixar o poder porque controlava o Estado através do partido que dirigia”, refere o jornalista, Marcelo Mosse [11] e acrescenta, na sua página do Facebook:

Os medos de Guebuza
O desfecho do conclave da Frelimo que se inicia amanha na Matola depende muito da coragem de Armando Guebuza em sacudir os seus medos e enfrentar a realidade como um cidadão comum. Um desfecho esperado eh que ele deixe a liderança do partido Frelimo, terminando a actual governação bicéfala que tem atrasado o arranque pleno do consulado de Filipe Nyusi. Minhas fontes na Frelimo dizem que, a cada dia que passa, Guebuza se vê isolado e começa a perceber que não tem condições para insistir em liderar o partido contra a corrente. Existe, por isso, uma grande probabilidade de ele aceitar um convite para sair voluntariamente, como fez Chissano. E Guebuza vai aproveitar, dizem-me, esta oportunidade para sair em grande e não pela porta pequena, como seria se ele insistir em fazer finca-pé. No essencial, os medos tem o padrão comum: conflitos em negócios e um aparente enriquecimento ilícito com recurso ao bem publico. Por isso, o medo de retaliações e de uma perseguição judicial.

Cresciam as especulações em torno da sucessão, ou não, de Armando Guebuza:

O que já vinha sendo levantado pelos jornais ao longo da semana veio a confirmar-se no Domingo, 29 de Março. Guebuza renunciou definitivamente à liderança do partido e Filipe Nyusi foi eleito novo presidente da Frelimo com quase 100% dos votos, as reações não tardaram a chegar às redes sociais. Egídio Vaz [13], comunicador, historiador e analista política disse:

Bye bye Guebuza!
Guebuza já não é Presidente da Frelimo. Renunciou ao cargo as 11:13 MINUTOS de hoje.
CONFIRMADISSIMO!

No final da IV sessão ordinária do Comité Central do Partido Frelimo, o novo líder prometeu manter a cooperação com todos os agentes políticos, inclusive a oposição:

Confirma-se assim a lógica histórica da liderança no partido Frelimo onde o Presidente da República deve, de igual modo, ser o Presidente do Partido.